Opinião
27 de outubro de 2022- Visualizações: 5161
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C.S. Lewis e a política
Por Paulo Ribeiro
O desafio de ensinar o óbvio: “amar o que é amável e desprezar o que é desprezível”
Em 1951, C.S. Lewis foi indicado a receber o título honorário de "Comandante do Império Britânico". Lewis recusou a oferta de Churchill para evitar que tal honraria fosse usada como trunfo político e partidário de alguns. Sua recusa, no entanto, não significava que Lewis não tivesse convicções sobre sistemas políticos. Ele estava apenas menos interessado na politicagem.
Outra mudança é a proeza tecnológica dos séculos XX e XXI: as máquinas estão sempre melhorando. A humanidade é levada a pensar que “quase nada pode ser transformado em quase qualquer coisa”, de acordo com Lewis. Outras mudanças incluem “uma ênfase no conhecimento prático sobre a sabedoria” e “um crescente ceticismo em relação à razão”.
PARA QUE TODOS SEJAM UM – A UNIDADE DA IGREJA É POSSÍVEL? | REVISTA ULTIMATO
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O desafio de ensinar o óbvio: “amar o que é amável e desprezar o que é desprezível”
Em 1951, C.S. Lewis foi indicado a receber o título honorário de "Comandante do Império Britânico". Lewis recusou a oferta de Churchill para evitar que tal honraria fosse usada como trunfo político e partidário de alguns. Sua recusa, no entanto, não significava que Lewis não tivesse convicções sobre sistemas políticos. Ele estava apenas menos interessado na politicagem.A visão política de Lewis era diferente dos outros porque ele se concentrava no aspecto aristotélico da política, a polis. A polis é a “comunidade abrangente, que combinava esferas e identidades [de] … religião, governo, família, escola e negócios”. Para Aristóteles, tudo isso é mantido corretamente “visando algum bem”. Esse foco é diferente dos interesses e das maquinações da política, que recebem a maior atenção da mídia e da comunidade.
Aos 10 anos, C. S. Lewis escreveu um ensaio “sobre o futuro relacionamento da Irlanda e da coroa britânica”. Quando atingiu a idade adulta, ensinou e escreveu sobre vários filósofos políticos, de Platão a Rousseau e Lenin. Mas o mais importante, Lewis comentou e escreveu muitas vezes sobre os fundamentos da política, a luz da lei natural (*). Este era o “permanente no político”, a verdade sobre a qual a lei e a ordem são fundadas e continuamente substanciadas.
Se reconhecermos como a lei natural pode ser a força vital do sucesso da polis no seu florescimento, veremos que os escritos de Lewis transbordam de temas políticos. Esses temas são encontrados nas Cartas do Diabo, Crônicas de Nárnia e A Abolição do Homem, entre outros. Eles trazem muita sabedoria para o exercício da política.
Em A Abolição do Homem vemos que as tendências políticas no mundo moderno estão relacionadas, em última análise, a uma “rejeição filosófica da tradição da lei natural”. Em Aquela Fortaleza Medonha Lewis ilustrou a realidade de forma bastante potente, acreditando que uma peça de ficção seria mais impactante e receberia menos contra-argumentos da sociedade do que uma obra filosófica. No prefácio do livro, ele escreve que seu desejo é que a verdade seja vista como se pela primeira vez “despojada de [suas] associações de vitrais e Escola Dominical”. O objetivo deste livro e de suas outras peças de ficção não era “principalmente ganhar debates, mas moldar disposições emocionais por meio da educação moral”.
Para Lewis uma alma humana corretamente ordenada é aquela em que a razão se submete à autoridade de Deus, por um lado, e nossas emoções e apetites se submetem à autoridade da razão.
