Opinião
09 de abril de 2018
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Jornalistas cristãos – ética, pós-verdade e fake news

Por que as fake news se espalham com tanta facilidade entre os evangélicos?

Marília de Camargo: Não apenas entre evangélicos, mas entre brasileiros em geral. Nossa baixa formação educacional e pequeno senso crítico nos levam a não ter o hábito de questionar as informações, de checá-las. Não creio que isso seja mais forte entre evangélicos.
Carlos Fernandes: Penso que as fake news se espalham entre os evangélicos com a mesma velocidade e abrangência com que se disseminam entre todas as pessoas - afinal, os chamados crentes em Jesus estão nas mesmas redes sociais e consomem as mesmas notícias que quaisquer outros. A diferença, a meu ver, é no trato que é dado a elas. Parece que, entre os evangélicos, disseminar informes assume um caráter de missão, de obrigação; aquela coisa de alcançar o outro, com um inegável viés proselitista. Refiro-me, neste momento, a notícias de cunho essencialmente religioso, como: “pastor diz que o fim do mundo acontece no próximo Natal”, “astro pop declara que se encontrou com Cristo e resolveu virar eremita” ou “descoberta no Himalaia ossada que pode ser de Moisés”. Por mais absurdas que sejam, tais mensagens são repassadas adiante numa tentativa de, talvez, mostrar aos outros a realidade da Bíblia ou da fé evangélica. Mas isso, em todo caso, tem pouca relevância e tende a ser esquecido pelo leitor dali a um minuto e meio. O pior, e mais deletério, é a divulgação de fake news de conteúdo calunioso, capcioso ou político. Evangélicos têm sido vítimas fáceis do disse-me-disse virtual, e o corredor de igreja – aquele espaço onde, tradicionalmente, os evangélicos trocam ideias – tornou-se público e aberto a todos que estejam dispostos a um clique de mouse. Figurões do segmento, hábeis na manipulação com interesses particulares, aproveitam-se disso e lançam balões de ensaio que são contemplados e reproduzidos no ciberespaço pela boiada gospel. Em todos os casos (seja no das fake news inconsequentes; seja no das ações calculadas e plantadas), a repercussão ocorre pela falta de senso crítico e educação da massa evangélica, acostumada que está, historicamente, a crer em tudo que se diz, supostamente, em nome de Deus ou seguir toda orientação que vem do púlpito. Então, para sintetizar a resposta, as fake news se espalham com tanta facilidade entre os evangélicos porque lhes falta discernimento - e aí pode-se incluir tanto o cognitivo quanto o espiritual.

