Opinião
- 02 de fevereiro de 2018
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Ouviu-se um choro amargo em Cajazeiras
Por Reginaldo Silva
Ontem, pela primeira vez tive medo de visitar um amigo que recentemente mudara com sua família para uma nova comunidade. Saindo do trabalho, depois de conversarmos sobre a situação de violência que se instalara pela cidade, ceifando a vida de milhares de pessoas, principalmente adolescentes e jovens, fui deixá-lo em sua nova residência. Estava feliz com a sua conquista e desejava conhecer aquele novo lar, mas ao entrar na comunidade, ter de baixar os vidros, respeitar os pontos de parada, senti medo e deseje sair do local o mais rápido possível. No carro, chorei bastante, lamentando a situação de violência que não nos permite mais tecer relacionamentos, compartilhar alegrias, integrar comunidades.
No dia 27 de janeiro de 2018, Fortaleza presenciou sua maior chacina da história. No bairro Cazajeiras, periferia da cidade, catorze pessoas foram brutalmente assassinadas e outras tantas ficaram feridas. Os minutos de terror levaram as vidas de comerciantes, donas de casas, pessoas que se divertiam em uma casa de show da comunidade, adolescentes que estavam na rua, em sua grande maioria mulheres. A rotina daquela comunidade foi drasticamente modificada pelos barulhos dos tiros que se ouviam naquelas vielas e ruas.
A Secretaria de Segurança e Defesa Social classificou a tragédia como um fato isolado e o Governo Estadual complementou afirmando que a situação da violência estava sobre controle. Entretanto, nos últimos doze meses aconteceram oito chacinas no estado, levando a óbito quarenta e seis pessoas, segundo informações do Jornal O Povo. Segundo Relatório do Programa Ceará Pacífico, entre os anos de 2000 a 2013, o Ceará passou por uma grande elevação nas taxas de óbitos por agressão, com 207% de aumento. Considerando os anos de 2011 a 2013, o estado ocupava a quarta posição no ranking nacional de taxas de óbitos por agressão, com uma média anual de 42,76% vítimas por 100 mil habitantes. Considerando apenas o Nordeste, em 2013 o Ceará ocupava a segunda posição no ranking, atrás apenas de Alagoas.
>>> O Mal e a Justiça de Deus - Mundo injusto, Deus justo? [N. T. Wright] <<<
O Mapa da Violência revelou que em 2014, foram registrados 3.792 homicídios, ocupando a segunda colocação no ranking nacional. O ano de 2017 foi um ano recorde no número de homicídios: 5.134, uma média de 14 assassinatos por dia, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social. Em relação a 2016 foi um crescimento de 50,7%. Em Fortaleza o crescimento foi de 96,4% em relação a 2016. Em números reais, foram 1978 assassinatos em 2017 e 1007 em 2016 na capital cearense. Se fizermos o recorte da morte de adolescentes, temos 981 homicídios no Ceará e 414 em Fortaleza, segundo dados do Comitê de Prevenção de Homicídios na Adolescência da Assembleia Legislativa.
O contexto de violência nos deixa perplexo pelo alto nível da barbaridade. Esse é um tempo oportuno para podermos sonhar com outro mundo possível. No nascimento de Jesus Cristo, o rei Herodes promoveu uma das maiores chacinas do mundo, mandando assassinar todas as crianças com menos de dois anos de idade. Mateus traz à lembrança um texto da antiga tradição judaica que dizia: “Ouviu-se um som em Ramá, o som de um choro amargo. Era Raquel chorando pelos seus filhos; ela não quis ser consolada, pois todos estavam mortos” (Mateus 2:18). Os assassinatos aconteceram em Belém e proximidades, região periférica de Israel, que não abrigava os poderosos do estado. O choro era de mães que perderam seus filhos de maneira violenta, para que determinado poder fosse mantido.
Hoje, certamente podemos parafrasear esse texto bíblico e dizer: “Ouviu-se um som em Cajazeiras, o som de um choro amargo. Eram Marias, Helenas, Joanas chorando pelos seus filhos e filhas; elas não querem ser consoladas, pois todos estão mortos”. São choros constantes também vindos da periferia, longe do centro do poder, como Belém. Choro de pessoas que não veem atualmente perspectiva de justiça ou mesmo do estabelecimento da paz. Um choro que contrasta com a indiferença do poder público quando trata a situação com extrema naturalidade. Um choro que nos convida a não estarmos insensíveis diante dessas pessoas e diante de Deus.
• Reginaldo Silva é um jovem pastor da Igreja Presbiteriana Independente em Fortaleza, Coordenador do projeto #eusintonapele/MJPOP, da Visão Mundial, que promove ações contra a violência de jovens em onze estados do Brasil.
