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21 de novembro de 2019- Visualizações: 5136
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Uma história de amor, não de amantes: Uma Misericórdia Severa
Por Sandro Baggio
[Contém spoilers do livro]
Uma Misericórdia Severa (Editora Ultimato, 2019) é uma história de amor, aventura e descoberta da fé cristã em meio a profundos questionamentos e sofrimentos repentinos. Escrito por Sheldon Vanauken (Van), o livro narra sua vida com Jean Davis (Davy), desde o momento em que se conheceram numa noite fria de inverno até a morte prematura de Davy. O que torna essa história especial é o amor entre ambos, denominado por Vanauken como "o amor pagão" e protegido por uma Barreira Brilhante - um escudo para proteger o amor de qualquer intruso. Trata-se de um amor incomum, como diz Vanauken: Acredito que seja sempre assim, mútuo, e, pelo menos no início, igualmente intenso se estar apaixonado for genuíno. [...] Quem nunca esteve apaixonado pode confundir obsessão ou uma mistura de afeição e atração sexual com o estar de fato apaixonado. Mas quando a “coisa real” acontece, não há dúvida. [...] Um esplendor repentino.
De fato, Vanauken descreve seu livro como “a autobiografia espiritual de um amor, não de amantes”. O amor os uniu num sonho: viajar pelo mundo a bordo de um veleiro, conhecendo ilhas paradisíacas e desfrutando de uma vida sem pressa. Mas esse sonho teve que ser abortado diversas vezes, até que, após o fim da Segunda Guerra, pela providência divina ambos vão parar em Oxford, na Inglaterra. Lá, suas vidas experimentam uma mudança tremenda quando fazem amizades com alguns cristãos e descobrem a literatura de C. S. Lewis. Vanauken refere-se a esse tempo da seguinte forma:
Algum tempo depois, cheguei ao apartamento em Woodstock carregando um monte de livros sobre o cristianismo. Durante o chá, contei a Davy meus pensamentos [...].
“Eu estava pensando... deveríamos saber mais”, disse ela. “Ah, que bom! Pelo visto você trouxe alguns de C. S. Lewis. [...] Enfim, quem é ele?”
“Um catedrático”, respondi. “Ele é um dos catedráticos em uma das faculdades [...]. No entanto, não ensina teologia. Leciona literatura inglesa. É brilhante! Li parte de um debate dele com um filósofo. Acho que vou ler esse primeiro – Milagres.”
Lewis se tornaria fundamental para a conversão de ambos, não somente por seus livros, mas também por meio de cartas trocadas entre eles de dezembro de 1950 a junho de 1962, em que questões sobre Deus, fé, críticas ao cristianismo, a singularidade de Cristo e, por último, o sofrimento, são levantadas por Vanauken e respondidas por Lewis.
Por meio das leituras, amizades, conversas e correspondência com Lewis, Davy e Van descobrem a fé e tornam-se cristãos. No meio dessa descoberta, encontramos insights poderosos sobre como uma pessoa em busca da verdade enxerga a fé cristã através da vida de cristãos. Por exemplo, em certo momento, Vanauken observa que muitos de seus amigos cristãos são de diferentes denominações - anglicanos, batistas, católicos romanos, luteranos - estavam unidos por muito mais (um "mero cristianismo" como diria Lewis) do que o que os dividia. Vanauken registrou em seu diário:
“O melhor argumento a favor do cristianismo são os cristãos: sua alegria, sua convicção, sua completude. Mas o argumento mais forte contra o cristianismo também são os cristãos – quando são sombrios e sem alegria, quando são donos da verdade e presunçosos em sua consagração complacente, quando são limitados e repressivos, então o cristianismo morre milhares de vezes. Mas, embora seja justo condenar alguns cristãos por essas coisas, talvez, no fim, não seja justo, embora muito fácil, condenar o próprio cristianismo por causa deles.”
Vanauken raciocina que "se mentes como as de Agostinho, Newman e Lewis podiam lutar com o cristianismo e se tornarem guardiões da fé, então era preciso levar essa crença à sério".
Essa história de amor tão bela e de descoberta de uma fé notavelmente genuína é marcada por uma tragédia inesperada. Davy é diagnosticada com uma enfermidade que acaba por ceifar sua vida. Em meio ao sofrimento, Vanauken encontra consolo e direção espiritual na correspondência com Lewis, a quem ele passou a amar "como se fosse um irmão e um pai combinados". É em uma dessas cartas que Lewis escreve algo que dá o título - uma misericórdia severa - ao livro de Vanauken. Coincidentemente o próprio Lewis passaria por sofrimento semelhante - sua noiva, Joy, foi diagnosticada com câncer -, e compartilharia sua própria dor com Vanauken. Os dois se encontraram muitas vezes durante esse período após a morte de Davy e durante a enfermidade de Joy.
Pode a fé sobreviver a tamanha tragédia? Lewis sugere que a maior tragédia seria a perda da fé. Vanauken encontra consolo na misericórdia severa de Deus. Por esse motivo, ele afirma:
A [...] retirada de Davy para as Montanhas da Eternidade – o que quer que isso signifique – não significa, é claro, que eu a ame menos, embora agora seja um amor sem o imediatismo da carne. Por causa do sonho que erigiu a Barreira Brilhante, por causa da intensa partilha de amor e beleza, por causa de Cristo, da morte e da dor, talvez estivéssemos tão próximos quanto os seres humanos podem estar. E a união assim criada irá, acredito, transcender a morte; ela perdura e irá perdurar.
Uma Misericórdia Severa é um daqueles livros que, ao chegar ao final, você sente vontade de começar a ler novamente. Um verdadeiro clássico!
UMA MISERICÓRDIA SEVERA | SHELDON VANAUKEN
Vencedor do National Book Award e do Gold Medallion Award, Uma Misericórdia Severa é um relato comovente de uma história de amor em meio à dor e à descoberta da fé. O livro traz dezoito cartas de C. S. Lewis, que, além de testemunhar sua amizade e influência na relação de um homem e uma mulher, apresentam algumas questões universais sobre a fé, a existência de Deus e as razões por trás do sofrimento.
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