Opinião
- 07 de maio de 2018
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Por que levar a Bíblia para a igreja? Dos papiros ao smartphone
Por Cláudio Marra
Lucius era jovem e dinâmico, mas, paradoxalmente, empacava com certas novidades na igreja. Sua veia conservadora, combinada com sua impulsividade, o fazia questionar prontamente algumas inovações de seu pastor, bem mais velho do que ele, mas, curiosamente, muito mais aberto para mudanças.
Um dos questionamentos ocorreu depois de Lucius perceber que o pastor não ia mais para o púlpito com a sua velha Bíblia. Agora, encantado com os avanços da tecnologia, o reverendo usava um vistoso e pesado Codex.
O Codex surgira por ali havia pouco tempo. Tratava-se de um volume em que páginas retangulares recortadas de madeira ou de pergaminho eram colecionadas em sequência e mantidas juntas, protegidas com uma capa. Não se usava mais o antigo rolo. A madeira e o pergaminho ofereciam enorme vantagem em relação ao velho papiro, menos resistente e duradouro. O formato de páginas, por sua vez, a maior das novidades, permitia que o usuário do volume acessasse mais rapidamente diferentes passagens, em relação às possibilidades de manuseio do pergaminho enrolado.
— Ô, meu pastor, eu queria ver o senhor usando a Bíblia no púlpito, atrevia-se Lucius.
— Mas, meu filho, o que você está chamando de Bíblia não existiu desde sempre. Você se refere ao rolo de pergaminho que eu vinha usando até aqui. E o pergaminho apareceu apenas há alguns séculos.
— Que história é essa, pastor? Não me enrola, não!
— A história do pergaminho tem a ver com enrolação, mas não minha. É que Eumenes II, rei de Pérgamo que viveu de 197 a 159 antes de Cristo, decidiu certa vez construir em seu reino a maior biblioteca do mundo. Um desafio e tanto, porque já existia uma enorme biblioteca na cidade de Alexandria, no Egito. Eumenes sabia disso e, empreendedor, resolveu transformar esse problema em solução. Se ele queria suplantar Alexandria precisava contar com o homem-chave de lá, ou seja, o seu bibliotecário. Fez-lhe então uma oferta irrecusável, com alto salário e benefícios, tudo garantido para o homem assumir imediatamente.
— E aí, o bibliotecário foi para Pérgamo?
— Ele até que gostaria, mas não foi mesmo. Quando o Ptolomeu de plantão no Egito soube da proposta – talvez Ptolomeu VI Filometor – ficou ultrajadíssimo. E tomou duas providências radicais. Primeiro, proibiu terminantemente o bibliotecário de pôr os pés fora de Alexandria. E, segundo, impôs um embargo sobre as exportações de papiro para Pérgamo. “Eu quero ver agora esse reizinho de terceiro mundo montar uma biblioteca sem papiro!”
— Ô-ô! O que Eumenes fez então?
— Não é à toa que pergaminho tem esse nome, certo? O rei de Pérgamo não era de desistir facilmente de seus projetos e então pensou: “Se não tem papiro, vai sem papiro mesmo!”. Chamou seu Ministro para Desenvolvimento Tecnológico e encomendou-lhe uma solução perfeita e rápida.
A solução nem foi tão impressionante assim. É que curtição de couro era arte conhecida havia séculos. Foi só uma questão de ligar o nome à pessoa, porque fazer desenhos e decorações em couro também não era novidade. O Ministro mostrou a Eumenes uma peça de couro curtido presa a uma vareta de madeira, na qual podia ser enrolada, como faziam com o papiro. No couro havia sido gravado um texto e o rei pode ver o resultado de sua encomenda.
— E a moda pegou, então?
— O efeito foi explosivo. O pergaminho passou rapidamente a conquistar o mercado e o papiro caiu em desuso. Aliás, a própria biblioteca de Alexandria acabou invadida pelo pergaminho do modo mais curioso. É que, já nos tempos do Império Romano, querendo impressionar Cleópatra, Marco Antônio lhe deu de presente toda a biblioteca de Pérgamo e uns 200 mil volumes mudaram de endereço. Coisas de namorados.
— Até ali todo mundo só usava o papiro?
— O uso dos cilindros de papiro vinha de longe – uns 2.500 anos antes de Cristo –, mas não era universal. Em certas partes do Antigo Oriente Próximo foram encontrados tabletes de argila escritos em sumério por volta do terceiro milênio antes de Cristo. Tabuletas de pedra também foram encontradas. Dizem que Assurbanipal tinha em Nínive uma grande biblioteca com livros feitos de tabuinhas de argila cozida escritas com caracteres em forma de cunha, a famosa escrita cuneiforme. Isso no 7º século antes de Cristo.
Essas tabuinhas de argila – ou tabletes, se você preferir – foram usadas também pelos hebreus. Na verdade, Moisés recebeu no monte Sinai duas tábuas de pedra com a lei de Deus.
— E o que tem isso, pastor?
— Ora, Lucius, se Moisés não levou um rolo de pergaminho para o púlpito, porque eu preciso levar?
¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨¨
Essa historinha parcialmente apócrifa pode ter um final muito interessante se lembrarmos que, atualmente, alguns crentes desaprovam o uso de tablets no púlpito por acharem que o pastor deve usar a Bíblia, isto é, um codex.
Esquecem que Moisés usou um tablete. E olha que, com o incidente do bezerro de ouro, caiu a conexão, o tablet deu pau, mas Moisés não perdeu o arquivo porque estava tudo na nuvem...
