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Opinião

Pastor sem pastor: ovelha solitária ou lobo predador?

Por Phelipe Reis

Com apenas uma busca no Google você fica sabendo de centenas de casos reais de traição, estupro, abuso sexual e diversos outros atos ilícitos envolvendo pastores, líderes e missionários. Muitas vezes são pessoas quase anônimas, de igrejas pequenas do interior do Brasil. Outras situações envolvem líderes proeminentes, com destaque na mídia e reconhecidos até internacionalmente. Em todos os casos ocorrem danos: pessoas são machucadas, famílias desfeitas e igrejas despedaçadas.

Casos como esses são sensíveis e até desagradáveis de abordar, mas como escreveu Noa Alarcón Melchor ao site Protestante Digital, “evitarmos falar sobre coisas desagradáveis apenas nos leva a uma perdição maior”. Afinal, o que leva um pastor ou um líder a desenvolver um comportamento sexual com práticas condenáveis? As razões são variadas, complexas e delicadas. Um artigo não daria conta de abordar o tema na amplitude e integridade que carece, mas pretendemos com esse texto abria uma janela para o diálogo e reflexão acerca do assunto.

Apesar do movimento evangélico ter legado da Reforma Protestante a doutrina do sacerdócio universal dos crentes, ao longo dos tempos foi sendo construída, de forma incoerente aos princípios protestantes, uma cultura religiosa evangélica que coloca pastores e líderes numa categoria especial. Um pedestal em que eles são blindados de qualquer crítica ou questionamento – um lugar no qual não há espaço para demonstração de qualquer faísca de vulnerabilidade, fraqueza, problema e pecados.

É preciso mencionar que as atividades pastorais e missionárias são nobres e virtuosas. Cuidar do rebanho de Jesus por meio do ensino e da pregação, dar conselhos a casais desajustados, ajudar outros a superarem problemas, encorajar os desanimados e discipular os novos na fé são tarefas louváveis, às quais muitos vocacionados se dedicam de forma íntegra e piedosa. Entretanto, parece absurdo ter que dizer o óbvio, mas neste contexto é fundamental lembrar que uma pessoa vocacionada para o pastorado ou para o ministério missionário continua sendo uma pessoa comum, vulnerável às tentações e aos problemas humanos que qualquer outra pessoa comum lida cotidianamente. A vocação não transforma a pessoa em alguém “especial” e nem a coloca numa categoria mais elevada na hierarquia do corpo de Cristo ou no reino de Deus, pelo simples fato que essa lógica hierárquica não existe no reino de Deus.

Uma ovelha que corre riscos

A imagem sacerdotal idealista e messiânica que coloca o pastor como um super-herói, ou seja, uma pessoa que não poder ter debilidades ou que não pode torná-las públicas é extremamente danosa para a igreja e para as próprias pessoas que ocupam essas posições de liderança, na medida em que, em vez de procurarem outras pessoas em busca de ajuda, muitos pastores e líderes escolhem abafar seus problemas, enterrar suas fraquezas e ocultar seus pecados, colocando em risco sua própria sanidade emocional e espiritual, bem como a integridade de sua família e comunidade de fé.

A falta de pastoreio entre pastores é um dos fatores que contribui para maximizar o problema. O pastor Ariovaldo Corrêa afirma que o homem atrás do púlpito é uma ovelha, porém que nem sempre permite ser cuidada. Corrêa descreve: “Em virtude de suas necessidades, vulnerabilidades e lutas, o pastor é uma ovelha que corre riscos. Ele tem todas as fragilidades de uma ovelha comum, porém, sua situação é agravada pela sobrecarga (pensa que precisa se sacrificar pela igreja), pela vulnerabilidade (procurando se mostrar sempre forte, acaba não se protegendo como deveria) e pelo orgulho (por ser um líder, tem dificuldade em fazer amizade, trocar experiências e principalmente se abrir com outros colegas)”1.

O que acontece com alguém que não tem com quem orar sobre suas tentações e desejos pecaminosos? Que não tem com quem se aconselhar e desabafar suas frustrações conjugais e familiares? Que não tem em quem confiar, para confessar seus segredos e pensamentos lascivos? Que não tem quem o encoraje nos momentos de desânimo e ore junto por renovo espiritual?

Essas pessoas lutam e sofrem como ovelhas solitárias e essas condições configuram um ambiente fértil para o protagonismo de líderes narcisistas. Sim, há muitos narcisistas ocupando posições de influência em igrejas e organizações cristãs. São líderes que usam recursos, pessoas e cargos para satisfazerem seus vícios, serem bajulados, receberem aplausos e esconderem seus pecados. Líderes que com discursos manipuladores se colocam acima de qualquer suspeita, sem precisarem prestar contas a ninguém.

O líder narcisista e o abuso espiritual

A esta altura do enredo, quando “narciso começa a olhar e admirar a sua própria imagem”, é que as ovelhas solitárias se transformam em “lobos predadores”. Tudo porque cristalizou-se na mentalidade de boa parte do povo evangélico a imagem (ou seria caricatura?) que coloca o pastor na posição de “super-líder” e os fiéis na posição de subserviência e passividade, baseada na relação clero versus leigo ou vendedor versus cliente.

