Opinião
06 de maio de 2025
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Os Jardins do Éden e a Sombra de Abel: uma jornada pela aposentadoria
Agora, a chance de viver no jardim, do jeito que eu quisesse. Mas como fazer isso?
Por Rubem Amorese
Anos se passaram desde que a decisão crucial foi tomada. Lembro-me vividamente daquele período, marcado pela leitura de "Aprender a Envelhecer", de Paul Tournier. Não era uma leitura comum; era um diálogo profundo, uma conversa lenta onde eu pedia licença ao autor para parar, pensar e voltar com perguntas e inquietações. Éramos companheiros de jornada, Paul um pouco à frente, já na fase de sínteses existenciais, que ele compartilhava generosamente em seu livro, abordando as alegrias, inquietações e temores da aposentadoria.
(Concluirei toda esta história em novo texto, que intitularei: Abel e Zacarias: encontrando missão na aposentadoria avançada, onde falarei do meu presente, da minha “aposentadoria avançada”)
REVISTA ULTIMATO – LIVRA-NOS DO MAL
O mal e o Maligno existem. E precisamos recorrer a Deus, o nosso Pai, por proteção.
O que sabemos sobre o mal? A que textos bíblicos recorremos para refletir e falar do assunto? Como o mal nos afeta [e como afetamos outros com o mal] e porque pedimos para sermos livres dele? Por que os cristãos e a igreja precisam levar esse assunto a sério?
É disso que trata a matéria de capa da edição 413 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Aprender a Envelhecer, Paul Tournier
» Me aposentei. E agora?, de Rubem Amorese
Por Rubem Amorese

Naquela época, recém-chegado a essa nova "estação da vida", as histórias que Paul relatava, e as que eu ouvia ao meu redor, ecoavam em minha alma. Havia o relato de amigos que se perderam ao se aposentar. Um deles descreveu a experiência como "terrível", confessando que nunca imaginou que seria "tão duro". Sua reflexão me tocou profundamente: "Nada é pior para o homem do que perder a possibilidade de brilhar!". Conversamos sobre essa condição humana, essa necessidade intrínseca de sentir-se útil, relevante. Aquele amigo, rapidamente, encontrou um jeito de "voltar à ativa", um "trabalhinho de classificação" que o fez reviver, resplandecente, encontrando em uma modesta possibilidade de brilho o suficiente para se transfigurar. Mas, mesmo assim, pairava a sensação de que o problema estava apenas adiado, sem uma solução real.
E havia o fantasma do "pijama assassino". Três anos antes de assinar minha "Lei Áurea", como eu carinhosamente apelidei a decisão de me aposentar, ouvi muita gente falar sobre ele. A recomendação generalizada era clara: "não pare". Vestir o pijama assassino significava marcar um encontro indesejado com enfermidades, solidão, senilidade e, por fim, a morte. A lista de ex-colegas que se aposentaram "totalmente", passando a viver em casa, assistindo "sessão da tarde" e lendo livros, e que muitos já haviam morrido, alimentava esse temor.
Mas Paul Tournier também apresentava casos de quem não se deu tão mal. Lembro-me da história de outro amigo, vibrante, que declarou: "Aposentadoria? Nunca estive tão ocupado como estou desde que me aposentei!". Sua reflexão complementar, que ressoou com meus próprios pensamentos enquanto lia, era manter a rotina de se levantar cedo, "na mesma hora em que se levantava para ir ao escritório". Perfeito, de certa forma, mas o comentário de Tournier, com o qual eu concordava, sublinhava que, mesmo nesse caso, tratava-se de um "adiamento". Um adiamento mais válido, sim, mas ainda assim um adiamento. Esse homem, embora administrativamente aposentado, continuava produtivo, trocando a função de diretor por outras responsabilidades. Quem sabe, pensávamos, a aposentadoria real, de fato, ainda chegaria para ele.


