Opinião
- 29 de setembro de 2009
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Neoevangélicos: raízes podres e indigestas
Derval Dasilio
Os surtos neoevangélicos recentes são certamente contaminados por uma estruturação clara em torno de um poder religioso especializado, econômico, restrito, hierárquico, autoritário, objetivo, moderno. Os fiéis tramitam essencialmente no ambiente urbano marcado pelo anonimato, por relações indiretas, pela massificação dos costumes, sem expressão de comunhão e de comunidade, em reação estrondosa às condições sociais e econômicas. Imaginam-se no mundo pré-histórico? Nunca. São muito modernos, capitalistas “in essentia”, como coreografia de mitos ancestrais manipulados convenientemente.
A religião é um fenômeno antropológico extraordinário! Todas as religiões têm começo e origem. Nos primórdios imemoriais, na antiguidade e até hoje, as narrativas sagradas, os rituais, as práticas morais (em cada grupo religioso, em toda parte e em todo tempo, pré-histórico ou não) e a religião nunca se dissociam dos meios de produção econômica (João Décio Passos). Narrativas míticas, miraculosas, apontando prodígios, eventos divinos, transcendem à dinâmica histórica enquanto colocam homens e mulheres face a face com o transcendente. Estão na religião. Este é um ponto. O outro refere-se à institucionalização da religião, quando vão se racionalizar origens e fins. Atualizemos o surto contemporâneo da religião de mercado.
Pensemos no céu noturno, em forma de cúpula, com estrelas cadentes. Debaixo dele as pessoas armavam tendas. Como seria intrigante a marcha regular das estrelas, os céus cruzados periodicamente por tochas de fogo em alta velocidade, estrelas cadentes, grandes rios lácteos correndo pelo céu, tapetes gigantescos de estrelas estendidos nas noites limpas... Criaturas poderosas deveriam viver no firmamento... Nasce a religião! Magos, videntes, curandeiros e feiticeiros conheciam esses mistérios. Tinham, portanto, as chaves dos lugares sagrados, dos santuários, dos altares onde se fariam sacrifícios. Podiam manipular a religião por causa de seus atributos e competências. A Bíblia Hebraica, contudo, não esquece nenhum detalhe a respeito dessa religiosidade: condena-a. O homem bíblico não é diferente dos outros: denuncia-a imediatamente. A guinada na direção da religião revelada ocorrerá gradativamente.
A religiosidade comum a todos os homens pode ser esboçada assim. Contudo, a experiência de religião encontrada no Antigo Testamento vai fugir do comum. O ambiente mesopotâmico e depois cananita enseja uma abordagem diferenciada, notável. O povo bíblico crê numa religião revelada. Deus é espontâneo, revela-se porque quer. Não crê na religião natural, fenomenológica, calcada em sentimentos diante do fascinante mundo ao redor. No segundo caso, os fenômenos físicos ditam o ritmo dos acontecimentos. E agora, o deus econômicus neoevangélico, dita novas regras?
A aflição sobre fenômenos sobre os quais não se possui nenhum controle, vida nômade debaixo de céus estrelados contrapostos às tempestades noturnas, medonhas, céus lampejados vivamente por raios intensos, exigiram uma resposta do homem. Imaginemos uma árvore despedaçada por um raio, como acontece ainda hoje em áreas rurais, na madeira carbonizada e exposta (terror que converteu Lutero!). Acrescentemos a observação de ciclones, furacões, maremotos. Como explicar um vulcão em erupção, extensões de terra abaladas, tremendo, e em seguida rachadas em grandes distâncias, num mundo limitado ao que as pessoas conheciam? Hoje, o otimismo evangélico econômico, em trono da prosperidade, passa ao largo dessas questões.
Deus, aqui, além de assemelhar-se ao “deus ex machina” da teatrologia da Grécia Antiga, é bem brasileiro. Deus é um serviçal, “deus-quebra-galho”, como num receituário doméstico. Todas as soluções possíveis para alguém se dar bem na vida. O crente ora e ordena à divindade imprensada na parede, depois das ofertas compulsórias: ”Fiz a minha parte, agora faças a tua”. Estamos na iminência de um “deus demitido do trono da graça”. Perdeu-se a essência bíblica que convoca à ética, solidariedade, compaixão e misericórdia. A graça de Deus custa muito caro no mundo neoevangélico carismático.
