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Opinião

Better than us: quem é melhor que nós?

Por Carlos Caldas

Better than us – literalmente, “Melhores que nós” – é uma série russa de ficção científica, disponibilizada pelo canal de streaming Netflix. Trata-se da primeira produção russa comprada pela Netflix. Na Rússia foram lançadas duas temporadas, de oito episódios cada, mas a Netflix está veiculando como apenas uma, com dezesseis episódios. Anuncia-se uma terceira (que será a segunda na Netflix), inteiramente rodada na China. A série é um drama, o que é absolutamente incomum em ficção científica. Robôs estão no centro da história. O tema dos robôs tem sido um dos preferidos da ficção científica desde sempre. A palavra “robô” foi incorporada ao vocabulário de praticamente todas as línguas europeias. Sua origem é a palavra checa robota, que transmite a ideia de trabalho forçado ou escravo. A palavra foi popularizada a partir da divulgação de uma peça intitulada R. U. R. (“Os robôs universais de Rossum”), do escritor tcheco Karel Čapek. Na peça, uma indústria fabrica seres artificiais parecidos com humanos, para servi-los, mas eles se revoltam e eliminam seus senhores (qualquer semelhança com o filme O exterminador do futuro, que veio a lume décadas depois de Čapek, não terá sido mera coincidência). Curiosamente, Karel Čapek pensou em denominar as criações mecânicas de sua peça de labori, da palavra latina para “trabalho” (de vem “labor” em português), mas seu irmão Josef sugeriu roboti1.

Mas a popularização da palavra e do conceito se deu por intermédio da obra de Isaac Asimov, um dos gênios da ficção científica do século passado. Suas famosas “três leis da robótica”, que aparecem no seu clássico Eu, Robô (publicado originalmente em 1950), são citadas logo no início do primeiro episódio (e serão citadas também no sétimo da série):

• Primeira Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.

• Segunda Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que entrem em conflito com a Primeira Lei.

• Terceira Lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.


Asimov imagina o que denominou “cérebro positrônico”, que permite aos robôs tomarem suas próprias decisões. Em consequência disso, as leis da robótica foram formuladas para permitir uma convivência tranquila entre humanos e androides ultra inteligentes.

Pois bem, após um breve pano de fundo que permite entender a história de Better than us, pode-se prosseguir com uma igualmente breve proposta de leitura da série: a narrativa se passa na Rússia em um futuro não muito distante, numa sociedade que dispõe de uma tecnologia avançadíssima em robótica. Drones de vigilância, robôs e androides2 estão em toda parte, atuando em serviços subalternos, como cuidadores de idosos, recepcionistas, secretários e robôs em forma feminina que são vendidos como escravas sexuais. A narrativa é muito bem contada e “amarrada”, por assim dizer, o que não é surpresa de modo algum. Não se pode esquecer que os russos têm uma longa tradição como bons contadores de histórias – os textos maravilhosos de Fiódor Dostoievski, Liev Tolstoi e Anton Chekhov estão aí para confirmar a afirmação. E a série em si é muito bem-produzida, não ficando absolutamente nada a dever a qualquer produção norte-americana, que estamos acostumados a ver. A história se passa em torno de Arisa, protótipo de androide sensciente construído na China e contrabandeado para a Rússia. Por circunstâncias, Arisa foge da Cronos, a fábrica russa cujo dono a contrabandeou, e encontra como primeira usuária Sonia, uma menina de cinco anos. Arisa entende que é parte da família de Sonia. O detalhe é que ela não apenas é capaz de tomar decisões por si, como é capaz também de entender as emoções humanas. O pai de Sonia é Georgi Safronov, um cirurgião brilhante, mas que teve sua carreira destroçada por Victor Toropov, o multimilionário e totalmente perverso e inescrupuloso dono da Cronos. A narrativa aos poucos “entrega” detalhes do passado de Safronov e de Toropov. E nas confusões que surgem, Arisa surpreende a todos com as decisões que toma.

