Opinião
- 25 de setembro de 2009
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Salmo 150: Dançando no Santuário?
Augustus Nicodemus
Um dos textos do Antigo Testamento mais usados para defender as danças litúrgicas é o Salmo 150. Ele é lido como prova incontestável de que havia danças como parte da liturgia dos cultos no Antigo Testamento realizados no templo de Deus em Jerusalém. Como consequência, dançar, ter grupos de coreografia e ministério de dança profética durante os cultos das igrejas evangélicas de hoje não somente é permitido, como também ordenado por Deus.
Eis o Salmo 150 de acordo com a versão Almeida Atualizada, provavelmente a mais popular no Brasil:
“Aleluia! Louvai a Deus no seu santuário; louvai-o no firmamento, obra do seu poder. Louvai-o pelos seus poderosos feitos; louvai-o consoante a sua muita grandeza. Louvai-o ao som da trombeta; louvai-o com saltério e com harpa. Louvai-o com adufes e danças; louvai-o com instrumentos de cordas e com flautas. Louvai-o com címbalos sonoros; louvai-o com címbalos retumbantes. Todo ser que respira louve ao Senhor. Aleluia!”
A argumentação é a seguinte. O verso 1 manda que louvemos a Deus no seu “santuário”, isto é, no templo terreno, o local oficial da adoração a Deus, onde se realizava o culto por ele determinado. Em seguida, vem uma descrição deste culto, e em meio à relação dos instrumentos utilizados, se menciona no verso 4 as “danças”. A conclusão aparente é que as danças faziam parte do culto oferecido a Deus no seu templo em Jerusalém. Pronto, temos aqui a base para as danças litúrgicas no culto hoje.
Mas, será que é isto mesmo que o Salmo está dizendo? Ou ainda, será que podemos inferir do Salmo que as danças faziam parte da liturgia do templo? E mais ainda, se de fato é isto mesmo que o Salmo está mostrando, temos aqui uma base para as danças litúrgicas e grupos de coreografia em nossos cultos?
Já disse em outro texto (Davi dançou, eu também quero dançar) que não considero o dançar em si como algo pecaminoso, e que não tenho problemas com danças nas comunidades cristãs como expressão cultural e social em ambientes outros que não o culto a Deus. O que pretendo é mostrar que o Salmo 150 não pode ser tomado como base incontestável para a prática das danças litúrgicas e coreográficas nos cultos cristãos.
Vou começar admitindo, por um momento, que o Salmo 150 está falando do templo em Jerusalém e de danças durante o culto. A pergunta, que deveria ter sido feita desde o início, é se o culto cristão toma sua inspiração, gênese e formato do culto do Antigo Testamento. Para mim, a resposta é negativa, embora com qualificações.
O culto do templo é geralmente visto no Novo Testamento como parte da lei cerimonial, cumprida em Cristo e, portanto, abolida. A carta aos hebreus trata deste assunto. Um dos melhores professores de Antigo Testamento que conheço me escreveu recentemente, falando deste assunto, “O que acontecia no templo não passa nem perto do que acontece nos melhores dos nossos cultos hoje, pois o serviço no templo encenava a expiação”. Os sacrifícios de animais, as cerimônias de purificação, a ordem dos levitas e dos sacerdotes, os rituais de oferecimentos das ofertas, a queima de incenso, a oferta diária dos pães, tudo isto é considerado como parte da antiga dispensação, que era simbólica, típica, e que foi plenamente cumprida em Cristo: não temos mais sacrifícios -- o Senhor Jesus ofereceu de uma vez um sacrifício completo, que não precisa ser renovado e repetido; não temos mais sacerdotes e levitas -- os cristãos, todos eles, são sacerdotes e levitas. A queima de incenso é substituída pelo louvor que procede nossos lábios. O templo, que era santo e sagrado, agora é a Igreja de Cristo, a comunidade dos eleitos de Deus, e não os templos de nossas igrejas locais.
