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Opinião

Pastores adoecem. E não é de hoje

Pastores estão sujeitos a transtornos mentais e emocionais, já que são gente. Gente pode sofrer de depressão e ansiedade

Por Gerson Borges


“Ouvindo isso, Jesus disse: ‘Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes’.” (Mateus 9.12)

Quando procuro definir biblicamente igreja em sermões, estudos bíblicos para novos membros e candidatos ao batismo, além de conversas de discipulado e orientação espiritual, pontuo o erro conceitual que cometemos – para baixo ou para cima. Ou apequenamos a descrição que as Escrituras fazem, reduzindo igreja a um prédio (“Nossa igreja não está mais bonita depois da pintura?”, a uma denominação (“Eu cresci na igreja batista...”) ou ainda a uma reunião (“Que horas começa ‘a igreja’ no domingo, pastor?”); ou idealizamos a igreja (“Nunca pensei que encontraria hipocrisia na igreja...”). Igreja é feita de gente. Nem anjo nem demônio. Gente. Seres humanos marcados pela chaga do pecado – pecadores, portanto, liderados por outros pecadores, seus pastores. E gente adoece – biológica, psíquica e espiritualmente.

Há muitas metáforas bíblicas para igreja. Aprecio especialmente as paulinas, como “lavoura”, “edifício” (1Co 3.9); de modo especial, acho útil tanto pastoral quanto espiritual e existencialmente a ideia de corpo que o apóstolo Paulo emprega (Rm 12, Ef 4.4, Cl 1.24). A metáfora é orgânica, biológica. Um corpo pode desfrutar de saúde ou padecer de enfermidades degenerativas, fatais. Mas meu intuito aqui não é meditar no adoecimento da igreja em si, a doença da igreja, tema amplo e necessário. Queria pensar por alguns minutos sobre os doentes da igreja.

Alguns desses enfermos, inclusive em termos mentais, psíquicos, podem ser seus próprios líderes espirituais. Pastores adoecem emocionalmente. E não é de hoje: Spurgeon sofria de grave depressão, como Zack Eswine narra em um livro chocante para muitos – como eu – influenciados pelo “príncipe dos pregadores”.1 Um ministro e acadêmico luterano, estudioso do reformador de Wittenberg, o australiano Stephen Pietsch, na sua obra Of Good Confort (Do bom conforto), descreve Martinho Lutero como “indiscutivelmente o depressivo mais famoso do cristianismo.2 E não me surpreendi quando li o que o teólogo e historiador Alister McGrath escreveu na sua excelente biografia de João Calvino: “É bastante justo sugerirmos que Calvino não era propriamente uma pessoa agradável [...], a despeito de sua relutância em falar de si mesmo, é obvio que ele era um homem infeliz”.3



Feito o desconto histórico dos séculos que nos separam dos gigantes da fé cristã Spurgeon, Lutero e Calvino, eu destacaria apenas o que já disse: pastores estão sujeitos a transtornos mentais e emocionais, sim, já que são gente. Gente pode sofrer de depressão e ansiedade. Do ponto de vista da psiquiatria e da psicologia, é complexo mapear os motivos do adoecimento da mente e das emoções. Cada uma das abordagens, da psicanálise de Freud até a terapia cognitivo-comportamental de Beck e posteriores, oferece hipóteses. Depressão, ansiedade, ideação suicida são multicausais. No entanto, depois de duas décadas pastoreando a mesma comunidade de fé e quase três de ministério itinerante – pregando e cantando país afora, nas mais diversas denominações –, ouso propor que há uma prática pastoral e uma estrutura institucional que podem ser descritas como patogênicas, ou seja, capazes de adoecer psiquicamente pastores e líderes. Nas igrejas históricas, com as quais me identifico, talvez o institucionalismo seja “o pecado que jaz à porta” (Gn 4.7). É quando a organização é mais importante que o organismo; quando o paradigma da cultura organizacional suplanta o sentimento e a experiência comunal. Em outras palavras, é quando o pastor se torna ou funcionário ou empreendedor; e a congregação, um coletivo de consumidores de produtos religiosos. Isso para dizer o mínimo.

Assim sendo, o papel da igreja no enfrentamento dos desafios de saúde mental começa, sobretudo, pela tarefa de cuidar dos seus pastores. “Quem cuida de quem cuida?”, pergunta Roseli Kühnrich, professora e psicoterapeuta. Pastores precisam ser pastoreados. Pastores precisam de dias sabáticos na semana (o meu é a segunda-feira, cavado na rocha dura da minha agenda), no qual possam descansar, orar, divertir-se sem culpa. Precisam de amigos. Precisam de férias – embora para muitos seja mesmo um luxo –, já que muitas vezes a coisa mais espiritual a se fazer é descansar. Precisam de atividade física (Ora et labora). Precisam dar um tempo e escutar seu próprio coração. Ler e reler seus mentores. Repensar. Agradecer. Abraham Heschel diz algo muito rico: “As maiores catedrais são catedrais de tempo”. Pastores precisam reconhecer que não podem resolver boa parte dos problemas da congregação. Pastor se envolve, não resolve. O Messias é Jesus. Em mais de duas décadas de pastoreio na mesma comunidade de fé no desafiador contexto urbano da região conhecida como ABCD paulista, decidi, com muita luta comigo mesmo e com todo tipo de demandas, reais ou neuróticas, tomar como referencial para minha integridade vocacional e a manutenção da minha saúde o modo como João descreve-se pastor: “Eu, João, irmão e companheiro de vocês no sofrimento, no Reino e na perseverança em Jesus” (Ap 1.9). Sou um companheiro de meus irmãos, não o salvador deles. Só o pastor que cuida de si mesmo (1Tm 4.16) pode cuidar do rebanho. Só pode ser um “guardador de rebanhos”, para evocar Fernando Pessoa, quem guarda primeiro o seu próprio coração (Pv 4.23). Sigo nessa (boa) luta.

Notas
1. ESWINE, Zack. A depressão de Spurgeon. São Paulo: Editora Fiel, 2015.
2. PIETSCH, Stephen. Of good confort: Martin Luther"s Letters to the Depressed and Their Significance for Pastoral Care Today. Adelaide, SA: ATF Press, 2016.
3. MCGRATH, Alister. A vida de João Calvino. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2019. p. 34.



Artigo publicado originalmente na edição 405 de Ultimato.

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Gerson Borges, casado com Rosana Márcia e pai de Bernardo e Pablo, pastoreia a Comunidade de Jesus no ABCD Paulista. É autor de Ser Evangélico sem Deixar de Ser Brasileiro, cantor, compositor e escritor, licenciado em letras e graduando em psicologia.
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