Opinião
- 15 de setembro de 2014
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Crentes sem graça
“O Fascínio do Dever para os Cristãos: um estudo em Gálatas e na História da Igreja”. Este é o tema do Encontro Regional do CPPC Centro-Oeste, que acontecerá no próximo dia 20, em Brasília (DF). O preletor será o pastor, psicólogo e ex-presidente do CPPC (Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos), Karl Kepler, que escreveu um livro sobre o assunto. Karl também é o editor da Bíblia Conselheira, um projeto editorial ainda em fase de produção, pela Sociedade Bíblia do Brasil. “Tenho aprendido muito sobre a vida no povo de Deus, e sobre o Deus maravilhoso que temos!”, disse Karl sobre o trabalho de preparação da Bíblia Conselheira.
A seguir, o psicólogo responde nossas perguntas sobre o tema do evento.
Portal Ultimato - O que você quer dizer com "fascínio do dever" por parte dos cristãos? Poderia dar exemplos?
Karl Kepler - "Fascínio" provém de Gálatas 3.1. Uma das traduções mais utilizadas que temos da Bíblia, a Almeida Revista e Atualizada da Sociedade Bíblica, traz: "Ó gálatas insensatos!" Quem vos fascinou a vós outros...?" (outras traduções dizem: "Quem vos enfeitiçou?", que seria até uma tradução mais literal do texto grego). Então esse assunto é fruto de um estudo da carta aos Gálatas, junto com a constatação de que grande parte das nossas igrejas me parece passar por situação semelhante à deles.
A outra parte do título, que dá o nome "do dever" para o fascínio, também provém desses dois campos: a carta aos Gálatas e uma leitura da realidade de nossas igrejas. Um exemplo que eu daria, correndo aqui o risco de falar resumidamente, seria o ensino que temos dado frequentemente nas igrejas, separando salvação e santificação. A salvação é por graça e por meio da fé, mas a santificação é uma cobrança diferente, que geralmente acrescenta peso sobre os ouvintes.
Portal Ultimato - Como o livro de Gálatas pode ajudar a lidar com isso?
Karl Kepler - A situação daqueles irmãos da Galácia me parece muito semelhante à da Igreja cristã dos últimos séculos. A indignação que Paulo demonstra nesse verso (Gl 3.1) se refere ao movimento que ganhava força naquelas igrejas. Depois já terem crido em Cristo e aceito o evangelho, os irmãos da época queriam se comprometer a obedecerem à Lei de Moisés, adotando a circuncisão, o calendário de festas e dias especiais e vários preceitos, etc. O foco deles era a obediência aos mandamentos de Deus como base de suas vidas. E aí entramos num terreno escorregadio onde é fácil ser mal compreendido (com Paulo isso aconteceu muito!). Mas o fascínio que "enfeitiçava" os gálatas era exatamente esse: de crerem na obediência deles, em vez de crerem na morte de Cristo na cruz.
Em nossas igrejas, se prestarmos atenção no que é ensinado, das classes de crianças na Escola Bíblia até aos sermões dominicais (talvez com a única exceção das mensagens ditas "evangelísticas"), é impressionante como nós, pregadores e ensinadores, repetimos as palavras “nós devemos”, “nós temos que” e similares. Na verdade, achamos que é isso mesmo. Esse é o "fascínio": nem nos damos conta do que fazemos. Como também não percebemos que falamos pouco da morte de Cristo na cruz. Este é um antídoto para o fascínio do dever, segundo ainda o mesmo versículo.
Portal Ultimato - Você acha que o "fascínio pelo dever" é um problema contemporâneo ou é algo que tem a ver com a identidade da igreja cristã na história?
Karl Kepler - Novamente, precisamos ter bastante cuidado com mal-entendidos aqui - e assim entramos na pergunta: esse apego aos deveres cristãos existe ainda hoje em muitas igrejas cristãs, mas eu diria que era, inclusive, mais forte em séculos anteriores - porém não no ministério de Jesus, e nem dos apóstolos. Eu procurei descobrir quando ao longo da história a ênfase no dever se tornou a principal na pregação, e, pelo que vi, isso aconteceu mais fortemente há mais ou menos 700 anos. Hoje o dever ainda é forte nas chamadas igrejas “históricas” e nas pentecostais tradicionais. Já nas igrejas neopentecostais (como as da TV) as ênfases são outras; não necessariamente melhores, mas certamente diferentes, com outros interesses.
Portal Ultimato - Quando você separa "dever" de "descanso" não estaria criando uma dicotomia falsa? Como lidar com ambos os aspectos em favor de uma espiritualidade sadia?
