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Opinião

Sou cristão. Até onde devo ir com a minha imaginação?

A pergunta, antes de ser teológica ou cristã, é antropológica. Seria como perguntar ao peixe, até onde ele deve ir na água. Será que ele poderia se afogar, se ele der muita trela para a água? Ora, ele foi criado na e para a água. Ela faz parte do ser e do seu habitat natural. Aliás, ele não vive sem ela e pronto.

Acontece que o peixe muitas vezes não se dá conta da água de tanto que está envolto por ela. E a turma do deixa disso diz que ela pode ser prejudicial a ele. E, de certa forma, pode ser mesmo, mas como tudo o mais na vida, não porque seja uma característica intrinsecamente maligna ou perigosa da água. O peixe não vai se meter num esgoto, que vai contaminá-lo, ou numa correnteza de água, que ele sabe que vai arrastá-lo para lugares que ponham a sua integridade em risco. Mas isso é uma questão de bom senso (que, aliás, também está cada vez mais raro nos dias de hoje).

Do ponto de vista antropológico, o ser humano é tal, que tem alma, mente e coração. É certo que não se pode fazer uma separação rígida entre essas instâncias, mas pode-se dizer que enquanto a razão se associa mais à mente; e a emoção, ao coração; a alma está mais associada à psicologia, em particular à fé e, pasmem, à imaginação. Em primeiro lugar, porque somos uma imagem por excelência, criados como um reflexo de Deus. A nossa imagem é o que temos em comum com Deus desde o primeiro instante em que somos concebidos, o que inclusive não depende de sermos salvos ou não. Imaginação tem a ver com imagem. Tanto que a oração é o momento de máxima imaginação que se pode ter, em que a nossa imagem se comunica com a imagem de um Deus invisível, que não podemos tocar nem ouvir como os órgãos dos sentidos externos, só imaginar.

C.S. Lewis, que se converteu mais pela via da imaginação, do que da razão, dizia que, enquanto a razão se concentra na verdade das coisas, a imaginação se encarrega do sentido. Uma coisa não vive sem a outra, e eu acrescentaria a emoção como ombro que une essas duas asas do anjo da compreensão humana. Sem imaginação, as coisas e, no fim, a própria vida, perdem o sentido. Não é para menos que o professor sábio não fica socando conhecimentos racionais à força na cabeça dos seus alunos, mas os veste de histórias, anedotas, provérbios e contos de fada.

O conto de fadas (e antes dele, o mito) é um patrimônio cultural comum da humanidade desde os tempos mais remotos, que tem relação com o inconsciente coletivo – o que significa que até um cristão participa dele, a menos que ele queira viver como um alienígena sobre a face da Terra. E ele tem pelo menos três funções psicológicas importantes para qualquer ser humano, de acordo com J.R.R. Tolkien:

Escape – de uma visão ordinária das coisas, excessivamente materialista e consumista, voltada exclusivamente para o aqui e agora. O elemento da magia e do sonho contribui para esse distanciamentos saudável da realidade do trabalho.

Consolo – dos sofrimentos da vida. Afinal de contas, a vida de qualquer leitor é menos dolorosa, desesperadora e ruim do que a que os heróis dos contos de fada têm que enfrentar.

Recuperação – das feridas da vida, que uma vez constatadas pela identificação com o herói ou mesmo com o vilão ou coadjuvantes da história, são tratadas e saradas. Isso porque a história sempre tem uma perspectiva positiva, esperançosa e cheia de fé e amor, principalmente com o seu final feliz. Essa culminância é um prenúncio da boa nova do evangelho, que Tolkien chamava de evangelium e pode preparar o terreno para uma pessoa se abrir para Jesus, que é o caminho para o verdadeiro final feliz.

Aliás, 90% dos filmes que vemos e dos livros que lemos têm um final feliz. Esses algumas vezes são tentativas de imitação dos clássicos contos de fada, mas muitas vezes com uma moral questionável nas entrelinhas, que desviam da moral universal e universalizável dos contos de fada, muitas vezes distorcendo intencionalmente essa moral, para parecerem modernos.

Então, onde está o limite da imaginação e dos contos imaginativos? No mesmo lugar em que está o limite da comida, da bebida, das amizades e de tudo o que é humano: no excesso. Quando a imaginação serve para se alienar da vida e nunca mais voltar à realidade dos fatos; quando ela serve para satisfazer desejos e fantasias que não temos a coragem de realizar na prática; quando serve para promover o mal e uma moral depravada e desviada (portanto, não bíblica); quando substitui a Bíblia e se torna mais importante que a doutrina, então aí está o limite.

Mas não se deve voltar à época da caça às bruxas, vendo o diabo à espreita atrás de toda página de um Harry Potter, ou de Percy Jackson, mas considerar todas as coisas e reter o que é bom (1 Tessalonicenses 5.21). Esse, aliás, é um exercício de sabedoria, ou discernimento, que muitos têm preguiça de realizar, principalmente pais, junto com seus filhos; e pastores, junto com as suas ovelhas. Mais fácil é “jogar o bebê com água do banho” e condenar tudo que tenha seres feéricos como feiticeiras e faunos. Então a Bíblia teria que ser condenada porque fala em serpente e diabo.

É preciso considerar em que medida esse tipo de literatura está fazendo as crianças voltarem a ler e exercitar a sua imaginação de forma saudável. Pois não é o que entra no homem o que o contamina, mas o que sai (Mateus 15.11) E esse é precisamente o sentido e significado dos contos imaginativos: o exercício da sabedoria e a extração dos valores éticos contidos nas histórias, que são perfeitamente compatíveis com o cristianismo.

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É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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