Opinião
- 10 de maio de 2023
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Femi mi-mi-mi nistas e a Bíblia
Por Lidice Meyer P. Ribeiro
É verdade que precisamos reler a Bíblia sem o viés androcêntrico. É verdade que nos acostumamos a ler as histórias da Bíblia sempre valorizando os personagens masculinos. Afinal, Abraão é o pai da fé, o povo formado é o povo de Israel, Jesus chamou 12 discípulos homens e assim por diante. Só que esta leitura afeta totalmente nossa percepção da presença e importância das mulheres na narrativa bíblica.
É verdade também que muitas palavras e expressões dos textos bíblicos ao serem traduzidas do hebraico, aramaico ou grego para o português mudam de forma e gênero. Por exemplo a tradução literal de Gênesis 1.27 seria “Criou Deus, pois, a humanidade (adam) à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem (ish) e mulher (ishá) os criou”. Mas nas versões mais utilizadas nas igrejas lemos: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem...” (Atualizada) e “E criou Deus o homem à sua imagem...” (Corrigida e NVI). Na versão Linguagem de Hoje, porém, encontramos: “Assim criou Deus os seres humanos; ele os criou parecidos com Deus.” Da mesma forma, é comum que as traduções de termos no plural em português tenham o gênero masculino. Assim, termos plurais como “discípulos” podem incluir homens e mulheres e “homens” pode significar humanidade (portanto, mulheres incluídas) e quando se refere a “todos” podem incluir também mulheres no grupo. Um bom exemplo é encontrado em Atos 2.1: “Estavam todos reunidos no mesmo lugar”, onde o todos inclui “as mulheres, como Maria, mãe de Jesus” (At 1.14).
Mas daí a concluir-se que a Bíblia é misógina ou escrita dentro de parâmetros patriarcais e androcêntricos, há uma grande diferença! Sim, a leitura androcêntrica da Bíblia tem causado muitos males à Igreja, sobretudo às mulheres, sendo-lhes negado muitas vezes o direito à fala, à participação integral nos ministérios e sacramentos e até mesmo à imago dei. Desde a década de 1970 a teologia tem recebido contribuições valiosíssimas de teólogas brasileiras que se dedicaram a estudar hermeneuticamente os textos bíblicos, revelando a presença oculta do feminino em suas linhas e entrelinhas. Após os anos 90 a teologia feminista passou a se dedicar também a outros assuntos, abraçando causas sociais e de minorias. Hoje não existe uma teologia feminista una. Existem teólogas que se dedicam a causas diversas.
Por haver uma infinidade de abordagens gerou-se uma confusão no entendimento de seus escritos. Termos e expressões como “patriarcado”, “androcêntrico”, “misoginia”, “sexista”, “dominação-submissão”, “opressão”, “igualitarismo” aparecem desconexos como que misturados ao acaso em textos na internet. Textos bíblicos são lidos e interpretados dentro de uma perspectiva de opressão e violência masculina sobre a mulher, apagando a beleza da Bíblia. Aquilo que era a luta inicial, de se resgatar a presença do feminino na Bíblia acaba por muitas vezes por se tornar o oposto e ressaltando a presença masculina sob a forma de dominação.
Criou-se um verdadeiro mi-mi-mi nas redes, onde há mais interesse em se lamentar o silenciamento e a censura existente em certas igrejas do que estudar suas bases para discutir o assunto em igualdade de conhecimento, dando-se mais peso à postagem que mostra como as “pobres mulheres” eram subjugadas no Israel bíblico ou sob o domínio romano. A falta de conhecimento teológico e sócio-antropológico tem levado muitas mulheres a engrossar a fileira de “seguidoras” destas “influencers” que se colocam como arautas do combate “à opressão do patriarcado androcêntrico sexista e hierárquico”.
Por outro lado, a associação de algumas teólogas feministas às lutas sociais opostas às defendidas pela Igreja, levou a estigmatização dos materiais gerados por teólogas em geral (feministas ou não), e a sua excomunhão de algumas igrejas. Isso para não falar da má qualidade de alguns materiais publicados (na maioria estrangeiros) que pelo conteúdo simplório não contribuem para o amadurecimento e ainda fortalecem a ideia de que mulheres não produzem bons textos teológicos.
É essencial distinguirmos entre o movimento a favor da igualdade das mulheres dentro da igreja com bases bíblicas e os movimentos vários ligados ao feminismo. A teologia feminista trouxe muitos benefícios à igreja mostrando os males do androcentrismo e da leitura misógina na Bíblia, abrindo a discussão para uma Igreja mais inclusiva e mais próxima da imagem de Deus. Talvez tenha chegado a hora de uma reforma da Teologia Feminista, separando o trigo das boas teólogas do joio do mi-mi-mi desconexo e negativo.
Saiba mais:
» A Missão da Mulher, Paul Tournier
» A Bíblia Toda o Ano Todo, John Stott
» Vozes Femininas no Início do Protestantismo Brasileiro - A religiosidade, o papel feminino, as denominações e suas pioneiras, Rute Salviano Almeida
» Patriarca ou patriarcado?
