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Opinião

O mandato político de todos nós

Por Paul Freston

A Imagem de Deus: um convite para governar o universo

A preocupação com os fracos não é questão de generosidade, mas de direitos, porque estes são o outro lado da moeda das responsabilidades. Ora, a responsabilidade faz parte da essência do ser humano criado como Imagem de Deus. E o que é minha responsabilidade é o direito do meu próximo e vice-versa.

Em que sentido o homem é a Imagem de Deus? Tem a ver com aquilo que o homem é chamado a fazer, com a sua tarefa.

“Disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar (...) Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a...” (Gn 1.26,28).

Não é só o político que tem um mandato! Todos os seres humanos têm um mandato cultural. Deus não criou um mundo pronto e acabado, mas providenciou todo o material necessário e deu ao homem a responsabilidade e privilégio de desenvolver as potencialidades do universo. Deus nos oferece uma vida dinâmica, com possibilidades para explorar e projetos para realizar. O desenvolvimento cultural em todos os sentidos, desde a técnica até a cultura erudita, passando pela criação de instituições sociais e políticas, é a vontade de Deus. (Não, é claro, na forma em que tem acontecido, que reflete também a presença do pecado.) Por isso, o cristão, como todos os homens, deve envolver-se de acordo com a sua vocação, nos estudos, na ciência, na política, na economia, nos esportes... Exemplo disso é o atleta Eric Liddell, medalha de ouro nos 400 metros nas Olimpíadas de 1924, no filme Carruagens de Fogo. A sua irmã, não querendo que ele se desvie da sua intenção de ser missionário na China, o reprende pelo tempo que gasta nos treinos. Liddell responde:

“Eu sei que Deus me fez para uma coisa: a China. Mas ele também me fez veloz. E quando corro, eu sinto o seu prazer.”

Que teologia tremenda! Deus tem prazer quando me vê correndo velozmente, desenvolvendo a capacidade que ele me deu. Não é um Deus desmancha-prazeres, mas um Deus que fez uma criação de imensa variedade e complexidade, e que se deleita na gozosa exploração desse mundo maravilhoso pela sua criação predileta, o homem.

O homem, então, é um marceneiro que Deus colocou numa gigantesca oficina repleta de matéria prima e ferramentas, e a quem Deus disse: “Com esses materiais, crie coisas!” Somos chamados a ser colaboradores de Deus na criação do mundo. Certamente, nas formas de convivência humana, ainda há muita coisa para criar!

O mandato missionário: um novo pedido de colaboração

Alem do mandato cultural, extensivo a todos os homens, os cristãos recebem também um mandato missionário:

“Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação.” (2Co 5.19)

Deus cria um ser capaz de recusar a proposta de colaboração, em função de um ilusório projeto próprio. Aí, Deus concebe um plano de redenção que não passa por cima da dignidade do homem (que reside justamente na sua real responsabilidade moral), não diz que o nosso pecado não importa, e não oferece um perdão fácil (“vou fazer de conta que não houve nada”). O plano é custoso, pois implica encarnação, sofrimento e cruz.
Mas o incrível é que, depois de toda a iniciativa de Deus e de todo o sofrimento de Cristo, o “ministério da reconciliação” é confiado aos homens! Para a última etapa, o homem é novamente chamado a colaborar. Que dignidade possui o homem! É convidado a colaborar na criação (mandato cultural) e na redenção (mandato missionário).

O projeto de Deus é que as pessoas sejam convidadas a participar do governo do universo. Tanto que ele efetivamente nos entrega o cuidado da natureza, o desenvolvimento tecnológico, a criação de instituições sociais e políticas, o evangelismo, o discipulado, o sustento de obras cristãs, a teologia...

O projeto de Deus: a restauração da nossa humanidade plena

Vemos agora porque o ser que possui esse convite extraordinário de Deus não pode ser oprimido e empobrecido impunemente. (As mitologias do Oriente Médio ás vezes falavam da Imagem de Deus, mas a aplicavam somente ao rei. A Bíblia democratizou o conceito, e na lista de coisas que devemos dominar, o próprio homem está excluído.) Deus nos criou para sermos seres humanos plenos, capazes de olhar um na cara do outro, alicerçados em nossa própria identidade (que é, em boa parte, socialmente construída). O projeto de Deus é a restauração da nossa plena humanidade, o que implica condições sociais renovadas, já que não somos nem nunca seremos almas desencarnadas, mas pessoas inteiras vivendo em comunidade.

Quão diferente, essa visão bíblica da relação entre Deus e o homem, da visão marxista! O homem só é livre quando deve sua existência a si mesmo, disse Marx. Ou como disse o anarquista Bakunin: “Se Deus existe, o homem é escravo; mas o homem tem que ser livre; logo, Deus não existe.” A abolição de Deus é pré-requisito para a libertação do homem. Não é por nada que o grande “herói” de Marx era Prometeu, uma figura da mitologia grega que roubou o fogo dos deuses e o trouxe para os homens, sendo por isso cruelmente punido pelos deuses. Ou seja, Deus ou os deuses, se existem, devem ser hostis às aspirações legítimas do homem. A visão bíblica, porem, é de uma harmonia original e uma proposta de colaboração no processo de criação do mundo! A hostilidade entra depois, do lado do homem.