Ao que tudo indica, os cristãos deram continuidade ao culto no Antigo Testamento apenas no que se refere aos princípios espirituais: a ideia de encontro com Deus, de adoração, de louvor, de solenidade, de alegria, de serviço espiritual como povo do Senhor... mas foram buscar nas sinagogas o formato para este culto mais simples e despojado. Nas sinagogas, instituição onde cresceram o Senhor Jesus e todos os apóstolos, havia leitura e pregação da Palavra, orações, cânticos e bênção.
Portanto, devemos ter cautela em transferir para o culto cristão aquilo que era feito no templo de Jerusalém -- admitindo por um instante que havia danças no culto ali. Por falta deste cuidado, a Igreja Católica tem um culto em muito similar ao do Antigo Testamento: eles têm o sacrifício da missa, sacerdotes que são mediadores entre Deus e homens e que perfazem este sacrifício, estolas sacerdotais e mitra, queima de incenso etc.
Mas, na verdade, não é certo que o Salmo 150 esteja falando de danças no templo. Em primeiro lugar, a palavra “santuário”, mencionada no verso 1, nem sempre significa o local da adoração em Jerusalém, onde o culto determinado por Deus era realizado de acordo com todos os seus preceitos. A palavra “b’kadoshu” significa literalmente “em seu santo”. Logo, sua tradução primeira seria “em seu santuário” e não “em seu templo”. Precisamos, portanto, considerar a possibilidade de que o santuário de Deus aqui referido não é o local físico do templo, mas o local da sua santa habitação, ou seja, os céus.
Uma evidência a favor desta tradução e interpretação é que no mesmo verso somos chamados a adorar a Deus no “firmamento”, que declara o seu poder. Se considerarmos que aqui no verso 1 temos um caso de paralelismo, tão comum na poesia hebraica, conclui-se que aqui santuário e firmamento são a mesma coisa: ”Louvai a Deus no seu santuário; Louvai-o no firmamento, obra de seu poder”.
Encontramos o mesmo paralelismo no Salmo 11.4: “O Senhor está no seu santo templo; Nos céus tem o Senhor seu trono”.
Fica evidente que o santo templo de que fala o salmista são os céus, onde Deus tem o seu trono. Outra passagem é o Salmo 102.20: “O Senhor observa do alto do seu santuário; lá do céu ele olha para a terra”.
Um dos textos do Antigo Testamento mais usados para defender as danças litúrgicas é o Salmo 150. Ele é lido como prova incontestável de que havia danças como parte da liturgia dos cultos no Antigo Testamento realizados no templo de Deus em Jerusalém. Como consequência, dançar, ter grupos de coreografia e ministério de dança profética durante os cultos das igrejas evangélicas de hoje não somente é permitido, como também ordenado por Deus.
Eis o Salmo 150 de acordo com a versão Almeida Atualizada, provavelmente a mais popular no Brasil:
“Aleluia! Louvai a Deus no seu santuário; louvai-o no firmamento, obra do seu poder. Louvai-o pelos seus poderosos feitos; louvai-o consoante a sua muita grandeza. Louvai-o ao som da trombeta; louvai-o com saltério e com harpa. Louvai-o com adufes e danças; louvai-o com instrumentos de cordas e com flautas. Louvai-o com címbalos sonoros; louvai-o com címbalos retumbantes. Todo ser que respira louve ao Senhor. Aleluia!”
A argumentação é a seguinte. O verso 1 manda que louvemos a Deus no seu “santuário”, isto é, no templo terreno, o local oficial da adoração a Deus, onde se realizava o culto por ele determinado. Em seguida, vem uma descrição deste culto, e em meio à relação dos instrumentos utilizados, se menciona no verso 4 as “danças”. A conclusão aparente é que as danças faziam parte do culto oferecido a Deus no seu templo em Jerusalém. Pronto, temos aqui a base para as danças litúrgicas no culto hoje.
Mas, será que é isto mesmo que o Salmo está dizendo? Ou ainda, será que podemos inferir do Salmo que as danças faziam parte da liturgia do templo? E mais ainda, se de fato é isto mesmo que o Salmo está mostrando, temos aqui uma base para as danças litúrgicas e grupos de coreografia em nossos cultos?
