Apoie com um cafezinho
Olá visitante!
Cadastre-se

Esqueci minha senha

  • sacola de compras

    sacola de compras

    Sua sacola de compras está vazia.
Seja bem-vindo Visitante!
  • sacola de compras

    sacola de compras

    Sua sacola de compras está vazia.

Opinião

Congregacionais completam 170 anos de história no Brasil

Por Idauro Campos

Os Congregacionais estão completando 170 anos de história no Brasil. A partir do desembarque do casal de missionários Robert Reid Kalley e sua esposa, Sarah Poulton Kalley, ele médico, escocês, ministro ordenado e membro da Igreja Livre da Escócia. Ela, inglesa, musicista, poliglota, poetisa e congregacional.

Chegaram ao Brasil em 10 de maio de 1855, em uma viagem a bordo do navio SS Great Stern partindo dos Estados Unidos da América. Desembarcando no porto do Rio de Janeiro, capital do Império, não gostaram do que viram. A cidade era quente, insalubre, populosa e com um intenso e imoral comércio de escravizados. Informado das melhores condições climáticas de Petrópolis, RJ, cidade onde residia o Imperador D. Pedro II, com quem o casal construiria reconhecida amizade, decidiu subir a serra.

Em 19 de agosto de 1855 diante de cinco crianças entusiasmadas com o ensino do profeta Jonas, D. Sarah Kalley ministrou a primeira aula de uma Escola Dominical no Brasil. Duas ou três semanas depois, uma segunda aula, tão importante quanto a primeira, seria ministrada pelo Dr. Robert Reid Kalley. Agora, o público seria o de adultos, homens brancos e pretos, juntos na mesma sala. O missionário escocês jamais concordou com a segregação racial que havia no país e desde o início exerceu seu ministério, combinado a pregação do Evangelho com crítica social.

Três anos após o desembarque, com o fruto da pregação do Evangelho no centro do Rio de Janeiro, Robert Kalley organizou a Igreja Evangélica Fluminense, com o batismo do primeiro convertido brasileiro, Pedro Nolasco de Andrade, em 11 de julho de 1858 e de mais treze pessoas. Era o início da primeira igreja evangélica brasileira e que permaneceu funcionando até os dias atuais, sendo núcleo das igrejas congregacionais no Brasil. Antes do casal Kalley anglicanos (1810), luteranos (1824) e metodistas (1836) já tinham chegado ao Brasil, mas os dois primeiros não evangelizavam brasileiros. Os metodistas fecharam a missão em 1841, retornando para os Estados Unidos. Voltariam para o nosso país vinte anos depois, em 1867.

Robert Reid Kalley e Sarah Poulton Kalley foram os pioneiros na evangelização de brasileiros e responsáveis pela organização da primeira Escola Dominical e Igreja Evangélica permanentes no Brasil. Lutaram junto à Secretaria de Justiça do Império pelo reconhecimento das cerimônias e certidões de casamento e sepultamento dos evangélicos, direitos até então exclusivos da Igreja Católica Apostólica Romana e também pelo reconhecimento do ofício de ministro de culto; rejeitaram a segregação racial imposta pelo sistema escravocrata que operava no Brasil, proibindo membros da Igreja Evangélica Fluminense de serem senhores de homens e mulheres escravizados. Além disso, traduziram e compuseram canções litúrgicas que foram reunidas no primeiro cancioneiro evangélico a ser publicado em nosso país, o Salmos & Hinos, que nortearia a liturgia de todas as denominações evangélicas por muitas décadas nos séculos 19 e 20. Alcançar o público alfabetizado foi uma estratégia do Dr. Robert Reid Kalley que publicava com regularidade sua tradução de O Peregrino, o clássico do ministro batista e puritano John Bunyan, nas páginas do Jornal do Comércio.

Falando da imprensa escrita, Robert Kalley chamou a atenção de ninguém menos que Machado de Assis, que escreveu uma crônica em sua defesa ao saber da hostilidade do povo de Niterói com o missionário escocês que atravessou a Baia de Guanabara nas barcas para pregar na cidade metropolitana. Sarah Poulton Kalley, tão talentosa quanto o marido, tinha seu próprio ministério. O já citado Salmos & Hinos era mais uma produção sua do que de Kalley. Ela é quem organizou o primeiro encontro de mulheres da igreja Evangélica Fluminense. Em uma época patriarcal em que a mulher não podia sair de casa sozinha, mas somente acompanhada de seu marido, irmão ou pai, Sarah promoveu um chá para as mulheres, preparou a liturgia e ministrou a Palavra de Deus, baseada no livro do Gênesis sobre a vida da primeira mulher da história da humanidade, Eva. A reunião, extremamente inovadora para os padrões daquele contexto histórico e cultural, daria origem a União Auxiliadora Feminina (UAF) o braço ministerial mais forte das igrejas congregacionais no Brasil.