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Quais os principais desafios para um jornalista cristão em tempos de pós-verdade?
Laurentino Gomes: Os nossos grandes desafios no Jornalismo sempre foram o compromisso com verdade, o que envolve rigor na apuração das informações, discernimento no relacionamento com as fontes e respeito pelas pessoas que vão consumir o produto do nosso trabalho, sejam leitores, ouvintes, internautas ou telespectadores. Ou seja, nós temos o dever de sermos honestos, éticos e cuidadosos no exercício da nossa profissão. O jornalista é por natureza um formador de opinião pública. Portanto, tem responsabilidade enorme na maneira pela qual a sociedade é informada e reage às informações. As novas tecnologias, como a internet e, em especial, as redes sociais, tornaram o nosso trabalho mais complexo. Hoje, a informação é gerada e distribuída com velocidade infinitamente maior do que duas ou três décadas atrás. Isso exige que sejamos ainda mais criteriosos e responsáveis na apuração e na distribuição da informação.
Carlos Fernandes: Trabalhar com os critérios básicos de checagem de informações, verificação de fontes, cotejamento de dados e honestidade intelectual. Isso, aliás, são desafios de todo jornalista. No caso do jornalista que é cristão (não gosto muito da classificação "jornalista cristão", já que as duas características não se complementam necessariamente), a responsabilidade ainda é maior, já que, por profissão de fé, quem crê em Cristo precisa seguir rigores que esta condição lhe traz – sobretudo, o compromisso com a verdade. No caso daqueles que se dedicam prioritariamente ao segmento cristão, como, aliás, é o meu caso, um desafio adicional é romper a barreira do “chapabranquismo”, engajamento e alinhamento que se espera, tacitamente, de um veículo de orientação cristã. Quebrar a ideia de que a circulação de informação no meio evangélico deve ter como objetivos o proselitismo, a promoção de líderes e o fortalecimento de instituições. Mormente nestes tempos de pós-verdade, quando o que vale mais é a abordagem, e não o fato, o jornalista que é cristão deve ter a noção de que vai nadar contra a corrente e que lhe cabe um papel praticamente redentor. Afinal, a verdade liberta.
Elsie Gilbert: O trabalho para o jornalista cristão é duplo: por um lado, ele precisa continuar a tradição de apurar fatos e se abster de reproduzir boatos, mas por outro lado, ele precisa ajudar o leitor a interpretar tais fatos sempre que possível. E para isto, ele precisa dominar a meta-narrativa cristã. Em outras palavras, ele precisa ajudar o leitor a compreender a relevância dos fatos a partir de sua cosmovisão cristã, sem medo de ofender ninguém. O jornalista não é neutro, nunca foi. Toda peça jornalística está inserida em alguma meta-narrativa que conduz o olhar de quem a criou. Se não ajudarmos as pessoas a perceber a relevância das notícias que veiculamos, ajudamos o inimigo da verdade a oferecer outra interpretação para as mesmas, assim como ele sempre fez, desde o jardim do Éden.
>> Engolidos Pela Cultura Pop – Arte, mídia, e consumo: uma abordagem cristã <<
Como glorificar a Deus por meio do jornalismo?
Laurentino Gomes: Acredito que o bom Jornalismo pode ser também um exercício de misericórdia e compaixão para com os nossos semelhantes. O tsunami de informação hoje é tão avassalador que deixa as pessoas assustadas e inseguras. Em vez de tornar a sociedade mais consciente e bem informada, produz ansiedade, intolerância e sofrimento. Por essa razão, nós, jornalistas, precisamos ser também curadores da informação. É preciso que, nesse mundo afogado em informação, os jornalistas sejam um ponto de referência de credibilidade e sensatez. Se somos pessoas de boa fé, devemos ter cuidado com o que espalhamos, ou deixamos de espalhar, nas redes sociais, especialmente em ano de eleições, como este. Não nos deixemos manipular pelas fake news.
Marília de Camargo: Os ambientes de redação costumam ser lugar de trabalho de pessoas mais céticas, intelectualizadas e racionais. Não é muito comum encontrar cristãos dedicados ali, mas não é impossível. Glorifica a Deus, acredito, tentarmos transmitir o amor de Deus sem usar palavras, apenas se for preciso, como disse São Francisco de Assis. E também tentar nos aproximar cada dia mais da pessoa que Ele sonhou que nós fôssemos, desenvolvendo nossos talentos com esforço e dedicação. Às vezes gosto da imagem de um jornalista como um escriba, dos tempos bíblicos, que registravam os fatos importantes da época e que foram eternizados pelas Escrituras. Ter essa dimensão deveria nos encher ainda de responsabilidade.

*****
• Marilia de Camargo Cesar é jornalista e escritora. Trabalha no Valor Econômico como editora-assistente.
• Laurentino Gomes é jornalista com mais de 40 anos no exercício da profissão, autor dos livros ‘1808’, ‘1822’ e ‘1889’, todos ganhadores do Prêmio Jabuti de Literatura, e ‘O Caminho do Peregrino: seguindo os passos de Jesus na Terra Santa’, escrito em parceria com o pastor Osmar Ludovico da Silva.
• Carlos Eduardo Fernandes é jornalista há 27 anos, com atuação em revistas cristãs de informação (Vinde, Eclésia, Seara, Vida Cristã, Igreja, Cristianismo Hoje, Ultimato) e no segmento editorial evangélico, como editor e preparador de texto.
• Elsie B. C. Gilbert é jornalista e mestre em comunicação pela Wheaton College, Wheaton IL. Trabalha no Brasil como missionária enviada pela Equip Inc. Atualmente é responsável pela plataforma de comunicação da Rede Mãos Dadas.
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