Opinião
- 07 de agosto de 2012
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O Brasil religioso
O Censo de 2010, divulgado recentemente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), registrou a continuidade do crescimento dos evangélicos na última década, alcançando 42 milhões de seguidores. Um país menos católico romano, mais evangélico, mais plural e mais secularizado. Este quadro coincide com os índices de crescimento econômico e aumento das classes médias, mas também com a incompetência do Estado nas políticas públicas para a saúde e a educação, o aumento da violência urbana e a corrupção endêmica como os casos do “mensalão”, do Carlinhos Cachoeira e das obras da Copa do Mundo de 2014. Mas valem algumas considerações como contribuição para um debate mais amplo.
As tradicionais divisões do segmento evangélico (imigração, históricos, pentecostais e neo-pentecostais) perdem a sua força de explicação. As respostas dadas ao censor do IBGE e as práticas das igrejas locais que alteram, mudam e transgridem os padrões de classificação, reforçam esta hipótese. As vivências e experiências litúrgicas mesclam tradições antes fixadas e reinventam novas formas rituais. E, embora condicionadas por um mercado “gospel” cada vez mais favorecedor às empresas de comunicação, as comunidades criam suas maneiras de adorar e viver o Evangelho. Sobretudo nas periferias das grandes cidades.
São duzentos anos de presença permanente do protestantismo no Brasil e, desde então, nunca deixou de crescer. Mas até a década de 1970, este crescimento foi pequeno, não chegando a 5% da população. No entanto, os evangélicos se espalharam no país, criaram instituições, templos, associações e eram mais coesos em torno de propósitos comuns. Se houve um “boom” de crescimento nos últimos quarenta anos, isto se deve também a este estrato construído que permeou as relações sociais, culturais e religiosas.
Outra consideração diz respeito à qualidade do Cristianismo vivido e confessado por parte destes 42 milhões. Se na grande mídia e na esfera política os escândalos apontam para pastores, bispos, apóstolos e deputados evangélicos, no cotidiano dos evangélicos há práticas de justiça do Reino de Deus. E a pergunta também recai sobre o universo maior dos que estão fora dos 42 milhões, pois o Reino de Deus está sendo manifestado de muitas formas ainda ocultas aos nossos olhares muito estreitos e “religiosos”. O fato é que qualquer diferença ética equivalente à vocação de ser “sal” e “luz” se dilui ante as dimensões de uma “oração da propina”, por exemplo. Mas estas diferenças se impõem pela dinâmica silenciosa do Reino.
Um século atrás
Um século atrás, no alvorecer da República recém proclamada, os resultados do impreciso censo populacional de 1890 trouxeram indignação por parte dos protestantes. As imprecisões dos números e das classificações estavam presentes, mas desde então já se constituía uma sociedade religiosamente plural. Como disse o jornalista João do Rio naquela época sobre o Rio de Janeiro, “em cada esquina, uma religião”. O Espiritismo e os cultos afro-brasileiros foram excluídos ou ocultados pelos próprios depoimentos dos adeptos que se afirmavam católicos. Os presbiterianos foram diferenciados dos outros cultos protestantes, talvez por representarem a denominação mais expressiva. Os luteranos presentes nos estados do sul não apareceram como distintamente protestantes. Talvez tenham sido incluídos no item “outras seitas”.
As Religiões no início da República
Denominações | Números | % |
Romanos | 14.179.615 | 98,92 |
Cat. Ortodoxos | 1.673 | 0,002 |
Islamitas | 300 0,00 | 0,00 |
Positivistas | 1.327 | 0,01 |
Sem Culto | 7257 | 0,005 |
Prot. Evangélicos | 9.957 | 0,14 |
Presbiterianos | 1.317 | 0,00 |
Outras seitas | 122.465 | 0,86 |
Total | 14.333.915 | 100,00 |
Jornal O Christão, dezembro de 1898, Ano VII, Número 84, 03.
As críticas responsabilizavam os 98,92% de católicos pelas mazelas morais e sociais da sociedade, não aceitando os indicadores apontados relativos ao número dos evangélicos.
E hoje? Como lemos os dados do censo? Isto nos exige o bom senso de não cairmos em um triunfalismo ingênuo, de perguntarmos pelo Reino de Deus mais do que pela competição religiosa e não menosprezarmos as mudanças no campo religioso recente do Brasil.
Fonte:
SANTOS, Lyndon de A. As outras faces do sagrado: protestantismo e cultura na primeira república brasileira. São Luis: EDUFMA; São Paulo: Ed. ABHR, 2006.
Leia mais
As grandes surpresas do censo religioso brasileiro de 2000 (revista Ultimato 278)
Como será a igreja evangélica em 2040? (Paul Freston)
História da Evangelização do Brasil (Elben César)
Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
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