Com a implantação da Igreja Evangélica Fluminense, primeira comunidade de fé de governo congregacional no Brasil, Robert Reid Kalley e Sarah Poulton Kalley inseriam em nosso território uma das primeiras formas de democracia, se não a primeira, em uma época autoritária cujo governo era exercido por um imperador. Reunir crentes de uma igreja urbana, no centro do Rio de Janeiro, capital do Império, com pessoas livres e escravizadas; brancos, pretos e mulatos; portugueses, escoceses, ingleses e brasileiros; com níveis sociais e econômicos distintos para que, juntos, reunidos em assembleias administrativas eclesiásticas, tomassem decisões baseadas nos votos individuais em que a maioria sairia vencedora nas demandas, e a minoria aceitaria pacificamente, era de um vanguardismo dos mais importantes.

O congregacionalismo trazido ao Brasil pelo casal Kalley, especialmente, Sarah Poulton, uma vez que ela era uma típica e tradicional congregacionalista inglesa, foi um dos mais importantes movimentos da Reforma Protestante na Inglaterra do século 16. Os congregacionais são representantes de uma teoria social: a do homem livre. Que não precisa de instituições mediadoras para representá-lo diante de Deus. No congregacionalismo o homem regenerado assume as rédeas da administração da sua paróquia, se reunindo com outros, igualmente regenerados, convertidos e batizados e, assim, cuidam da grei, administrando seus negócios, elegendo seus ministros, fixando mandatos e propondo a remuneração. Nada dependendo de fontes ou instâncias externas e/ou estrangeiras. Tudo é resolvido pelos próprios congregados em um sistema de poder horizontal e compartilhado, cujos corolários são a democracia, autonomia e autoridade.

Democracia, pois todos são considerados iguais e possuem as mesmas oportunidades, direitos e deveres. Tempo de conversão e batismo assim como a condição social nada contam quando os crentes estão reunidos diante de uma pauta de assuntos. Todos os membros tem direito a vez, voz e voto. Participam, opinam e decidem em igualdade de condições. Mas, não só decidem, como também legislam suas próprias leis, tipificando-as em estatutos, regimentos, confissões de fé e outros regramentos, expressões legítimas de sua autonomia administrativa local. E, ainda, consideram suas decisões válidas diante de Deus e de outros homens, pois entendem que receberam autoridade do Senhor Jesus Cristo para tal. Afinal, foi ele quem disse “quando houver dois ou três” (Mt 18.20). Essa autoridade é mística, porquanto vem de Cristo, mas, também, é racional, pois é lida, refletida e confirmada nas páginas das Escrituras Sagradas. Desta forma, o congregacionalismo se apresentou ao mundo como uma versão democrática, autônoma, independente e soberana de igreja reformada em uma época onde os modelos institucionais eram centralizados, hierárquicos e verticalizados.



Quanto às relações com os poderes temporais o congregacionalismo ofereceu uma das primeiras contribuições do protestantismo nesse campo, pois o conceito de separação entre Igreja e o Estado remonta aos congregacionais ingleses. Robert Browne, um separatista, teórico do congregacionalismo publicou em 1582, seu famoso tratado “Reforma sem esperar por ninguém”, uma defesa enérgica das prerrogativas da Igreja e total emancipação das influências governamentais. A Revolução Francesa pregaria o mesmo mote somente no longínquo século 18. Quase duzentos anos após o texto de Robert Browne.

