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Opinião

A escolha dos evangélicos é decisiva nessa eleição?

Por Pedro Lucas Dulci

As “questões de interesse dos cristãos”

Recentemente, recebi uma mensagem que me deixou politicamente transtornado. Era a matéria de um jornal de uma grande editora evangélica brasileira sobre a posição de cada candidato à presidência da república em relação às “questões de interesse dos cristãos”. Tratava-se de uma tabela em que cada aspirante a presidente colocava “a favor”, “contra” ou “plebiscito” como respostas às questões de “liberação do aborto”, “casamento gay”, “liberação das drogas”, “ideologia de gênero”, “redução da maioridade penal”, “desarmamento da população”, “economia” e “embaixada em Jerusalém”. Essa tabela seria cômica, se ela não fosse trágica. Poucas vezes tive acesso a um material tão reducionista do que seria o interesse genuinamente cristão na política.

Estou convencido que é louvável que um representante público utilize sua educação e formação cristã para lidar com essas questões. Aquilo que alguns filósofos e cientistas políticos chamam de “micropolítica” não é uma espécie de bônus nas plataformas de governo. Conceito de casamento, aborto, drogas e até mesmo as questões de identidade de gênero podem parecer pontos secundários, mas pressupõe compromissos importantes que os aspirantes ao governo precisam se ocupar. Meu estarrecimento com a tabela não é em função da legitimidade ou não de tais preocupações. Questões como essas realmente ocupam o imaginário social de boa parte da população.

Somos apenas “contra” ou “a favor”?

O que me preocupa é o reducionismo político. Este, por sua vez, está presente em reportagens como essa de maneiras bem mais sutis e insidiosas. Em primeiro lugar, com a própria seleção limitadíssima de “questões que interessam os cristãos”. Será que estamos interessados só oito pontos? A única área técnica de saber mencionada é a economia. E quanto à educação? Ciência e tecnologia? Artes e saúde? Não existe preocupação cristã com tais campos do conhecimento? E quanto aos pontos específicos? Não existe nenhuma outra ideologia que preocupa os evangélicos? E quanto às relações internacionais? A fé cristã só se preocupa politicamente com sua relação com Israel? Nenhuma outra nação está em nosso horizonte de preocupação? Não é possível que os discípulos de Cristo acreditem que o futuro presidente de uma República com mais de 207 milhões de habitantes possa ter suas preocupações concentradas em pouco mais que meia dúzia de pautas pontuais. Enfim, não consigo pensar em um estereótipo mais limitador.

Não terminamos por aqui. Em segundo lugar, o que sinaliza a ausência de uma visão alargada do interesse cristão pela política são as respostas de cada candidato às questões. Aqui a deficiência é ainda mais séria. Um candidato pode até ter seu discurso limitado em uma matéria ou debate televisivo em razão das questões que são colocadas para ele. Claramente eles irão responder o que for demandado, entretanto, o que é perturbador é a incapacidade de um cristão, aspirante à presidência da república, explicitar – de ponto genuinamente cristão – os motivos pelos quais acredita que um determinado conjunto de “questões de interesse” são prejudiciais à saúde pública de um país. Devolver essas demandas para a população sob o pretexto democrático de “plebiscito” é um sintoma de uma enfermidade mais aguda: a absoluta ausência de uma cosmovisão cristã radical e integral na formação dos quadros políticos no Brasil. O debate político transforma-se em um jogo de “soma zero” onde as únicas opções são “contra”, “a favor” ou “plebiscito”. Novamente, não é possível que o melhor que a Igreja de Cristo pode fazer pelo Brasil é optar pelo alinhamento a uma dentre outras ideologias seculares. A reflexão cristã sobre economia limita-se às posições “livre mercado”, “viés estatista” ou “estado forte” oferecidas pela reportagem? O Corpo de Cristo não produziu economistas e cientistas políticos capazes de ampliar nossas plataformas de ação política?

O medo, a esperança e a idolatria no debate eleitoral

A igreja evangélica brasileira foi engolida pelo populismo superficial que caracteriza os atuais debates públicos. Bem pior do que isso é o fato de que as eleições se transformaram em concursos de popularidade baseados em medo ou esperanças messiânicas – ao invés de serem oportunidade para o debate franco pelo bem comum da nação. Quanto nosso voto é determinado por frases do tipo: “meu candidato é Fulano porque morro de medo se o Sicrano vencer...” ou então, “se não for o Beltrano, o país não tem solução...”, claramente saímos da esfera política e entramos em uma zona de desespero por um redentor. Nesse ambiente de discussão, nossos afetos podem ser facilmente cooptados por uma imaginação totalitária.1 E os candidatos sabem perfeitamente disso. Eles potencializam e transformam nossos medos e desejos de salvação em material de campanha. Tudo isso para direcionar a confiança de nossos corações no poder político e dar um caráter idólatra a nossa fé.

