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Opinião

Mulheres e homens: o que fazer com as diferenças?

Por Isabella Passos

A ideia de que mulheres e homens pensam de forma diferente tem sido usada para justificar papéis e interdições tanto a homens quanto a mulheres. Vieses de gênero estão por todos os lados e são falas comuns em áreas como da educação, saúde, engenharia e computação. Mais recentemente eles voltaram ao debate por ocasião do relatório envolvendo o engenheiro da Google, James Damore, que amparado por pesquisas científicas argumentou que existem diferenças significativas entre os sexos e que tais diferenças poderiam explicar a sub-representação das mulheres em empresas de tecnologia.

Até aí tudo bem. Essas pesquisas abundam e fazem parte de uma discussão muito acalorada entre pesquisadores das neurociências[1]. Mas o emergentismo tem questionado a discussão de oposição simples entre nature versus nurture por aqueles que insistem em fazer leituras que privilegie ou o inato (biologia) ou o adquirido (experiência). Pois, se tratando de indicadores de grau, o importante é entender até que ponto eles não são reflexo de uma amálgama entre essas duas forças atuando de forma circular na formação do humano. E, se for assim, até que ponto os indicadores por viés poderiam ser assumidos como fatores normativos para uma marcação de diferença prática entre homens e mulheres. E aqui a história muda de figura.

Muitos não julgam que eles tenham força para uma prática discriminatória entre homens e mulheres. Entre um homem e outro homem pode haver mais diferenças do que entre um grupo de homens e um grupo de mulheres. E dessa forma, sempre haverá, por exemplo, mulheres tão ou mais capacitadas do que seus pares em qualquer área de atuação, mesmo naquelas tão especializadas quanto às relacionadas com tecnologia (que diga a querida Rosalind Picard)[2] e de predominância masculina. Assim, a questão é saber até que ponto será correto defender uma posição de viés de gênero sexual no que pode se apresentar como irrelevante dado aos cenários de múltiplas demandas passíveis de cumprimento tanto por homens quanto por mulheres. Um exemplo? Algumas orquestras têm realizado audições às cegas (o músico toca atrás de uma tela) para a seleção de seus músicos e isso tem elevado o número de mulheres selecionadas para o casting dessas orquestras.

Em um paralelo, poderíamos perguntar pelos dons na igreja (Jl. 2:28-29; 1 Co. 12). Qual a natureza dos dons? Há dons específicos de gêneros sexuais? Qual a natureza dos ministérios e vocações? Como a igreja deve lidar com o florescimento de dons, ministérios e vocações no Corpo de Cristo? Como deve ocorrer o seu estímulo aos homens e às mulheres? São os dons, ministérios e vocações condições normativas para a organização da igreja? Há algum outro elemento que deve ser considerado nessa conta? Fica a resposta ao encargo teológico.

Um exemplo dos riscos produzidos por leituras reducionistas em ciência ocorreu pelo famoso Dilema de Heinz. Nele, o psicólogo Lawrence Kohlberg apresenta uma série de dilemas morais aos pesquisados com a finalidade de revelar seus pensamentos conforme seis estágios de desenvolvimento cognitivo. Tomando como exemplos os garotos Jake e Amy, ambos de 11 anos, o pesquisador sugere que homens teriam maior maturidade moral do que mulheres uma vez que Amy se mostrou hesitante e evasiva em suas respostas. Para Kohlberg, as respostas de Amy eram típicas de pessoas operando no estágio três no qual relações pessoais são consideradas importantes para a conta da escolha moral. E essa história teria ficado por isso mesmo se uma de suas colaboradoras, a filósofa e psicóloga Carol Gilligan, não tivesse apontado os vários condicionantes do experimento, inclusive, o fato dele ter sido construído para aplicação somente em meninos. Ao final, Gilligan defendeu que o raciocínio moral feminino dá maior peso a fatores como contextualização, cuidado do outro e sentido de responsabilidade pessoal [3]. E dessa discussão iniciada por Gilligan nasceu a ética do cuidado que está na base da bioética humana, da ética ambiental e da ética animal contemporâneas. À título de curiosidade, o Dilema de Heinz está no fundamento da série Breaking Bad e a escolha de Jake é a mesma do protagonista da trama.

É importante pensar até que ponto essas discussões não influenciam a igreja. Quando Agostinho após afirmar inúmeras vezes que a mulher possuía natureza idêntica à do homem, “a natureza humana, enquanto tal, e que se compõe os dois sexos é a imagem de Deus... Nela, a mulher não está excluída de ser a imagem de Deus”, introduzindo um desacordo ao comentar a passagem de Paulo sobre o uso do véu (1 Co 11:5), “se a mulher com o marido é a imagem de Deus, ela sozinha, como auxiliar do homem, não é imagem de Deus”[4], é possível pensar que ele estivesse sobre forte influência das discussões sobre natureza humana, gêneros sexuais e costumes de sua época. Contraditou e acabou criando uma dificuldade que ainda persiste entre seus estudiosos.

Então, que tenhamos parcimônia ao lidar com o conhecimento sendo luz de questões urgentes ao conceder espaço para o acolhimento assertivo das diferenças, dos dons e das produções de homens e de mulheres. Mulheres são a maioria nos trabalhos vinculados às agências missionárias e não deve ser porque se trata de um trabalho essencialmente de mulher [5]. Homens também são chamados a cuidar do jardim, um jardim que existe de tudo, inclusive, eureka, pessoas. O desafio é fazer o salto do jardim abstrato, aquele do mundo das ideias, para o jardim nosso de cada dia, pois é ali que pessoas se encontram ao redor de uma mesa que tanto pode ser de um computador quanto de belo jantar. Homens e mulheres devem ser parceiros no mundo da vida. Há muito trabalho a ser feito e talvez o nosso desafio seja aprender a usar a diferença para o bem comum e a favor da comunidade cristã.

Em tempo, a demissão de Demore se tornou mais um erro em volta dessa discussão, afinal, as descrições usadas por ele recebem anuência da comunidade científica. Para a definição do uso sensato das informações bastaria os alinhamentos internos com base na visão e missão da empresa. O próprio engenheiro reconheceu o histórico de mau uso desse tipo de pesquisa para endossar estereótipos contra mulheres. Mas, infelizmente, em uma cultura refém da opinião pública cooptada pela estridência política dizer verdades inconvenientes tem se tornado bastante arriscado. É o tempo de uma nova redução: verdade vs. “justiça social”.

Notas
[1] Aos interessados, um compilado de pesquisas que dialoga com o relatório de James Damore. https://heterodoxacademy.org/2017/08/10/the-google-memo-what-does-the-research-say-about-gender-differences/
[2] Rosalind Picard é diretora do Grupo de Pesquisa em Computação Afetiva do Laboratório de Mídia do MIT. Tem um artigo sobre fé e ciência no livro ‘O teste a fé: os cientistas também creem’, Ed. Ultimato.
[3] Paul Tounier em seu livro ‘Missão da Mulher’, Ed. Ultimato, parece considerar em alta conta as defesas de Carol Gilligan.
[4] Agostinho, A Trindade, v. 7, Livro XII, 9-12, Ed. Paulus.
[5] Missões brasileiras em resposta ao clamor do mundo, Rev. Ultimato, Ed. 316.


• Isabella Passos é formada em Filosofia pela PUC-MG. Mora em Belo Horizonte e congrega na Igreja Esperança.

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Foto: CCO/Unsplash.

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