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Opinião

Alzheimer, uma teologia saudável da memória e o Deus que se lembra

Por Chien Hsin Fen, André T. C. Chen e Wu Tu Hsing em nome da Associação Médica Agape

“Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.”
Mário de Sá-Carneiro, Dispersão


Lembro-me (André) de minha avó que com amor cozinhava para seus 14 netos. Em sua velhice, viúva, começou a apresentar esquecimentos. Iniciou com fatos corriqueiros, mas lembrava vividamente do passado. Ela adorava contar como conheceu meu avô: ele, o pretendente, vindo de outra cidade para conhecê-la, não foi recebido em casa pelo futuro sogro; teve o encontro arranjado num café. No horário estipulado, ela o aguardava no local de encontro; ele passou pela frente e vendo sua formosura, disse “okay”. E, sem dizer mais nada, foi embora pegar o trem de retorno. Sorrindo e revivendo o passado, ela se gabava: ele nem sabia se eu era surda ou muda, só viu que eu era bonita e disse “okay”. Ouvi essa história incontáveis vezes, sempre prestando atenção como se fosse a primeira, alegrando-me com o sorriso no rosto de minha avó, algo especial em meio a um humor amavelmente rabugento em seus últimos anos de vida.

A demência é uma síndrome clínica caracterizada por declínio cognitivo e/ou por alterações comportamentais em relação a um nível prévio de desempenho. As alterações precisam ser importantes o suficiente para interferir nas atividades de vida e na independência, e não podem ser explicáveis por estado confusional agudo ou doença psiquiátrica. O diagnóstico de demência é clínico, não sendo necessários exames de neuroimagem para confirmação diagnóstica; exames podem ser necessários para excluir outras causas e durante o seguimento1.

A demência afeta mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo mais de 10 milhões apenas na região das Américas2 . A idade é o maior fator de risco para o desenvolvimento de demência, porém 9% dos casos ocorrem em pessoas abaixo de 65 anos2.

A doença de Alzheimer é a maior causa de demência. Os sintomas são variáveis e podem incluir desde a perda de memória para fatos corriqueiros, compromissos, direção, como também dificuldade para resolver problemas, tomar decisões ou conduzir uma conversa. Atualmente não há cura para doença de Alzheimer, entretanto podemos diminuir o risco de declínio cognitivo ao manter-se fisicamente ativo, não fumar, não consumir álcool em excesso, ter dieta saudável e manter níveis saudáveis de pressão, colesterol e glicemia. Outros fatores de risco para demência incluem a depressão, o isolamento social, baixo nível educacional, inatividade mental e poluição do ar3. Em estágios avançados, a pessoa com demência perde a capacidade de gerir as atividades de vida diária, tem oscilações do humor, alterações comportamentais e por fim terá necessidade de cuidado de terceiros.

As dificuldades do cuidado ou a sobrecarga da dinâmica familiar fazem com que muitos idosos com Alzheimer ou outros tipos de demência sejam realocados em casas de repouso. A pessoa com demência esquece, mas muitas vezes é também esquecida... Em certa medida, todos tememos que um dia isso também possa acontecer conosco.

Uma teologia saudável da memória
“Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade. (Lm 3:21-23 - ARA).

Cada ser humano é singular e nossas lembranças fazem parte de nossa identidade. Como esquecer o primeiro bicho de estimação, a primeira prova de matemática (ou recuperação), a canção de ninar da mãe, o aniversário de casamento?... Afinal, não é a memória da fidelidade e do amor de Deus aquilo que nos traz esperança?



James Houston, professor de Teologia Espiritual no Regent College (Canadá), cuidou de sua esposa Rita durante longos anos, através dos quais enfrentaram juntos a Doença de Alzheimer. Conta-se que certa vez, Dr. Houston perguntou a um de seus alunos4:
- Fundamentalmente importa se Rita perdeu sua memória? Será que realmente isso é tão fundamental assim?

