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Opinião

Abel e Zacarias: encontrando missão na aposentadoria avançada

 A aposentadoria, longe de ser o fim da utilidade, pode ser um tempo de novas vocações, de ser habilitado para servir de maneiras inesperadas.

Por Rubem Amorese

(Este texto conclui uma conversa iniciada sob o título: Os Jardins do Éden e a Sombra de Abel: uma jornada pela aposentadoria, onde conto meus diálogos com o livro “Aprender a Envelhecer”, de Paul Tournier, e aprendo a fugir do “pijama assassino”.)

Anos se passaram desde que aquelas primeiras reflexões sobre o pijama assassino, o Éden e a busca por novas razões ocupavam meus pensamentos e diálogos com Paul Tournier. O tempo, mestre implacável, trouxe consigo não apenas a vivência da aposentadoria, mas também novas perspectivas, ancoradas em experiências mais profundas e, confesso, em descobertas teológicas que lançaram uma luz diferente sobre a transitoriedade da vida e o propósito na velhice.
 
Nessa nova fase, a palavra hebraica לֶבֶה (hebel), que aparece no Eclesiastes e é traduzida como "vaidade", ressoou de maneira particular. Logo no início do livro, a expressão "Havel havalim, hakol havel" – Vaidade de vaidades, tudo é vaidade – nos confronta com a fugacidade da existência "sob o sol". Hebel significa literalmente "vapor", "névoa", "sopro", algo efêmero, transitório. No contexto do Eclesiastes, carrega a ideia de inutilidade ou ilusão, expressando a fugacidade da vida e a aparente falta de sentido das realizações humanas.
 
A conexão entre לֶבֶה (hebel) e לֶבָה (Hevel, ou Abel), o irmão de Caim, é profundamente significativa e tem sido notada por estudiosos. O nome de Abel é escrito exatamente da mesma forma que a palavra para "vaidade". Isso sugere que Abel, em sua curta e trágica vida, é um símbolo da efemeridade. Ele aparece brevemente na narrativa bíblica e logo desaparece, vítima da violência de seu irmão. Sua vida, como um sopro ou neblina que se dissipa, encaixa-se perfeitamente na ideia de algo passageiro e sem permanência.

O Eclesiastes, ao usar hebel para descrever a transitoriedade e a aparente falta de propósito da vida terrena, encontra um retrato vivo na história de Abel. Ele era justo, seu sacrifício aceito por Deus. No entanto, sua vida terminou abruptamente. Não há uma explicação lógica ou justiça aparente para sua morte "sob o sol". Isso ressoa com a visão do Pregador: a existência humana marcada por injustiça e imprevisibilidade. Abel é a imagem do justo que perece cedo, enquanto a vida segue seu curso sem um sentido claro aparente.
A conexão entre Abel e hebel levanta questões profundas sobre o propósito da vida. É tudo apenas vapor, futilidade, correr atrás do vento? No contexto bíblico mais amplo, encontramos uma esperança que transcende a transitoriedade do hebel. O Salmo 90 expressa o desejo de que Deus dê sentido aos nossos dias. E Hebreus 11:4 lembra Abel não apenas como uma vítima, mas como um homem de fé, cujo testemunho continua vivo mesmo após sua morte. Isso nos leva à grande questão de Eclesiastes: se tudo é hebel, o que realmente tem valor? O próprio livro aponta uma direção: o temor a Deus e a busca por sua vontade trazem significado a uma vida que, de outra forma, seria apenas um sopro.

E é nesse ponto que a história de Zacarias e Isabel se encaixa, ancorando esses pensamentos na realidade da terceira idade e da aposentadoria. Eram um casal idoso, na idade de se aposentar com honras, reconhecidos por seus bons serviços no Templo. Tudo indicava que Deus estava satisfeito com sua piedade, e Zacarias estava prestes a receber o que parecia ser o prêmio de uma vida dedicada: ser sorteado para entrar no santuário, uma honra raríssima para um sacerdote. Havia mais de 400 esperando, a maioria jamais experimentaria tal privilégio. Além disso, Zacarias e Isabel carregavam a dor de não terem filhos, oração que fizeram a vida toda, mas que provavelmente já haviam cessado de pedir, dada a idade avançada de Isabel.