Os surtos neoevangélicos recentes são certamente contaminados por uma estruturação clara em torno de um poder religioso especializado, econômico, restrito, hierárquico, autoritário, objetivo, moderno. Os fiéis tramitam essencialmente no ambiente urbano marcado pelo anonimato, por relações indiretas, pela massificação dos costumes, sem expressão de comunhão e de comunidade, em reação estrondosa às condições sociais e econômicas. Imaginam-se no mundo pré-histórico? Nunca. São muito modernos, capitalistas “in essentia”, como coreografia de mitos ancestrais manipulados convenientemente.
A religião é um fenômeno antropológico extraordinário! Todas as religiões têm começo e origem. Nos primórdios imemoriais, na antiguidade e até hoje, as narrativas sagradas, os rituais, as práticas morais (em cada grupo religioso, em toda parte e em todo tempo, pré-histórico ou não) e a religião nunca se dissociam dos meios de produção econômica (João Décio Passos). Narrativas míticas, miraculosas, apontando prodígios, eventos divinos, transcendem à dinâmica histórica enquanto colocam homens e mulheres face a face com o transcendente. Estão na religião. Este é um ponto. O outro refere-se à institucionalização da religião, quando vão se racionalizar origens e fins. Atualizemos o surto contemporâneo da religião de mercado.
Pensemos no céu noturno, em forma de cúpula, com estrelas cadentes. Debaixo dele as pessoas armavam tendas. Como seria intrigante a marcha regular das estrelas, os céus cruzados periodicamente por tochas de fogo em alta velocidade, estrelas cadentes, grandes rios lácteos correndo pelo céu, tapetes gigantescos de estrelas estendidos nas noites limpas... Criaturas poderosas deveriam viver no firmamento... Nasce a religião! Magos, videntes, curandeiros e feiticeiros conheciam esses mistérios. Tinham, portanto, as chaves dos lugares sagrados, dos santuários, dos altares onde se fariam sacrifícios. Podiam manipular a religião por causa de seus atributos e competências. A Bíblia Hebraica, contudo, não esquece nenhum detalhe a respeito dessa religiosidade: condena-a. O homem bíblico não é diferente dos outros: denuncia-a imediatamente. A guinada na direção da religião revelada ocorrerá gradativamente.
A religiosidade comum a todos os homens pode ser esboçada assim. Contudo, a experiência de religião encontrada no Antigo Testamento vai fugir do comum. O ambiente mesopotâmico e depois cananita enseja uma abordagem diferenciada, notável. O povo bíblico crê numa religião revelada. Deus é espontâneo, revela-se porque quer. Não crê na religião natural, fenomenológica, calcada em sentimentos diante do fascinante mundo ao redor. No segundo caso, os fenômenos físicos ditam o ritmo dos acontecimentos. E agora, o deus econômicus neoevangélico, dita novas regras?
A aflição sobre fenômenos sobre os quais não se possui nenhum controle, vida nômade debaixo de céus estrelados contrapostos às tempestades noturnas, medonhas, céus lampejados vivamente por raios intensos, exigiram uma resposta do homem. Imaginemos uma árvore despedaçada por um raio, como acontece ainda hoje em áreas rurais, na madeira carbonizada e exposta (terror que converteu Lutero!). Acrescentemos a observação de ciclones, furacões, maremotos. Como explicar um vulcão em erupção, extensões de terra abaladas, tremendo, e em seguida rachadas em grandes distâncias, num mundo limitado ao que as pessoas conheciam? Hoje, o otimismo evangélico econômico, em trono da prosperidade, passa ao largo dessas questões.
Deus, aqui, além de assemelhar-se ao “deus ex machina” da teatrologia da Grécia Antiga, é bem brasileiro. Deus é um serviçal, “deus-quebra-galho”, como num receituário doméstico. Todas as soluções possíveis para alguém se dar bem na vida. O crente ora e ordena à divindade imprensada na parede, depois das ofertas compulsórias: ”Fiz a minha parte, agora faças a tua”. Estamos na iminência de um “deus demitido do trono da graça”. Perdeu-se a essência bíblica que convoca à ética, solidariedade, compaixão e misericórdia. A graça de Deus custa muito caro no mundo neoevangélico carismático.
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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