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Onde está seu irmão?
O choro e a morte são as últimas notícias
Mais do mesmo: o problema da crise penitenciária
Ontem, pela primeira vez tive medo de visitar um amigo que recentemente mudara com sua família para uma nova comunidade. Saindo do trabalho, depois de conversarmos sobre a situação de violência que se instalara pela cidade, ceifando a vida de milhares de pessoas, principalmente adolescentes e jovens, fui deixá-lo em sua nova residência. Estava feliz com a sua conquista e desejava conhecer aquele novo lar, mas ao entrar na comunidade, ter de baixar os vidros, respeitar os pontos de parada, senti medo e deseje sair do local o mais rápido possível. No carro, chorei bastante, lamentando a situação de violência que não nos permite mais tecer relacionamentos, compartilhar alegrias, integrar comunidades.
No dia 27 de janeiro de 2018, Fortaleza presenciou sua maior chacina da história. No bairro Cazajeiras, periferia da cidade, catorze pessoas foram brutalmente assassinadas e outras tantas ficaram feridas. Os minutos de terror levaram as vidas de comerciantes, donas de casas, pessoas que se divertiam em uma casa de show da comunidade, adolescentes que estavam na rua, em sua grande maioria mulheres. A rotina daquela comunidade foi drasticamente modificada pelos barulhos dos tiros que se ouviam naquelas vielas e ruas.
A Secretaria de Segurança e Defesa Social classificou a tragédia como um fato isolado e o Governo Estadual complementou afirmando que a situação da violência estava sobre controle. Entretanto, nos últimos doze meses aconteceram oito chacinas no estado, levando a óbito quarenta e seis pessoas, segundo informações do Jornal O Povo. Segundo Relatório do Programa Ceará Pacífico, entre os anos de 2000 a 2013, o Ceará passou por uma grande elevação nas taxas de óbitos por agressão, com 207% de aumento. Considerando os anos de 2011 a 2013, o estado ocupava a quarta posição no ranking nacional de taxas de óbitos por agressão, com uma média anual de 42,76% vítimas por 100 mil habitantes. Considerando apenas o Nordeste, em 2013 o Ceará ocupava a segunda posição no ranking, atrás apenas de Alagoas.
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O Mapa da Violência revelou que em 2014, foram registrados 3.792 homicídios, ocupando a segunda colocação no ranking nacional. O ano de 2017 foi um ano recorde no número de homicídios: 5.134, uma média de 14 assassinatos por dia, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social. Em relação a 2016 foi um crescimento de 50,7%. Em Fortaleza o crescimento foi de 96,4% em relação a 2016. Em números reais, foram 1978 assassinatos em 2017 e 1007 em 2016 na capital cearense. Se fizermos o recorte da morte de adolescentes, temos 981 homicídios no Ceará e 414 em Fortaleza, segundo dados do Comitê de Prevenção de Homicídios na Adolescência da Assembleia Legislativa.
O contexto de violência nos deixa perplexo pelo alto nível da barbaridade. Esse é um tempo oportuno para podermos sonhar com outro mundo possível. No nascimento de Jesus Cristo, o rei Herodes promoveu uma das maiores chacinas do mundo, mandando assassinar todas as crianças com menos de dois anos de idade. Mateus traz à lembrança um texto da antiga tradição judaica que dizia: “Ouviu-se um som em Ramá, o som de um choro amargo. Era Raquel chorando pelos seus filhos; ela não quis ser consolada, pois todos estavam mortos” (Mateus 2:18). Os assassinatos aconteceram em Belém e proximidades, região periférica de Israel, que não abrigava os poderosos do estado. O choro era de mães que perderam seus filhos de maneira violenta, para que determinado poder fosse mantido.
Hoje, certamente podemos parafrasear esse texto bíblico e dizer: “Ouviu-se um som em Cajazeiras, o som de um choro amargo. Eram Marias, Helenas, Joanas chorando pelos seus filhos e filhas; elas não querem ser consoladas, pois todos estão mortos”. São choros constantes também vindos da periferia, longe do centro do poder, como Belém. Choro de pessoas que não veem atualmente perspectiva de justiça ou mesmo do estabelecimento da paz. Um choro que contrasta com a indiferença do poder público quando trata a situação com extrema naturalidade. Um choro que nos convida a não estarmos insensíveis diante dessas pessoas e diante de Deus.
• Reginaldo Silva é um jovem pastor da Igreja Presbiteriana Independente em Fortaleza, Coordenador do projeto #eusintonapele/MJPOP, da Visão Mundial, que promove ações contra a violência de jovens em onze estados do Brasil.
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