Aquilo me fez pensar: era exatamente o que meus amigos e colegas me sugeriam há três anos: aposentar-se sem se aposentar. E eu me perguntava, e ainda me pergunto, se isso realmente "vale". Aposentar-se para seguir fazendo a mesma coisa... isso seria sinal de um amor profundo pelo que se fazia, ou de uma total falta de ideia do que mais poderia ser feito? A metáfora que me vinha à mente era a do escravo recém-alforriado. Com sua liberdade recém-conquistada, o que faria ele? Pediria ao antigo dono para ser recontratado como trabalhador?
Como servidor público, eu poderia ter postergado a assinatura da minha própria "Lei Áurea" até a aposentadoria compulsória, a "expulsória" dos setenta anos. Mas decidi encarar a decisão logo. Meu receio maior era que, por medo, eu permanecesse no trabalho apenas para ser varrido "na pazinha de lixo" quando a idade me alcançasse. Naquele momento futuro, eu teria menos condições de aproveitar o tempo de aposentadoria, tão esperado por uns e tão temido por tantos. Sairia a contragosto, sem nenhum "projeto de vida" e, pior, sem a energia dos sessenta anos. Isso, sim, seria ter um encontro marcado, e inevitável, com o temível "pijama assassino", apenas que mais tarde. Naquelas conversas imaginárias com Paul Tournier, eu me convencia de que havia tomado a decisão correta ao sair enquanto ainda tinha energia. O lamento era não ter planejado esse momento antes, a partir dos quarenta e cinco ou cinquenta. Já era, mas a oportunidade de correr atrás do prejuízo ainda existia, planejando a partir de então.
Naquele início, uma ideia martelava em minha cabeça, estranha e instigante: o Éden. Eu via meus amigos, que sempre sonharam com a aposentadoria, agora morrendo de medo dela. Eles sonhavam com o dia em que voltariam à condição de crianças em férias escolares. E eu, concordando em parte, pensava que a aposentadoria era como Deus me trazendo de volta ao Éden. E a pergunta divina ecoava: "como você vai viver, agora, neste jardim que lhe preparei?". Finalmente, eu havia chegado ali. Não era mais preciso "lutar pela vida", estava livre das exigências do "suor do seu rosto". Agora, a chance de viver no jardim, do jeito que eu quisesse. Mas como fazer isso? Deixar o mato crescer? Viver num eterno parque de diversões? Sentar-se à beira de um riacho e simplesmente deixar o tempo passar até ser recolhido aos meus pais?
Essa era a dificuldade para alguém com uma personalidade que eu reconheci como "orientada por objetivos". Vontades e sonhos raramente tiveram prioridade; o que contava eram os embates imediatos e os projetos. Essa configuração, embora fizesse de mim um realizador no mundo do trabalho, gerava um impasse no Éden. Diante da pergunta sobre o que eu desejava fazer, eu respondia, quase instintivamente, "O que há para fazer? Quais são as opções?". Fugia do verbo "desejar", sempre problemático para quem foi "soldado a vida toda". A oferta de liberdade plena – "Qualquer coisa. Você é livre para escolher o que mais desejar. Agora poderá realizar seus sonhos" – soava quase alienígena. Desejar? Sonhos? Como assim?
Diante dessa dificuldade, a solução mais óbvia parecia ser continuar a fazer o que fazia antes. Mas nem isso era simples, pois a motivação havia mudado. Na batalha pela vida, na busca por sustento, segurança, realização, reconhecimento, a motivação estava embutida na necessidade. Havia coisas a realizar, sacrifícios a enfrentar, avaliações de utilidade e custo/benefício. Mas e agora, no Éden, onde o "não fazer nada" era uma possibilidade real? Seria desejável? Seria bom?
Lembrei-me de colegas que sonharam a vida toda com uma casinha na praia, sossego total, e voltaram em menos de um ano, com grandes prejuízos. Disseram que era uma ilusão, que a realidade era mais dura e menos romântica. Ficou claro que, a partir de então, seriam necessárias novas razões para fazer as coisas. Antes, aprender uma nova língua era impulsionado por valorização curricular, carreira, salário, promoções, oportunidades. Agora, por que me lançar a isso? Talvez por aprimoramento pessoal? Pelo simples prazer de aprender? Para viabilizar viagens ou cursos no exterior? A pergunta utilitária persistia, mas com um drama existencial adicionado: isso é o melhor que posso conceber para ocupar o tempo que me resta? Havia uma sensação de que, agora, você não podia mais errar. É como o investidor que deseja poupar para sua velhice, mas que já não tem “tempo para juros compostos”.
Até mesmo o ato simples de ler, que eu nunca amei particularmente, era antes movido pela necessidade do resultado: aprender e saber para garantir salário, relações sociais, identidade. Tudo muito prático, ligado à segurança e sobrevivência. Mas agora que a dependência desses mecanismos diminuíra, por que continuar lendo livros técnicos ou científicos? Adotei uma nova máxima: "livro é como namorado(a): se começar a dar muito trabalho, fecha e sai para outro" (que pensamento horrível!). Essa mentalidade, orientada por objetivos e reforçada pela busca constante por resultados (para o chefe, a esposa, a família, o pastor), confrontava-se com a consciência no Éden de que eu não precisava mais fazer essas coisas. A questão persistia: o que fazer então? Seria preciso, finalmente, enfrentar a pergunta sobre o que eu desejava, sobre meus sonhos, para evitar que o mato crescesse no meu pedaço do jardim? A verdade era que os fatores de motivação precisavam, e já haviam em parte mudado, pois os antigos motivadores não moviam mais o moinho. Era crucial encontrar novas inspirações e desafios, que realmente me inspirassem e desafiassem. Caso contrário, o pijama assassino continuaria à espreita. Essa reflexão, tão pessoal, parecia quase incomunicável. Como dormir com um barulho desses?
(Concluirei toda esta história em novo texto, que intitularei: Abel e Zacarias: encontrando missão na aposentadoria avançada, onde falarei do meu presente, da minha “aposentadoria avançada”)
- Rubem Amorese é presbítero emérito na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. Foi professor na Faculdade Teológica Batista por vinte anos e consultor legislativo no Senado Federal. É autor de, entre outros, Fábrica de Missionários e Ponto Final. Acompanhe seu blog pessoal: ultimato.com.br/sites/amorese

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Rubem Amorese é presbítero emérito na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. Foi professor na Faculdade Teológica Batista por vinte anos e consultor legislativo no Senado Federal. É autor de, entre outros, Fábrica de Missionários e Ponto Final. Acompanhe seu blog pessoal: ultimato.com.br/sites/amorese.
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Site: http://www.amorese.com.br
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