Lucius era jovem e dinâmico, mas, paradoxalmente, empacava com certas novidades na igreja. Sua veia conservadora, combinada com sua impulsividade, o fazia questionar prontamente algumas inovações de seu pastor, bem mais velho do que ele, mas, curiosamente, muito mais aberto para mudanças.
Um dos questionamentos ocorreu depois de Lucius perceber que o pastor não ia mais para o púlpito com a sua velha Bíblia. Agora, encantado com os avanços da tecnologia, o reverendo usava um vistoso e pesado Codex.
O Codex surgira por ali havia pouco tempo. Tratava-se de um volume em que páginas retangulares recortadas de madeira ou de pergaminho eram colecionadas em sequência e mantidas juntas, protegidas com uma capa. Não se usava mais o antigo rolo. A madeira e o pergaminho ofereciam enorme vantagem em relação ao velho papiro, menos resistente e duradouro. O formato de páginas, por sua vez, a maior das novidades, permitia que o usuário do volume acessasse mais rapidamente diferentes passagens, em relação às possibilidades de manuseio do pergaminho enrolado.
— Ô, meu pastor, eu queria ver o senhor usando a Bíblia no púlpito, atrevia-se Lucius.
— Mas, meu filho, o que você está chamando de Bíblia não existiu desde sempre. Você se refere ao rolo de pergaminho que eu vinha usando até aqui. E o pergaminho apareceu apenas há alguns séculos.
— Que história é essa, pastor? Não me enrola, não!
— A história do pergaminho tem a ver com enrolação, mas não minha. É que Eumenes II, rei de Pérgamo que viveu de 197 a 159 antes de Cristo, decidiu certa vez construir em seu reino a maior biblioteca do mundo. Um desafio e tanto, porque já existia uma enorme biblioteca na cidade de Alexandria, no Egito. Eumenes sabia disso e, empreendedor, resolveu transformar esse problema em solução. Se ele queria suplantar Alexandria precisava contar com o homem-chave de lá, ou seja, o seu bibliotecário. Fez-lhe então uma oferta irrecusável, com alto salário e benefícios, tudo garantido para o homem assumir imediatamente.
— E aí, o bibliotecário foi para Pérgamo?
— Ele até que gostaria, mas não foi mesmo. Quando o Ptolomeu de plantão no Egito soube da proposta – talvez Ptolomeu VI Filometor – ficou ultrajadíssimo. E tomou duas providências radicais. Primeiro, proibiu terminantemente o bibliotecário de pôr os pés fora de Alexandria. E, segundo, impôs um embargo sobre as exportações de papiro para Pérgamo. “Eu quero ver agora esse reizinho de terceiro mundo montar uma biblioteca sem papiro!”
— Ô-ô! O que Eumenes fez então?
— Não é à toa que pergaminho tem esse nome, certo? O rei de Pérgamo não era de desistir facilmente de seus projetos e então pensou: “Se não tem papiro, vai sem papiro mesmo!”. Chamou seu Ministro para Desenvolvimento Tecnológico e encomendou-lhe uma solução perfeita e rápida.
A solução nem foi tão impressionante assim. É que curtição de couro era arte conhecida havia séculos. Foi só uma questão de ligar o nome à pessoa, porque fazer desenhos e decorações em couro também não era novidade. O Ministro mostrou a Eumenes uma peça de couro curtido presa a uma vareta de madeira, na qual podia ser enrolada, como faziam com o papiro. No couro havia sido gravado um texto e o rei pode ver o resultado de sua encomenda.
— E a moda pegou, então?
— O efeito foi explosivo. O pergaminho passou rapidamente a conquistar o mercado e o papiro caiu em desuso. Aliás, a própria biblioteca de Alexandria acabou invadida pelo pergaminho do modo mais curioso. É que, já nos tempos do Império Romano, querendo impressionar Cleópatra, Marco Antônio lhe deu de presente toda a biblioteca de Pérgamo e uns 200 mil volumes mudaram de endereço. Coisas de namorados.
— Até ali todo mundo só usava o papiro?
— O uso dos cilindros de papiro vinha de longe – uns 2.500 anos antes de Cristo –, mas não era universal. Em certas partes do Antigo Oriente Próximo foram encontrados tabletes de argila escritos em sumério por volta do terceiro milênio antes de Cristo. Tabuletas de pedra também foram encontradas. Dizem que Assurbanipal tinha em Nínive uma grande biblioteca com livros feitos de tabuinhas de argila cozida escritas com caracteres em forma de cunha, a famosa escrita cuneiforme. Isso no 7º século antes de Cristo.
Essas tabuinhas de argila – ou tabletes, se você preferir – foram usadas também pelos hebreus. Na verdade, Moisés recebeu no monte Sinai duas tábuas de pedra com a lei de Deus.
— E o que tem isso, pastor?
— Ora, Lucius, se Moisés não levou um rolo de pergaminho para o púlpito, porque eu preciso levar?
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Essa historinha parcialmente apócrifa pode ter um final muito interessante se lembrarmos que, atualmente, alguns crentes desaprovam o uso de tablets no púlpito por acharem que o pastor deve usar a Bíblia, isto é, um codex.
Esquecem que Moisés usou um tablete. E olha que, com o incidente do bezerro de ouro, caiu a conexão, o tablet deu pau, mas Moisés não perdeu o arquivo porque estava tudo na nuvem...
Casado com Sandra, é jornalista, pastor presbiteriano e editor da Cultura Cristã.
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