Zacarias entrou no santuário, esperando a coroação de uma vida de dedicação, talvez um momento de quietude final em seu serviço formal. Mas lá dentro, ele encontrou um anjo com uma mensagem revolucionária: sua oração foi ouvida! Posso imaginá-lo perplexo, questionando-se a qual oração o anjo se referia, dado o tempo passado. O importante é que o anjo comunicou que ele, um homem idoso, e Isabel, em sua velhice, teriam um filho. E Zacarias saiu daquele lugar não apenas surdo-mudo, mas com uma missão. A missão de gerar e preparar João Batista, aquele que precederia e anunciaria o Filho de Deus. Uma missão monumental, concedida no que parecia ser o fim da linha profissional e pessoal. A história de Zacarias e Isabel, como eu aprendi, é um testemunho de como Deus chama e capacita gente mais idosa.
 
Essa história falou profundamente ao meu coração em um momento específico da minha aposentadoria. Desde minha "emerência", em 2012, venho vivendo um período de "silêncio" em minha igreja, deliciando-me na posição privilegiada de aprendiz, ouvindo cultos, participando de encontros e aulas. Era uma fase tranquila, diferente da atividade profissional de "soldado" ou da busca inicial por novas razões. No início deste ano de 2025, recebi um convite. Era para ensinar na escola dominical. Meu primeiro impulso foi recusar. Eu estava acostumado com o conforto de apenas receber.
 
Mas então, em meio a sermões natalinos, ouvi uma pregação sobre Zacarias e Isabel. A temática era precisamente a terceira idade e a forma como Deus pode chamar e capacitar pessoas mais velhas, aludindo a Moisés e focando em Zacarias. Foi como se Deus estivesse falando diretamente comigo. Comecei a compreender que aquele convite para ensinar poderia ser palavra de Deus para mim. Encurtando a história, decidi aceitar. Foi um retorno após 13 anos de "silêncio". Uma decisão que implicava encarar uma "luta": acordar neurônios dormentes e ativar memórias já apagadas ("mnemonias já apagadas"). E assim, hoje, estou ensinando, em parceria com um pastor da igreja, a carta de Paulo aos Efésios para uma classe de adultos.
 
Compartilhei parte desta jornada com os irmãos da classe, interpretando, com certo humor, a mensagem do anjo Gabriel para Zacarias como um vibrante "Zacarias, meu filho, fica esperto, porque você vai ter um filho!". E, ao fazê-lo, compartilhei também a esperança que essa experiência reacendeu em mim. Tudo indicava que, pela decisão do Senhor, minha vida não teria um destino semelhante ao de Abel, não seria hebel, a correr atrás do vento. A esperança que me move agora é a de que “Aquele que chama e envia também habilita”.
 
Essa nova razão, essa missão inesperada no "Éden" da aposentadoria avançada, ressignifica as perguntas iniciais. Não se trata mais de encontrar "o que fazer" para evitar o pijama assassino ou preencher o tempo. Não é apenas sobre a busca por novas motivações ou a luta para desejar. É sobre reconhecer que Deus pode, e muitas vezes escolhe, conceder missões em qualquer estação da vida, até mesmo quando nos consideramos aposentados e já não esperando uma "honra" ou "prêmio" final. A aposentadoria, longe de ser o fim da utilidade ou o início inevitável do "hebel" existencial, pode ser um tempo de novas vocações, de ser habilitado para servir de maneiras inesperadas. É uma jornada contínua, onde as perguntas iniciais sobre o propósito da vida encontram respostas não em nossos próprios planos ou desejos, mas naquilo para que somos chamados, mesmo que isso signifique acordar neurônios dormentes e abraçar a luta de uma nova tarefa.
 

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» Me aposentei. E agora?, de Rubem Amorese
Rubem Amorese é presbítero emérito na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. Foi professor na Faculdade Teológica Batista por vinte anos e consultor legislativo no Senado Federal. É autor de, entre outros, Fábrica de Missionários e Ponto Final. Acompanhe seu blog pessoal: ultimato.com.br/sites/amorese.

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