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Dizem que o samba é pecado
Série “Ser Evangélico Sem Deixar de Ser Brasileiro”
Além de autor de Ser Evangélico Sem Deixar de Ser Brasileiro, Gerson Borges também é músico – e de mão cheia! Por isso, selecionamos do livro uma canção do Gerson “Dizem que samba é pecado”, que discute um pouco da reflexão dele sobre fé cristã e cultura brasileira. Confira a seguir a letra, ouça a canção e leia os comentários do autor.
***
Por Gerson Borges
Fiz um “metassamba”, como diria Luiz Tatit – um samba sobre o samba, samba-samba, samba-reflexão, samba-teológico. Neste sambinha, minha intenção é ponderar poeticamente a presença da “Imago Dei” e da graça comum na nossa cultura. Primeiro, pelo fato de que o samba não foi uma invenção evangélica. O nome é indígena. O ritmo, africano. Atravessou o oceano, embrião, no ventre de “navios negreiros”, como diria o baiano Castro Alves (1847–1871), nosso “poeta dos escravos”. Conta-nos outro baiano, Gilberto Gil, sobre o momento do “descobrimento”, que “ali mesmo na praia, por iniciativa dos índios, fizeram a primeira Roda de Samba. Samba, uma palavra de origem indígena, da língua tupi, que significa roda de dança. Os índios vieram e tocaram e dançaram. Este gesto cultural inaugural está documentado, com riquezas de detalhes, na carta que Pero Vaz de Caminha escreveu ao Rei Dom Manuel”. Termo e costume indígena. Batucada africana. Plateia europeia. Ao meu sambinha, então:
Dizem que sambar é pecado
Dizem que sambar é pecado
Dizem que sambar não é bom, não é bom
Eu acho isso um tanto equivocado:
O Criador amado dando pra gente esse dom
Pra deixarmos meio mofado
Na gaveta fria de uma opinião
Que deixa tanta alegria de lado
Deveria ser dado a ele mesmo, em adoração.
Dizem que o samba é coisa de pagão
Discordo – é do Senhor toda a criação
E apuro para ele o meu batuque
E afino com mãos santas meu violão.
Dizem que sambar é do preto
Que sofreu escravo, nesse chão, nesse chão
É isso mesmo, mas recuso o gueto:
O samba não tem pele, nem tem raça
É do coração
Mesmo eu sendo um crente mulato
Acho que o branco há de ter inspiração
Numa liturgia feita em dois por quatro
Brasileira oferta ao Deus de todos.
(Olha o refrão)
Não quero nem preciso justificar minha canção. Como disse Michael Horton, “a pressão de justificar arte, ciência e diversão em termos do seu valor espiritual ou sua utilidade evangelística acaba prejudicando tanto o dom da criação quanto o dom do evangelho”1.
É até estranho comentar o próprio trabalho, mas vamos lá. Uma palavrinha de nada: uma canção assim sobre o samba é tanto celebração da nossa história e cultura como expressão da “Imago Dei” e da graça comum. Ainda somos capazes de (co)criar o Belo, o Bom e o Verdadeiro:
“No mundo real, Deus é o Criador de todas as coisas; o poder de produzir coisas realmente novas é seu somente, e portanto continua a ser sempre o artista criador. Como Deus, somente ele é o original, nós somos apenas os portadores de sua Imagem”.2
Esse samba é para abrasileirar nossa adoração, uma outra intenção deste livro.3
Notas:
1. Horton, Michael. O cristão e a cultura. São Paulo: Cultura Cristã, 1998. p. 11.
2. Kuyper, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2015, p 163.
3. Este texto é um trecho retirado das páginas 49-51 de Ser Evangélico Sem Deixar de Ser Brasileiro.
Leia também
Artigos do Gerson Borges
Blog do Carlinhos Veiga
A Religião Mais Negra do Brasil
Antologia de Poetas Evangélicos
Imagem: Gabriel Negreiros / Freeimages.com
Além de autor de Ser Evangélico Sem Deixar de Ser Brasileiro, Gerson Borges também é músico – e de mão cheia! Por isso, selecionamos do livro uma canção do Gerson “Dizem que samba é pecado”, que discute um pouco da reflexão dele sobre fé cristã e cultura brasileira. Confira a seguir a letra, ouça a canção e leia os comentários do autor.
***
Por Gerson Borges
Fiz um “metassamba”, como diria Luiz Tatit – um samba sobre o samba, samba-samba, samba-reflexão, samba-teológico. Neste sambinha, minha intenção é ponderar poeticamente a presença da “Imago Dei” e da graça comum na nossa cultura. Primeiro, pelo fato de que o samba não foi uma invenção evangélica. O nome é indígena. O ritmo, africano. Atravessou o oceano, embrião, no ventre de “navios negreiros”, como diria o baiano Castro Alves (1847–1871), nosso “poeta dos escravos”. Conta-nos outro baiano, Gilberto Gil, sobre o momento do “descobrimento”, que “ali mesmo na praia, por iniciativa dos índios, fizeram a primeira Roda de Samba. Samba, uma palavra de origem indígena, da língua tupi, que significa roda de dança. Os índios vieram e tocaram e dançaram. Este gesto cultural inaugural está documentado, com riquezas de detalhes, na carta que Pero Vaz de Caminha escreveu ao Rei Dom Manuel”. Termo e costume indígena. Batucada africana. Plateia europeia. Ao meu sambinha, então:
Dizem que sambar é pecado
Dizem que sambar é pecado
Dizem que sambar não é bom, não é bom
Eu acho isso um tanto equivocado:
O Criador amado dando pra gente esse dom
Pra deixarmos meio mofado
Na gaveta fria de uma opinião
Que deixa tanta alegria de lado
Deveria ser dado a ele mesmo, em adoração.
Dizem que o samba é coisa de pagão
Discordo – é do Senhor toda a criação
E apuro para ele o meu batuque
E afino com mãos santas meu violão.
Dizem que sambar é do preto
Que sofreu escravo, nesse chão, nesse chão
É isso mesmo, mas recuso o gueto:
O samba não tem pele, nem tem raça
É do coração
Mesmo eu sendo um crente mulato
Acho que o branco há de ter inspiração
Numa liturgia feita em dois por quatro
Brasileira oferta ao Deus de todos.
(Olha o refrão)
Não quero nem preciso justificar minha canção. Como disse Michael Horton, “a pressão de justificar arte, ciência e diversão em termos do seu valor espiritual ou sua utilidade evangelística acaba prejudicando tanto o dom da criação quanto o dom do evangelho”1.
É até estranho comentar o próprio trabalho, mas vamos lá. Uma palavrinha de nada: uma canção assim sobre o samba é tanto celebração da nossa história e cultura como expressão da “Imago Dei” e da graça comum. Ainda somos capazes de (co)criar o Belo, o Bom e o Verdadeiro:
“No mundo real, Deus é o Criador de todas as coisas; o poder de produzir coisas realmente novas é seu somente, e portanto continua a ser sempre o artista criador. Como Deus, somente ele é o original, nós somos apenas os portadores de sua Imagem”.2
Esse samba é para abrasileirar nossa adoração, uma outra intenção deste livro.3
Notas:
1. Horton, Michael. O cristão e a cultura. São Paulo: Cultura Cristã, 1998. p. 11.
2. Kuyper, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2015, p 163.
3. Este texto é um trecho retirado das páginas 49-51 de Ser Evangélico Sem Deixar de Ser Brasileiro.
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Imagem: Gabriel Negreiros / Freeimages.com
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