Antes de partir para a conclusão do texto, três observações quanto ao elenco: a primeira, a impressionante beleza física das atrizes e dos atores, a segunda, a atuação perfeita das atrizes e atores que interpretam os androides e a última, o desempenho do elenco mirim, com destaque para o menino que faz o androide Boria, e para a menina que interpreta Sonia, a já mencionada filha de Georgi Safronov.

Isto posto, há que se encarar as questões suscitadas pela série. Better than us é uma grande provocação antropológica. A grande questão da antropologia, a reflexão teológica e/ou filosófica a respeito do homem é: “Que é o homem, para que dele te lembres, e o filho do homem, para que o visites?”. A pergunta foi formulada primeira por um poeta hebreu há alguns milênios (Sl 8.4). Que é o humano? Filósofos no decorrer dos séculos têm proposto respostas diversas para a pergunta. Pergunte a Platão, a Aristóteles, a Descartes, a Marx, a Freud: “que é o homem? Que é o humano?”. Cada um deles lhe dará uma resposta diferente.

Diante de pergunta tão complexa, que persegue a humanidade há séculos e séculos, vem a ficção científica não com uma resposta propriamente, mas com uma alternativa: não importa o que é o humano, pois é possível que humanos construam humanos melhores que os humanos. A provocação de Better than us já começa pelo próprio título: serão os androides melhores que os humanos? Afinal, não envelhecem e não adoecem. Mas em um nível mais profundo, androides não pecam. Podem até ser sencientes, tomar decisões de maneira autônoma, mas não pecam. Com isso seriam melhores que os filhos de Adão e as filhas de Eva? A pergunta tem que ser feita porque com o avanço da tecnologia, especialmente (mas não apenas) em campos como nanotecnologia, bioengenharia e inteligência artificial, é questão de tempo para que cenas e situações apresentadas na série passem a fazer parte do nosso dia a dia.

Se a pergunta a respeito dos androides tiver como critério de resposta o desempenho, a resposta será “sim”: androides, sencientes ou não, são melhores que os humanos porque não têm as limitações que estes têm. Mas este critério é totalmente utilitarista. O ser humano não se define apenas por seu desempenho e produtividade. Se a resposta for pela capacidade de formular raciocínios e levantar questões, partir do conhecido para o desconhecido, estabelecer relações de causa e efeito, um androide senciente como a Arisa de Better than us seria melhor que os humanos, por conta de seu cérebro positrônico, mais rápido que o humano, e imune a problemas como demência e Alzheimer. Mas o Cogito, ergo sum – “penso, logo existo”, de René Descartes tem suas limitações. O ser humano é homo sapiens, mas é mais que isso.

O humano é capaz de se relacionar, de imaginar, e isso androides sencientes não são capazes de fazer. O humano é capaz de fazer arte, e esta, seja pela mimesis, a imitação da natureza, seja pela imaginação de algo não existente no mundo natural, o distingue do “mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”, como disse Caetano, não é capaz. O humano foi o escolhido para a encarnação do Verbo: “e o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1.14). Adam, anthropos, o humano, com suas limitações, defeitos, incoerências, contradições e pecados, continua sendo a coroa da criação. Androides sencientes, que poderão surgir talvez mais cedo que pensamos, não serão capazes de nos substituir. Não são melhores que nós.

Notas:
1. As informações quanto à etimologia da palavra robô e de sua popularização a partir da peça de Karel Čapek foram retiradas de “The Curious Origin of the Word ‘Robot’”. Disponível em ˂https://interestingliterature.com/2016/03/the-curious-origin-of-the-word-robot/˃

2. Tanto robôs como também androides são construções mecatrônicas de tecnologia altamente sofisticada. A diferença está em seu aspecto exterior: os androides se parecem com pessoas humanas, enquanto os robôs não.

É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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