As primeiras experiências eclesiásticas no modelo congregacional da era moderna aconteceram na terra de Sarah Kalley. Em pleno século 16, assim que surgiu a Igreja da Inglaterra, episcopal, autoritária e filo-católica, ministros e teólogos puritanos começariam a reivindicar que as igrejas fossem comunidades livres e soberanas com a administração independente. Em 1567 as primeiras reuniões com tais características serão registradas. As autoridades, real e eclesiástica, não concordaram. Houve perseguição, prisões, torturas e mortes. Os que sobreviveram foram exilados. Holanda, com mais liberdade religiosa, era o destino preferido. Igrejas Congregacionais seriam organizadas em solo holandês nos últimos anos do século 16 e na primeira década do século 17, mas não desistiriam da Inglaterra. Um grupo de congregacionais decidiu retornar para Londres, e no Bairro de Southwark, em 1616, com o registro de ata, batismos e a publicação de 28 artigos de fé, a primeira Igreja Congregacional formal da Inglaterra será organizada sob a liderança do Rev. Henry Jacob. A primeira democracia eclesiástica da Reforma Protestante, antes uma ideia, ganhou forma histórica e concretude institucional.

Mas, viver na Inglaterra oferecia sérios riscos. O Rei Jaime I era inimigo dos puritanos, dos congregacionais e dos presbiterianos. O caminho mais seguro era o da fuga, atravessando o Atlântico, de preferência. Em 1620 um grupo de cento e duas pessoas, sendo um terço de congregacionais, deixou a ilha a bordo do Mayflower e o desembarque na Baia de Cap Cod aconteceu em 11 de novembro do mesmo ano. Antes do desembarque, porém, os congregacionais estabelecem um pacto de convivência social e o registraram em um documento chamado de “Pacto do Mayflower”.A luta foi grande no início da colônia, que foi chamada de Plymouth em uma homenagem a última cidade inglesa que estiveram antes de embarcar no Mayflower. A metade não sobreviveu nos primeiros seis meses. Os sobreviventes, contudo, após um ano de provações, perceberam que conseguiriam se estabelecer e fixar residência permanente, e, então, gratos, organizam um banquete de confraternização e o chamam de Thanksgiving, “Dia de Ação de Graças”. Era o mês de novembro de 1621, um ano como colonos na América.

Com a permanência na colônia a vida precisava ser administrada. Casas, vielas, ruas, lavouras, diques, creches, escolas, faculdades e seminários precisavam ser edificados para tornar a organização social uma realidade tangível. E assim fizeram. Em 1636 a primeira faculdade será fundada, a New College, mas o jovem pastor da Igreja Congregacional de Massachussets, Rev. John Harvard decidiu reforçar os recursos da novíssima instituição de ensino superior e doou importante soma em dinheiro e centenas de livros. Morreu de pneumonia, aos 29 anos de idade, deixando também jovem esposa, Ann Sadler, sem filhos, mas com um legado perpétuo, pois em sua homenagem a Corte Geral da Baia de Massachussets decidiu alterar o nome da faculdade para Harvard. Em 1701, seria a vez da Universidade Yale, fundada por dez ministros congregacionais que deixaram a universidade de Harvard para fundar uma nova faculdade, protestante, congregacional, ortodoxa e calvinista. O congregacionalismo moldou a mentalidade política das colônias americanas.Como não havia estabelecimentos públicos para as tratativas das demandas coletivas, as reuniões eram realizadas nas igrejas congregacionais (Meetinghouse e Town Meeting), que eram majoritárias na região da Nova Inglaterra nos séculos 17 e 18. Essas reuniões seguiam o modelo das assembleias eclesiásticas com participação comunitária, debates e votos no processo decisório. A decisão da maioria era estabelecida. Uma mentalidade democrática vai se tornando regra e orientando a prática política nos Estados Unidos da América.

O congregacionalismo é uma tradição protestante. E foi também uma teoria social e força política na Inglaterra nos tempos de Oliver Cromwell, ele próprio confundido na literatura como um congregacional ou independente, como também eram chamados os adeptos desta forma de governo cuja marca principal é a democracia direta. O congregacionalismo também moldou o ethos norte-americano e, no Brasil, mesmo não tendo relação direta com as matrizes inglesa e americana (Robert e Sarah Kalley eram missionários independentes), construiu um legado no pioneirismo evangelístico, litúrgico e de conquistas sociais. Hoje, após 170 anos de inserção protestante no Brasil, o congregacionalismo se reconhece kalleyano, mas também dialoga com os referenciais do congregacionalismo internacional.