Uma burocracia científica agora é possível devido aos avanços em ciência, tecnologia e a relação que os governos têm com seus cidadãos. Por exemplo, muitos desfrutam de maior saúde, longevidade e lazer do que em qualquer outro momento da história. Lewis via os governos democráticos como ansiosos por espalhar os benefícios a todos, pois esse é o centro do pensamento democrático: a igualdade desfrutada por todos. Assim, ele viu uma combinação mortal nas democracias liberais: avanços tecnológicos, niilismo moral e poder. Esse estado totalitário envolto em democracia possibilitada pela degradação da educação.
Em Abolição do Homem, Lewis se concentrou nas deficiências da educação moderna. Ele demanda que os alunos sejam ensinados a “amar o que é amável e desprezar o que é desprezível”. Para Lewis uma alma humana corretamente ordenada é aquela em que a razão se submete à autoridade de Deus, por um lado, e nossas emoções e apetites se submetem à autoridade da razão. Com a falta de ordem adequada o subjetivismo moral aplicado na educação resulta na ruína de nossa civilização. Lewis afirma que isso ocorre porque “conquistaríamos nossa própria natureza” e nos tornaríamos sujeitos aos caprichos da “natureza material”.
O resultado é educação e propaganda devastadoras. Além disso, o governo legítimo e a tirania tornam-se a mesma coisa. Isso leva a um fim horrível na era moderna devido aos seus avanços científicos. Os avanços combinados com um “estado onicompetente” usado pelos influenciadores sociais permitirão que eles “façam o homem” à sua própria imagem. Lewis ilustrou isso em Aquela Fortaleza Medonha com uma agência de engenharia científica e social (N.I.C.E.) cuja missão era “superar e subjugar a natureza com a ciência”.
Para Lewis, um pré-requisito para uma boa governança é o reconhecimento de um “superior natural”. A hierarquia é um componente interno. A obediência é construída sobre isso. Isso é uma deficiência da democracia. Seu efeito nivelador é uma lei antinatural.
Lewis selecionou aspectos-chave das obras de John Locke e John Mill para formular uma democracia viável: a teoria do contrato social de Locke e o princípio do dano de Mill. Lewis e Locke acreditavam que Deus era o autor da natureza humana e que toda pessoa é igual diante de Deus. Ambos acreditavam que Deus havia dado ao homem uma moralidade comum a todos e não exclusiva do cristianismo. De acordo com essa moral, nenhum homem deve prejudicar outro. Essa era a espinha dorsal da teoria de Locke, que detalhava uma execução mútua de deveres pelo governo e pelos cidadãos com base em suas posições. O governo deve proteger e permitir que seus cidadãos vivam seus direitos dados por Deus de acordo com suas preferências individuais, e os cidadãos devem viver harmoniosamente sem causar danos a nenhum membro da sociedade.
Mill concordou que o governo tinha a responsabilidade de exercer seu poder sobre uma pessoa que causaria danos corporais a outro membro da sociedade. Ele fala de um limite, no entanto, para a extensão do poder de prevenção de danos do governo.
Lewis adverte a Igreja da tentação de se engajar na idolatria da teocracia, o que ele chamou de o pior de todos os governos. Ele via que os cristãos eram igualmente suscetíveis ao abuso de poder por causa da natureza decaída da humanidade. Em segundo lugar, a concepção de Lewis protege o reino da política.
Enfim, como chegamos até aqui? Lewis apontaria as mudanças-chave que começaram em meados do século XIX e continuaram por cerca de cem anos. A principal mudança é uma revolução educacional. Assim, as pessoas não conhecem o passado e não têm compreensão adequada para medir o valor do presente.
Eu não mereço uma participação no governo de um galinheiro, muito menos de uma nação. Nem a maioria das pessoas [...]. A verdadeira razão da democracia é justamente o inverso. A humanidade está tão decaída que não se pode confiar a nenhum homem um poder irrestrito sobre seus semelhantes
Outra mudança é a proeza tecnológica dos séculos XX e XXI: as máquinas estão sempre melhorando. A humanidade é levada a pensar que “quase nada pode ser transformado em quase qualquer coisa”, de acordo com Lewis. Outras mudanças incluem “uma ênfase no conhecimento prático sobre a sabedoria” e “um crescente ceticismo em relação à razão”.