O aluno, sem palavras, ouviu seu mestre prosseguir.

Não, nós somos a memória dela. Mas, ainda mais fundamental, a nossa esperança está na memória de Deus sobre nós no dia da ressurreição.

Como cristãos, nosso Salvador nos resgata de uma perspectiva individualista da existência autocentrada e nos dá um senso de pertencimento a um povo, uma coletividade. Somos parte da família de Deus, do corpo de Cristo que é a igreja. E enquanto membros desse organismo, nós somos o povo que se lembra:

“Fiquem muito atentos! Cuidem para que não se esqueçam daquilo que viram com os próprios olhos. Não deixem que essas lembranças se apaguem de sua memória enquanto viverem. Passem-nas adiante a seus filhos e netos. Nunca se esqueçam do dia em que estiveram diante do SENHOR, seu Deus, no monte Sinai, onde o SENHOR me disse: ‘Convoque o povo para que se apresente diante de mim, e eu os instruirei pessoalmente. Eles aprenderão a me temer enquanto viverem e ensinarão seus filhos a também me temer” (Dt 4.9-11).

Somos chamados a lembrar dos poderosos atos de Deus e a ensiná-los a nossos filhos. O povo de Deus no Antigo Testamento era a memória viva de que Deus os tinha resgatado e lhes transmitido seus estatutos. O temor do SENHOR deveria passar de geração em geração, a memória da graça de Deus era e ainda é coletiva. Isso significa que, ainda que como indivíduo, devido a uma doença neurodegenerativa, eu possa me esquecer, nós como povo de Deus, somos a memória e a esperança de que seu amor não tem fim.

Ainda que como família e igreja, por vezes falhemos em lembrar da graça de Deus na vida dos que nos antecederam, fundamentalmente, Deus se lembra! Quando Jesus entregava sua vida por nós na cruz, um dos criminosos ao seu lado disse-lhe:
“Jesus, lembre-se de mim quando vier no seu reino”.

E Jesus lhe respondeu: “Eu lhe asseguro que hoje você estará comigo no paraíso” (Lc 23.42-43)

O Pai Eterno lembra de todas as coisas e, na era vindoura, se lembrará de todo aquele que com humildade de coração clamou por seu nome.

Fazei isto em memória de mim
Em 1 Coríntios 11:17-31, o apóstolo Paulo dá instruções sobre o sacramento da ceia. Ele exorta os irmãos a comerem do pão e beberem do cálice honrando o corpo de Cristo. No contexto, isso significava lembrar dos mais pobres da igreja e tomar a ceia juntos5. Num sentido mais amplo, discernir o corpo de Cristo significa olhar pelos menos favorecidos de sua igreja como o Senhor faria, incluindo os que sofrem de Alzheimer ou outros tipos de demência. Ouvir suas histórias, ser paciente com suas limitações, servi-los em suas necessidades, comunicar-se de outras formas que não apenas verbais ou mentais são alguns exemplos6. Decerto a responsabilidade de cuidar é primariamente da família, pois se alguém não cuida dos seus, negou a fé e é pior que os descrentes (cf. 1Tm 5:8). Não obstante, núcleos familiares cada vez menores e menos estruturados trazem à igreja uma oportunidade de lembrar-se do corpo de Cristo nas demandas do dia a dia: “fazei isto em memória de mim.”

Notas
1.
Definição - Pessoas com Demência. Ministério da Saúde. Accessed January 23, 2024. 
2.
Dementia. World Health Organization. Accessed January 23, 2024. 
3.
Dementia. World Health Organization. Accessed January 23, 2024. 
4. Lin D, Bomilcar K, Wondracek K.
Experiência Cristã de Luto.
5. Fee G. The First Epistle to the Corinthians, Revised Edition (New International Commentary on the New Testament (NICNT)). Eerdmans; 2014.
6.
Houston J. Building a Dementia-Friendly Community Through a Framework of Faith- James M. Houston. Published 2018. Accessed January 19, 2024. 

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