Referências
KARNAL, Leandro. [et al]. História dos Estados Unidos. São Paulo: Editora Contexto, 2016.
GOMES, Joelson. Os Congregacionais: Uma História da Tradição Congregacional. João Pessoa: Moura Ramos Gráfica e Editora, 2017.
CARDOSO, Douglas Nassif. Sarah Kalley: Missionária Pioneira na Evangelização do Brasil. São José dos Campos: Edição do Autor, 2005.
DA ROCHA, João Gomes. Dr. Robert Raid Kalley: Lembranças do Passado. Vol: 1. Rio de Janeiro, Novos Diálogos, 2013.
PORTO FILHO, M. Congregacionalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: DERP, 1997.
SANTANA FILHO, Manoel Bernardino de; LEAL, Márcio de Carvalho (ed.). Os Congregacionais no Brasil: Perspectivas Históricas e Teológicas. Rio de Janeiro: Editora Sarah Kalley, 2023.
SANTOS FILHO, Hildebrando Costa. Filosofia e História do Congregacionalismo  Brasileiro na vertente salustiana. Itaboraí: Edição do Autor, 2016.
SANTOS FILHO, Hildebrando Costa. Filosofia e História do Congregacionalismo Brasileiro na vertente portofilhiana. Itaboraí: Edição do Autor, 2016.
SANTOS, Lyndon de Araújo; LIMA, Sergio Prates. Robert Reid Kalley: um missionário-diplomata na gênese do protestantismo luso-brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Novos Diálogos, 2012.


Imagens
1. Rev. John Harvard (1607-1638). Pastor da Igreja Congregacional de Massachusetts. A primeira universidade americana, fundada em 1636, recebeu seu sobrenome em reconhecimento às suas doações em dinheiro e livros.
2. A Universidade de Harvard - Fundada em 1636. Organizada com motivações religiosas. A ideia principal era preparar ministros congregacionais capazes de liderar moral e espiritualmente as colônias de Plymouth e Massachussetts, ambas fundadas pelos congregacionais em 1620 e 1629, respectivamente. Fonte
aqui
3. SS Great Western - O navio que trouxe Robert e Sarah Kalley ao Brasil em 1855. Construído pela Great Western Company. Foi o primeiro navio a vapor propositadamente construído para a travessia do Atlântico, sendo o maior navio de passageiros do mundo de 1837 a 1839. Foi desmontado em 1856.
4. Robert Reid Kalley (1809-1888) e Sarah Poulton Kalley (1825-1907).
5. Igreja Evangélica Fluminense. Localizada no centro do Rio de Janeiro. Fundada em 11 de julho de 1858. É a primeira igreja evangélica estabelecida no Brasil com culto em português. Na data de fundação foi batizado Pedro Nolasco de Andrade. o primeiro brasileiro convertido no ministério do Dr. Robert Reid Kalley.
6. A Universidade YALE - Fundada em 1701 por dez ministros congregacionais que decidiram deixar a Universidade de Harvard e organizar uma nova instituição de ensino que fosse ortodoxa na teologia, centrada nas Escrituras Sagradas, rígida no exame da moral dos alunos e com ênfase no preparo para o ministério pastoral e o serviço à sociedade e que estivesse relacionada à colônia Connecticut. Fonte
aqui.

  • Idauro Campos é pastor da Igreja Congregacional de Niterói, no Rio de Janeiro. É mestre em História Social. Professor de História da Teologia Cristã e do Protestantismo Brasileiro e Assessor de História da União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil. Autor do livro Congregacionalismo: Origens e Contribuições Sociais da Democracia Protestante com lançamento previsto para o final de 2025.


REVISTA ULTIMATO – JESUS, A LUZ DO MUNDO
Jesus, o clímax da narrativa da redenção, é a luz do mundo. Não há luz que se compare a ele. Sua luz alcança todo o mundo.

Além de anunciar-se como Luz, Jesus declara que
os seus seguidores são a luz do mundo. “Pois Deus que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele mesmo brilhou em nosso coração para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo” (2Co 4.6).

É disso que trata a
edição 415 de Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» O Caminho do Coração – Meditações diárias, Ricardo Barbosa
» História da Evangelização do Brasil - Dos jesuítas aos neopentecostais, Elben Magalhães Lenz César
» Vozes Femininas no Início do Protestantismo Brasileiro - A religiosidade, o papel feminino, as denominações e suas pioneiras, Rute Salviano Almeida
» Contando e Cantando – Conhecendo as histórias de hinos cristãos, Henriqueta Rosa F. Braga
» Os hinários estão com os dias contados?, por Abner Campos

Leia mais em Opinião

Opinião do leitor

Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta

Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.