Numa época em que as democracias ao redor do mundo parecem menos interessadas em ser incubadoras de liberdade e mais de burocracias, a sabedoria presciente de Lewis nos ajuda a entender como e por que uma forma de governo tão promissora foi tão facilmente corrompida. Apesar de favorecer uma democracia liberal clássica, parecia ser uma posição padrão para ele. Ele acreditava que a democracia era a única opção viável para obstruir a tirania política. Sua honestidade sobre a falta de confiabilidade da capacidade do homem de governar é chocante e necessária em nossos dias.
Em “Preocupações Atuais” Lewis admitiu: “Eu não mereço uma participação no governo de um galinheiro, muito menos de uma nação. Nem a maioria das pessoas que acreditam em anúncios, em palavras de ordem e espalham boatos. A verdadeira razão da democracia é justamente o inverso. A humanidade está tão decaída que não se pode confiar a nenhum homem um poder irrestrito sobre seus semelhantes”.
Finalmente, a palavra do profeta Isaias nos dá uma recomendação sábia.
Ai daqueles que fazem leis injustas, que escrevem decretos opressores, para privar os pobres dos seus direitos e da justiça os oprimidos do meu povo, fazendo das viúvas sua presa e roubando dos órfãos! (Isaías 10:1-2)
Em quem Lewis votaria?
Suspeito que Lewis teria se consolado em sua fé de que este mundo não é o único, e não é o que importa, em última análise.
Em quem Lewis votaria?
Suspeito que Lewis teria se consolado em sua fé de que este mundo não é o único, e não é o que importa, em última análise.
(*) Lei Natural é o que podemos chamar de jogo limpo, ou decência, ou moralidade, ou a Lei da Natureza.
PARA QUE TODOS SEJAM UM – A UNIDADE DA IGREJA É POSSÍVEL? | REVISTA ULTIMATOQual a melhor resposta para um mundo cada vez mais dividido e para uma igreja cada vez mais polarizada? Pode parecer estranho, mas a resposta bíblica é óbvia: a Unidade em Cristo. E a pergunta que se segue é: “Que unidade é essa?” Aquela pela qual Jesus orou (Jo 17.23).
Saiba mais:
» O Regresso do Peregrino, de C.S. Lewis
» Até Que Tenhamos Rostos, de C.S. Lewis
» Conselhos finais sobre as eleições: C.S. Lewis com a palavra
» C. S. Lewis em tempo eleição: A tentação de dizer “Assim diz o Senhor” quando conversamos sobre política
» C. S. Lewis em de tempo eleição: “O que é justo” versus “o que funciona”
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Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade de Manchester, na Inglaterra, foi Professor em Universidades nos Estados Unidos, Nova Zelândia e Holanda, e Pesquisador em Centros de Pesquisa (EPRI, NASA). Atualmente é Professor Titular Livre na Universidade Federal de Itajubá, MG. É originário do Vale do Pajeú e torcedor do Santa Cruz.
>> http://lattes.cnpq.br/2049448948386214
>> https://scholar.google.com/citations?user=38c88BoAAAAJ&hl=en&oi=ao
Pesquisa publicada recentemente aponta os cientistas destacados entre o “top” 2% dos pesquisadores de maior influência no mundo, nas diversas áreas do conhecimento. Destes, 600 cientistas são de Instituições Brasileiras. O Professor Paulo F. Ribeiro foi incluído nesta lista relacionado a área de Engenharia Elétrica.
>> http://lattes.cnpq.br/2049448948386214
>> https://scholar.google.com/citations?user=38c88BoAAAAJ&hl=en&oi=ao
Pesquisa publicada recentemente aponta os cientistas destacados entre o “top” 2% dos pesquisadores de maior influência no mundo, nas diversas áreas do conhecimento. Destes, 600 cientistas são de Instituições Brasileiras. O Professor Paulo F. Ribeiro foi incluído nesta lista relacionado a área de Engenharia Elétrica.
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