Já disse em outro texto (Davi dançou, eu também quero dançar) que não considero o dançar em si como algo pecaminoso, e que não tenho problemas com danças nas comunidades cristãs como expressão cultural e social em ambientes outros que não o culto a Deus. O que pretendo é mostrar que o Salmo 150 não pode ser tomado como base incontestável para a prática das danças litúrgicas e coreográficas nos cultos cristãos.
Vou começar admitindo, por um momento, que o Salmo 150 está falando do templo em Jerusalém e de danças durante o culto. A pergunta, que deveria ter sido feita desde o início, é se o culto cristão toma sua inspiração, gênese e formato do culto do Antigo Testamento. Para mim, a resposta é negativa, embora com qualificações.
O culto do templo é geralmente visto no Novo Testamento como parte da lei cerimonial, cumprida em Cristo e, portanto, abolida. A carta aos hebreus trata deste assunto. Um dos melhores professores de Antigo Testamento que conheço me escreveu recentemente, falando deste assunto, “O que acontecia no templo não passa nem perto do que acontece nos melhores dos nossos cultos hoje, pois o serviço no templo encenava a expiação”. Os sacrifícios de animais, as cerimônias de purificação, a ordem dos levitas e dos sacerdotes, os rituais de oferecimentos das ofertas, a queima de incenso, a oferta diária dos pães, tudo isto é considerado como parte da antiga dispensação, que era simbólica, típica, e que foi plenamente cumprida em Cristo: não temos mais sacrifícios -- o Senhor Jesus ofereceu de uma vez um sacrifício completo, que não precisa ser renovado e repetido; não temos mais sacerdotes e levitas -- os cristãos, todos eles, são sacerdotes e levitas. A queima de incenso é substituída pelo louvor que procede nossos lábios. O templo, que era santo e sagrado, agora é a Igreja de Cristo, a comunidade dos eleitos de Deus, e não os templos de nossas igrejas locais.
Ao que tudo indica, os cristãos deram continuidade ao culto no Antigo Testamento apenas no que se refere aos princípios espirituais: a ideia de encontro com Deus, de adoração, de louvor, de solenidade, de alegria, de serviço espiritual como povo do Senhor... mas foram buscar nas sinagogas o formato para este culto mais simples e despojado. Nas sinagogas, instituição onde cresceram o Senhor Jesus e todos os apóstolos, havia leitura e pregação da Palavra, orações, cânticos e bênção.
Portanto, devemos ter cautela em transferir para o culto cristão aquilo que era feito no templo de Jerusalém -- admitindo por um instante que havia danças no culto ali. Por falta deste cuidado, a Igreja Católica tem um culto em muito similar ao do Antigo Testamento: eles têm o sacrifício da missa, sacerdotes que são mediadores entre Deus e homens e que perfazem este sacrifício, estolas sacerdotais e mitra, queima de incenso etc.
Mas, na verdade, não é certo que o Salmo 150 esteja falando de danças no templo. Em primeiro lugar, a palavra “santuário”, mencionada no verso 1, nem sempre significa o local da adoração em Jerusalém, onde o culto determinado por Deus era realizado de acordo com todos os seus preceitos. A palavra “b’kadoshu” significa literalmente “em seu santo”. Logo, sua tradução primeira seria “em seu santuário” e não “em seu templo”. Precisamos, portanto, considerar a possibilidade de que o santuário de Deus aqui referido não é o local físico do templo, mas o local da sua santa habitação, ou seja, os céus.
Uma evidência a favor desta tradução e interpretação é que no mesmo verso somos chamados a adorar a Deus no “firmamento”, que declara o seu poder. Se considerarmos que aqui no verso 1 temos um caso de paralelismo, tão comum na poesia hebraica, conclui-se que aqui santuário e firmamento são a mesma coisa: ”Louvai a Deus no seu santuário; Louvai-o no firmamento, obra de seu poder”.
Encontramos o mesmo paralelismo no Salmo 11.4: “O Senhor está no seu santo templo; Nos céus tem o Senhor seu trono”.
Fica evidente que o santo templo de que fala o salmista são os céus, onde Deus tem o seu trono. Outra passagem é o Salmo 102.20: “O Senhor observa do alto do seu santuário; lá do céu ele olha para a terra”.
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