É verdade que precisamos reler a Bíblia sem o viés androcêntrico. É verdade que nos acostumamos a ler as histórias da Bíblia sempre valorizando os personagens masculinos. Afinal, Abraão é o pai da fé, o povo formado é o povo de Israel, Jesus chamou 12 discípulos homens e assim por diante. Só que esta leitura afeta totalmente nossa percepção da presença e importância das mulheres na narrativa bíblica.
É verdade também que muitas palavras e expressões dos textos bíblicos ao serem traduzidas do hebraico, aramaico ou grego para o português mudam de forma e gênero. Por exemplo a tradução literal de Gênesis 1.27 seria “Criou Deus, pois, a humanidade (adam) à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem (ish) e mulher (ishá) os criou”. Mas nas versões mais utilizadas nas igrejas lemos: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem...” (Atualizada) e “E criou Deus o homem à sua imagem...” (Corrigida e NVI). Na versão Linguagem de Hoje, porém, encontramos: “Assim criou Deus os seres humanos; ele os criou parecidos com Deus.” Da mesma forma, é comum que as traduções de termos no plural em português tenham o gênero masculino. Assim, termos plurais como “discípulos” podem incluir homens e mulheres e “homens” pode significar humanidade (portanto, mulheres incluídas) e quando se refere a “todos” podem incluir também mulheres no grupo. Um bom exemplo é encontrado em Atos 2.1: “Estavam todos reunidos no mesmo lugar”, onde o todos inclui “as mulheres, como Maria, mãe de Jesus” (At 1.14).
Mas daí a concluir-se que a Bíblia é misógina ou escrita dentro de parâmetros patriarcais e androcêntricos, há uma grande diferença! Sim, a leitura androcêntrica da Bíblia tem causado muitos males à Igreja, sobretudo às mulheres, sendo-lhes negado muitas vezes o direito à fala, à participação integral nos ministérios e sacramentos e até mesmo à imago dei. Desde a década de 1970 a teologia tem recebido contribuições valiosíssimas de teólogas brasileiras que se dedicaram a estudar hermeneuticamente os textos bíblicos, revelando a presença oculta do feminino em suas linhas e entrelinhas. Após os anos 90 a teologia feminista passou a se dedicar também a outros assuntos, abraçando causas sociais e de minorias. Hoje não existe uma teologia feminista una. Existem teólogas que se dedicam a causas diversas.
Por haver uma infinidade de abordagens gerou-se uma confusão no entendimento de seus escritos. Termos e expressões como “patriarcado”, “androcêntrico”, “misoginia”, “sexista”, “dominação-submissão”, “opressão”, “igualitarismo” aparecem desconexos como que misturados ao acaso em textos na internet. Textos bíblicos são lidos e interpretados dentro de uma perspectiva de opressão e violência masculina sobre a mulher, apagando a beleza da Bíblia. Aquilo que era a luta inicial, de se resgatar a presença do feminino na Bíblia acaba por muitas vezes por se tornar o oposto e ressaltando a presença masculina sob a forma de dominação.
Criou-se um verdadeiro mi-mi-mi nas redes, onde há mais interesse em se lamentar o silenciamento e a censura existente em certas igrejas do que estudar suas bases para discutir o assunto em igualdade de conhecimento, dando-se mais peso à postagem que mostra como as “pobres mulheres” eram subjugadas no Israel bíblico ou sob o domínio romano. A falta de conhecimento teológico e sócio-antropológico tem levado muitas mulheres a engrossar a fileira de “seguidoras” destas “influencers” que se colocam como arautas do combate “à opressão do patriarcado androcêntrico sexista e hierárquico”.
Por outro lado, a associação de algumas teólogas feministas às lutas sociais opostas às defendidas pela Igreja, levou a estigmatização dos materiais gerados por teólogas em geral (feministas ou não), e a sua excomunhão de algumas igrejas. Isso para não falar da má qualidade de alguns materiais publicados (na maioria estrangeiros) que pelo conteúdo simplório não contribuem para o amadurecimento e ainda fortalecem a ideia de que mulheres não produzem bons textos teológicos.
É essencial distinguirmos entre o movimento a favor da igualdade das mulheres dentro da igreja com bases bíblicas e os movimentos vários ligados ao feminismo. A teologia feminista trouxe muitos benefícios à igreja mostrando os males do androcentrismo e da leitura misógina na Bíblia, abrindo a discussão para uma Igreja mais inclusiva e mais próxima da imagem de Deus. Talvez tenha chegado a hora de uma reforma da Teologia Feminista, separando o trigo das boas teólogas do joio do mi-mi-mi desconexo e negativo.
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Não é fácil assumir-se fraco. Não é nem um pouco confortável vivenciar a fraqueza. Ela causa dor, limita, envergonha, humilha, incomoda, nos encurrala. É, muitas vezes, o lugar do desânimo, da ansiedade, do desespero, da tristeza, da desorientação, do cansaço, da indiferença. Mas é também o lugar onde clamamos com toda a sinceridade pela força que vem de Deus. E ele nos atende!
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Lidice Meyer P. Ribeiro é doutora em Antropologia e professora na Universidade Lusófona, Portugal.
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