Comentando sobre liderança, o pastor Ziel Machado afirma que um problema crônico no seio da igreja evangélica brasileira é a liderança narcisista. Ele diz que “o líder narcisista é retroalimentado por uma comunidade narcisista complementar e a igreja se transforma numa loucura, que se manifesta nos programas e na agenda esquizofrênica em que nós temos um ativismo acelerado, fazendo mais do mesmo para as pessoas continuarem do mesmo jeito”2.


Machado complementa fazendo menção ao livro Abuso Espiritual, de Ken Blue, publicado pela ABU Editora. A obra trata da questão do abuso espiritual praticado por líderes religiosos narcisistas. O autor de Abuso Espiritual argumenta que “os abusadores narcisistas são mais perigosos do que os abusadores inseguros, porque aparentam ser tão virtuosos, tão comprometidos, tão talentosos e dedicados a Deus… O que eles aspiram é mais do que apenas um lugar seguro para si: eles querem ser glorificados”. Ken Blue descreve:

“Líderes narcisistas não são apenas artistas trapaceiros. Eles realmente acreditam que têm o direito à grandeza pública e que as necessidades dos outros à sua volta não têm a mínima importância. […] A plataforma mais acessível para este tipo de líder, infelizmente, é o púlpito. Sua primeira apresentação atrás de um púlpito pode ser a primeira vez que ele experimente a atenção e o poder pelos quais anseia. Se ele for realmente talentoso e quiser trabalhar duro, ele verá a possibilidade de realizar esse sonho. Quando parte desse sonho se realiza e o líder messiânico finalmente prova o poder pelo qual anseia, ele passa a querer mais e mais. Isto se torna um tipo de vício.”

Pastores precisam reconhecer suas vulnerabilidades e cultivar amizade

A verdade é que líderes narcisistas se acham autossuficientes e por isso dispensam pastoreio, mentorias ou amizades profundas, mas por debaixo de suas máscaras e capas de “super-líderes” continuam se sentindo solitários, machucando a si mesmos e a muitos outros. Numa pesquisa realizada em 2012 foi perguntado aos líderes quais eram suas dificuldades para experimentarem o pastoreio ou a mentoria em suas vidas. As cinco principais razões foram: dificuldade de confiar em colegas (88%), falta de tempo (68%), falta de motivação ou visão (49%), não entendimento como isso funciona (37%) e não sentimento da necessidade de se abrir (32%)3.

O pastor Ike Reighard, da Igreja NorthStar em Kennesaw, Geórgia, afirma que “pastores podem ser as mais conhecidas e as mais solitárias pessoas na face da terra”. Entretanto, ele argumenta que “a amizade é uma parte vital do ministério e liderança. Sem qualidade, amizades bíblicas, estamos modelando um estilo de vida cristã falha para os nossos membros da igreja”4.

Na visão de Reighard, todo pastor precisa de pelo menos quatro tipos de amigos: o desenvolvedor, o amigo que faz você produzir o seu melhor; o designer, o amigo que orienta quanto ao casamento, ministério, a criação dos filhos, ou qualquer área que requer modelos; o perturbador, o amigo que faz perguntas difíceis, obrigando-nos a dar uma olhada mais de perto nas motivações e ambições; e o discernidor, o amigo que desempenha um papel vital que exige vulnerabilidade mútua.

O pastor explica que o amigo discernidor é aquele mais popularmente conhecido como parceiros de prestação de contas. Ele descreve: “discernidores trazem o dom do discernimento espiritual em nossas vidas. Eles sabem como falar a verdade em amor. Eles sabem como exortar e repreender, procurando manter seu amigo no caminho certo. Eles também são os mais vulneráveis-verdadeiros amigos que vão entrar na casa de sua vida enquanto todo mundo está pulando fora”. Reighard conclui com um conselho: “Se você é um pastor típico sem amizades, exorto que você comece a procura as pessoas acima. Eles podem mantê-lo no ministério por longos anos, e sua esposa vai agradecer.”

Este artigo poderia continuar com dezenas de versículos, diversos argumentos e muitos testemunhos de líderes corroborando a necessidade de pastores cultivarem amizades profundas com pessoas nas quais possam confiar e confessar suas vulnerabilidades. Mas para fugir do sofrimento solitário e do perigo de se tornar um líder narcisista abusador (o tal “lobo predador”), que tal parar por aqui, ligar para aquele velho amigo ou mandar uma mensagem para marcar uma longa e boa conversa?

Notas:
1.
Pastor também é ovelha
2.
Narcisismo e Abuso Espiritual, por Ziel Machado
3.
Pastor também é ovelha
4.
Quatro tipos de amigos que todo pastor(a) precisa ter

Artigo originalmente publicado no Blog Sepal. Reproduzido com permissão.

Leia mais:
» Pastor precisa de pastor?
» O pastor, a teologia e a vida pública. Não necessariamente nessa ordem
É natural do Amazonas, casado com Luíze e pai da Elis e do Joaquim. Graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e mestre em Missiologia no Centro Evangélico de Missões (CEM). É missionário e colaborador do Portal Ultimato.
  • Textos publicados: 185 [ver]

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