Deus defende os pobres: Quem inventou essa ideia?

“Quando ricos e pobres estão em oposição uns aos outros, (Jesus) nunca está do lado dos ricos, mas sempre do lado dos pobres... Ele invariavelmente ficou contra os poderosos e aqueles que vivam luxuosamente, e a favor dos que sofriam e eram oprimidos.” 1

Quem disse isso? Um dos teólogos da libertação? Não. Foi Abraham Kuyper, ardoroso defensor da ortodoxia bíblica contra os teólogos liberais, fundador da Universidade Livre de Amsterdã, e primeiro-ministro da Holanda. Quando disse isso? Há uns quinze anos atrás, quando alguns teólogos descobriram o pobre? Não. Foi em 1891, num livro intitulado O Cristianismo e a Luta de Classes. Temos que fazer um esforço para nos livrar de certos preconceitos. Só por que um determinado discurso entrou em nosso mundo por uma via que olhamos com reservas (ou seja, pela via da Teologia da Libertação), não quer dizer que não seja verdade, e que outros cristãos não tenham dito a mesma coisa antes. Isso, para não falar dos profetas...

Os profetas: um desafio à nossa maneira de ver o mundo

Quando a Lei de Moisés estava sendo negligenciada, apareceram os profetas. Quem é o profeta? È uma pessoa que nos leva às favelas.2 Para ele, mesmo uma pequena injustiça assume proporções cósmicas, porque ele sente intensamente, e sabe que Deus também sente, que não é indiferente ao estado o homem. O ouvido do profeta está sintonizado a um gemido imperceptível aos outros. Por isso, suas denuncias nos parecem tão exageradas. Ele se opõe à adoração do imponente. No mundo pagão, a grandeza, poder e sobrevivência de um deus dependia da grandeza, poder e sobrevivência de seu povo e dos seus templos (o que nos faz lembrar de muitos cristãos de hoje, fascinados com os símbolos do poder e do sucesso). A religião, diz o profeta, pode distorcer as exigências de Deus. Implícita nas profecias de desastre está sempre uma exortação ao arrependimento. Poucos são culpados, mas todos são responsáveis.

O profeta vê a realidade com os olhos de Deus. Sua mensagem não é de crítica objetiva – ele frisa as emoções de Deus, seu amor, desilusão, misericórdia, indignação. Não é apenas o porta-voz de Deus, mas o seu colaborador. Sua vida emocional é assimilada à vida emocional de Deus.

Por que a religião Bíblica, cuja essência é a adoração de Deus, enfatiza tanto a justiça para os homens? Porque a justiça não é um mero valor; é a participação de Deus na vida humana. As pessoas abusam dos pobres e fracos, sem perceber que estão humilhando Deus (Pv 14.31). Os pobres são favorecidos pela justiça divina precisamente para restituir-lhes aquilo que deveriam ter segundo o propósito original de Deus para a humanidade, mas que lhes foi negado pelo egoísmo e opressão (Ex 22.22,23; Dt 10.17-19; 24.10-13; Is 10.1,2; Jr 22.3,16). Os profetas falam por aqueles que são demasiado fracos para pleitear a própria causa, e nos exortam a fazer o mesmo.

Os profetas: um desafio à nossa maneira de votar

Como tudo isso contrasta com o nosso costumeiro egoísmo! Oxalá a comunidade evangélica brasileira tivesse milhões de pessoas inconformadas com a opressão dos outros, sempre abraçando altruisticamente as causas dos fracos e impotentes, ganhando notoriedade como pessoas que se “metem”, que “choram e oram em particular, e desafiam terra e inferno em público”.3

Como cristãos, somos chamados a ver a realidade brasileira, à medida do possível, na perspectiva de Deus, a pensar “o que precisa ser mudado para que o Brasil se pareça mais com o plano de Deus para a humanidade”. Isso exclui dois tipos de voto: o voto interesseiro, egoísta (o que é bom pra mim, para minha classe, minha profissão, meu Estado, etc.); e o voto “irmão” (que visa apenas os interesses da comunidade evangélica). Os critérios do Reino de Deus, o projeto divino para a humanidade, devem prevalecer.

Notas
1. Citado em Wolterstorff, N., Until Justice and Peace Embrace, Grand Rapids: Eerdmans, 1983, p. 73.
2. Para a seguinte caracterização do profeta e do concito bíblico de justiça, usamos Heschel, A., The Prophets: An Introduction, vol. 1, Nova Iorque: Harper and Row, 1962, p. 3-26, 195-220.
3. White, J. Lideres y Siervos, Buenos Aires: Certeza, 1977, p.77.


> Artigo publicado originalmente em Ultimato, edição de junho de 1990, p. 27-29.
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Autor de "Religião e Política, sim; Igreja e Estado, não" e "Nem Monge, Nem Executivo - Jesus: um modelo de espiritualidade invertida", ambos pela Editora Ultimato; e "Neemias, Um Profissional a Serviço do Reino" e "Quem Perde, Ganha", pela ABU Editora, Paul Freston, inglês naturalizado brasileiro, é doutor em sociologia pela UNICAMP. É professor do programa de pós-graduação em ciências sociais na Universidade Federal de São Carlos e, desde 2003, professor catedrático de sociologia no Calvin College, nos Estados Unidos. É colunista da revista Ultimato.
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