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Opinião

Setembro amarelo, igreja de luto: precisamos falar sobre saúde mental

Para Gabriel (in memoriam)*

Quebrar o tabu sobre a saúde mental não é acessório nem episódico: é necessário e inadiável.

Por Ravena Albuquerque

Era um sábado de manhã. Eu só fui saber da notícia já era tarde. Minha primeira reação foi chorar, chorar bastante, de uma forma que não fazia há muito tempo. Não conseguia acreditar; era mesmo verdade? Conversei com minha mãe, mas logo desliguei o telefone pois não estava aguentando me conter em sua presença. As lágrimas precisavam descer, e uma sensação de vazio dentro do peito foi se apoderando sobre mim. Mais tarde, conversei com minha amiga Rute. Ela também não estava em Natal. Ela também não acreditava, me disse: “Ainda mais porque eu falei com ele essa segunda.” Como eu já havia me distanciado há um tempo e não vivia mais a rotina da igreja, estava à espera de ela me relatar algo, para eu tentar juntar as poucas peças desse quebra-cabeça. “Ele falou que as coisas estavam melhorando”, foi apenas o que ela me respondeu. Sábado foi um dia triste. Não há outra palavra para defini-lo. A notícia era, apenas, triste.

Quando Deus e o diabo apostaram a reação de Jó caso ele perdesse tudo, sua reação é sobrenatural: “Saí nu do ventre da minha mãe, e nu partirei. O Senhor o deu, o Senhor levou; louvado seja o nome do Senhor” (Jó 1:21). Rapidamente, Jó perde tudo o que tinha de mais valioso: Seus filhos, sua terra, seu gado, seus servos. A Bíblia diz que Jó era íntegro e justo. Para quem continua o livro, sabe que ele irá pôr em xeque a sua primeira reação; pois o sofrimento é muito grande. Em questão de dias, o homem que “não pecou e não culpou a Deus de coisa alguma” diz: “Por que não morri ao nascer e não pereci quando saí do ventre?”. Jó amaldiçoa o seu próprio nascimento; sua dor era tão grande que ele nem preferia ter experimentado a vida.

Eu me identifico com Jó. Em momentos de tristeza e sofrimento, ler Jó é como um refúgio. O meu pai sempre me contou da “impaciência de Jó”, ao contrário do ditado popular. Em diversas ocasiões Jó se demonstra ansioso, aflito... em momentos de desespero, nos arrependemos de escolhas que fizemos, questionamos quem somos e nos decepcionamos com Deus. Por que, Deus, você está permitindo que eu passe por toda essa dor? Às vezes até temos raiva dele. O que eu fiz para merecer isso?

Eu nunca fui próxima de Gabriel. Sempre o via nos aniversários de Tina. Lembro com nitidez de ele estar com seu violão, seu jeito bem sorridente e engraçado, tocando músicas brasileiras dos anos 80. Mesmo com décadas de casados, ele e Letícia sempre me pareceram um casal apaixonado. O acontecimento da morte de Gabriel, na última semana de agosto, me fez voltar a ler Máscaras da melancolia,¹ de John White, na entrada de setembro. Tenho descoberto com esse psiquiatra cristão que, além da tristeza, há vários outros sintomas que caracterizam a depressão. Até mesmo a alegria. A positividade tóxica da nossa época encobre a sinceridade do coração. “Está tudo bem” muitas vezes é uma resposta que não diz quase nada. Mas essa máscara é como um véu; se olharmos com cuidado e atenção – como as pessoas sempre deveriam ser olhadas –, conseguimos enxergar um pouco mais. O descortinar da melancolia é apenas uma questão de tempo.



Ravena, por que você está escrevendo sobre isso? Ainda sou jovem, não tenho nem estou em formação sobre psicologia ou psiquiatria, no que eu poderia acrescentar nessa discussão? Me questiono ao mesmo tempo que respondo esta pergunta: precisamos falar sobre setembro; precisamos falar sobre o mês de prevenção ao suicídio. Por ser jovem, quebrar o tabu sobre a saúde mental não é acessório nem episódico: é necessário e inadiável. Não sou profissional na área, mas sou paciente em ambas; além disso, sou escritora, e quero ser relevante no meu tempo. Sim, eu também queria acordar só depois que setembro passe,² parafraseando Billie Joe Armstrong, mas precisamos falar para elaborar como igreja os desafios contemporâneos. Se queremos ser relevantes, assim como cremos ser o Evangelho relevante, devemos pedir sabedoria a Deus e buscar agir conforme sua vontade, não conforme nossa zona de conforto. Desde que Philip Yancey disse que eu era corajosa,³ eu tenho pedido e buscado essa coragem a Deus, “Pois Deus não nos deu espírito de covardia, mas de poder, de amor e de equilíbrio.” (2Tm 1:7). Porém, a Ele tenho pedido paciência e resiliência.

Em momentos de muito sofrimento e desespero, não encontramos solução. Muitas vezes isso desemboca em insônia, falta ou excesso de apetite, isolamento e outros sintomas. Às vezes precisamos de um amigo para conversar. Às vezes precisamos ir no psiquiatra. Às vezes precisamos orar. Com tudo, ainda acredito que o amor é a solução. E o amor também nos dá esperança para viver o hoje.

Igreja evangélica brasileira, eu quero fazer um pedido especial a toda essa comunidade: não ponham máscaras na melancolia dos nossos irmãos e irmãs. Por favor, vamos tratar com amor e diálogo sobre a saúde da mente da nossa família em Cristo. Pois nossa igreja está doente. Assim como a natureza geme, esperando pela libertação dos filhos de Deus, muitos irmãos e irmãs estão gemendo de dor e de sofrimento. Assim como a natureza aguarda a sua restauração como nova criação, faço um apelo para que estejamos em oração, confiados no amor de Cristo e pedindo a ação do seu Espírito Santo na igreja. Senhor, que o teu Espírito converta os pastores e lideranças que estão fascinados pelo poder e cegos para teus mandamentos, e que eles voltem a buscar o Reino de Deus e a sua justiça. Meu Pai, que teu Espírito esteja nos lares das famílias que creem que problemas psíquicos devem ter soluções espirituais, para que eles compreendam que a saúde mental precisa também de profissionais de saúde. Jesus Cristo, permita que conversemos sobre o suicídio e sobre a depressão com cautela, compaixão e amor, para que sejamos servos fiéis ao teu nome. Amém.

*Todos os nomes citados neste texto são pseudônimos, em razão de resguardar os envolvidos.

  • Ravena Albuquerque é representante estudantil da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (IFES, em inglês), participa da Aliança Bíblica Universitária do Brasil e é membra da Igreja Metodista Livre da Saúde em São Paulo. Nascida em Natal, cresceu na Igreja Presbiteriana do Brasil. Hoje é estudante de Letras Português e Inglês na Universidade de São Paulo, trabalha como assistente editorial na ABU Editora e publicou recentemente seu primeiro livro de poesia, Na Calçada.4

Notas

1. WHITE, John. Máscaras da melancolia: Um psiquiatra cristão examina a depressão e o suicídio. 2 ed. São Paulo: ABU Editora, 2018.
2. Referência à música “Wake me up when September ends”, da banda estadunidense Green Day.
3. “"Você é tão corajosa!" Minha experiência na LittWorld".
4. ALBUQUERQUE, Ravena. Na calçada. Natal: Caule de Papiro, 2023.

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