Karl Kepler - Talvez não seja bom reduzir tudo a dever ou descanso. Creio que eles estão relacionados, mas a vida cristã é mais complexa do que uma dicotomia. Geralmente digo que, visto por fora, não há muita diferença entre um cristão fascinado pelo dever e um cristão liberto pela cruz. Nenhum deles fará pecados escandalosos, nenhum se entregará à corrupção, vícios, adultério, roubos, etc. Mas se olharmos por dentro, a diferença será enorme: o cristão do dever viverá preocupado em “não errar”, tomando todos os cuidados possíveis para evitar cometer falhas ou pecados; já o cristão liberto pela obra de seu Salvador viverá buscando “acertar”, buscando salvar o mundo mais do que condená-lo, e descansará quanto a seus erros, que infelizmente ainda o acompanharão vez por outra enquanto estiver nesta terra. Mas ele estará feliz na espera da volta de seu Senhor e Rei, quando tudo, enfim, ficará perfeito. É, portanto, mais uma questão de atitude no coração do que de comportamentos exteriores. Ou, como Paulo explica em Romanos 8.15, a diferença entre “servos” e “filhos”.
Infelizmente me parece que espiritualidade sadia é coisa rara em nosso meio. Somos bons em começar a vida cristã, mas não tanto em crescer espiritualmente. Como resultado, vários autores já disseram que as igrejas parecem enormes "berçários espirituais" (já escrevi sobre isso em outro livro “Neuroses Eclesiásticas e o Evangelho para Crentes”: as “neuroses eclesiásticas” são uma forma doentia de crescimento). A mim preocupa especialmente o fato de estarmos perdendo a grande maioria dos nossos jovens - e creio que isso tenha a ver com essa imaturidade espiritual. Felizmente, Deus é um Pai muito misericordioso!
Serviço
Encontro Regional do CPPC Centro-Oeste
Tema: “O Fascínio do Dever para os Cristãos: um estudo em Gálatas e na História da Igreja”.
Data e horário: 20 de setembro, de 8h30 às 17h30.
Local: Igreja Presbiteriana de Brasília (DF)
Inscrições: cppc.centrooeste@gmail.com
Informações: aqui
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A outra parte do título, que dá o nome "do dever" para o fascínio, também provém desses dois campos: a carta aos Gálatas e uma leitura da realidade de nossas igrejas. Um exemplo que eu daria, correndo aqui o risco de falar resumidamente, seria o ensino que temos dado frequentemente nas igrejas, separando salvação e santificação. A salvação é por graça e por meio da fé, mas a santificação é uma cobrança diferente, que geralmente acrescenta peso sobre os ouvintes.
Portal Ultimato - Como o livro de Gálatas pode ajudar a lidar com isso?
Karl Kepler - A situação daqueles irmãos da Galácia me parece muito semelhante à da Igreja cristã dos últimos séculos. A indignação que Paulo demonstra nesse verso (Gl 3.1) se refere ao movimento que ganhava força naquelas igrejas. Depois já terem crido em Cristo e aceito o evangelho, os irmãos da época queriam se comprometer a obedecerem à Lei de Moisés, adotando a circuncisão, o calendário de festas e dias especiais e vários preceitos, etc. O foco deles era a obediência aos mandamentos de Deus como base de suas vidas. E aí entramos num terreno escorregadio onde é fácil ser mal compreendido (com Paulo isso aconteceu muito!). Mas o fascínio que "enfeitiçava" os gálatas era exatamente esse: de crerem na obediência deles, em vez de crerem na morte de Cristo na cruz.
Em nossas igrejas, se prestarmos atenção no que é ensinado, das classes de crianças na Escola Bíblia até aos sermões dominicais (talvez com a única exceção das mensagens ditas "evangelísticas"), é impressionante como nós, pregadores e ensinadores, repetimos as palavras “nós devemos”, “nós temos que” e similares. Na verdade, achamos que é isso mesmo. Esse é o "fascínio": nem nos damos conta do que fazemos. Como também não percebemos que falamos pouco da morte de Cristo na cruz. Este é um antídoto para o fascínio do dever, segundo ainda o mesmo versículo.
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Infelizmente me parece que espiritualidade sadia é coisa rara em nosso meio. Somos bons em começar a vida cristã, mas não tanto em crescer espiritualmente. Como resultado, vários autores já disseram que as igrejas parecem enormes "berçários espirituais" (já escrevi sobre isso em outro livro “Neuroses Eclesiásticas e o Evangelho para Crentes”: as “neuroses eclesiásticas” são uma forma doentia de crescimento). A mim preocupa especialmente o fato de estarmos perdendo a grande maioria dos nossos jovens - e creio que isso tenha a ver com essa imaturidade espiritual. Felizmente, Deus é um Pai muito misericordioso!
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