O teólogo norte-americano Michael Horton, descrevendo a relação da fé evangélica com o cenário eleitoral de seu país – que, guardadas as devidas proporções, experimenta situações similares à nossa – é paradigmático ao nos alertar que:

Oscilando do triunfalismo para o desespero fervilhante, muitos pastores estão comunicando, a um enorme público, uma fé no poder político que está em forte oposição a tudo que dizemos acreditar. Para muitos de nossos vizinhos, os capelães da corte parecem mais Bobos da corte. Algo tremendo está em jogo aqui: se os cristãos evangélicos colocam sua fé mais em César e seu reino do que em Cristo e seu reinado. Nesse sentido temos tudo a perder - neste mês de novembro e em todo e qualquer ciclo eleitoral. Quando buscamos favores políticos especiais para a igreja, comunicamos às massas que o reino de Cristo é apenas mais um grupo demográfico do eleitorado americano. Vamos encarar os fatos. Liberais e conservadores, católicos e protestantes, cortejaram o poder político e alegremente se permitiram ser usados por ele. Isto sempre acontece quando a igreja confunde o reino de Cristo com os reinos da presente época. Jesus não veio para impulsionar a teocracia em Israel, muito menos para ser o pai fundador de qualquer outra nação.2

Nesse breve raciocínio, Horton já elimina prontamente qualquer tipo de postura constantinista – de favores e privilégios cristãos à custa de acordos espúrios a nossa fé. No entanto, ele vai além do óbvio. A chave de seu argumento que queremos repetir aqui é que as questões que interessam um cristão no debate político não são determinadas pela agenda ideológico-partidária que nos é oferecida. Não estamos limitados aos pacotes ideológicos. Nossa fidelidade e confiança, para ser genuinamente cristã, não precisa limitar-se ao sucesso da performance política de um determinado candidato – que declarou em rede nacional apoiar oito ou dez medidas de “interesse cristão”.

A Igreja de Cristo no Brasil não pode ser transformada em um grupo demográfico que deve ser conquistada pelo interesse partidário. Nossa responsabilidade é muito maior que essa. Somos a única parcela da sociedade civil que tem condições de avaliar todos os candidatos e suas plataformas políticas com os critérios que escapam os limites da temporalidade. Justamente porque nossa esperança não está nas cidades dos homens é que podemos ser o prumo para as questões que realmente contribuem para o bem comum, o florescimento humano e a glória de Deus.

Adotar essa postura no debate público não significa, de maneira alguma, um conformismo situacionista. Antes o contrário. Justamente porque mantemos a lealdade última de nossos corações à esperança bíblica, nosso alvo não é nenhum projeto político-partidário temporal, mas, assim como Abraão, esperamos “confiantemente pela cidade de alicerces eternos, planejada e construída por Deus” (Hb 11.10, NVT). Tão somente essa confiança faz com que não sejamos transformados em massa de manobra do jogo político. Não estamos em uma disputa de “tudo ou nada” com as próximas eleições. Nenhum dos candidatos que estão em disputa, nem mesmo qualquer outro no horizonte temporal, têm condições de materializar as expectativas que são típicas somente do reinado de Cristo. Isso coloca-nos em uma posição transpolítica e centraliza na Igreja nossa militância política.3

A relevância pública da espiritualidade cristã

Essa é a relevância pública da espiritualidade cristã. Tão somente essa escolha de nosso coração será decisiva para essa e todas as outras eleições em nosso país. A implicação prática de tal postura são escolhas mais conscientes, realistas e em conformidade com a narrativa bíblica.

Não estamos escolhendo um salvador. Não precisamos ter nossa imaginação política governada por afetos como triunfalismo messiânico ou desespero retumbante.

O Brasil não está nas mãos do projeto político de quem vencer nas urnas. Nós somos os únicos que podem cantar o Salmo 146. Veja com atenção essa oração do salmista:

Louvado seja o Senhor! Que todo o meu ser louve o Senhor.
Louvarei o Senhor enquanto eu viver; cantarei a meu Deus até o último suspiro.
Não confiem nos poderosos; não é neles que encontrarão salvação.
Quando sua vida se vai, voltam ao pó, e todos os seus planos morrem com eles.
Como são felizes os que têm o Deus de Jacó como seu auxílio, os que põem sua esperança no Senhor, seu Deus.
Ele fez os céus e a terra, o mar e tudo que neles há; ele cumpre suas promessas para sempre.
Faz justiça aos oprimidos e alimenta os famintos. O Senhor liberta os prisioneiros.
O Senhor abre os olhos dos cegos. O Senhor levanta os abatidos. O Senhor ama os justos.
O Senhor protege os estrangeiros e cuida dos órfãos e das viúvas, mas frustra os planos dos perversos.
O Senhor reinará para sempre; ele será seu Deus, ó Sião, por todas as gerações. Louvado seja o Senhor! (Sl 146.1-10, NVT)


Cada linha dessa oração nos ajuda a calibrar nossa confiança política. Nosso coração não está na mão dos poderosos. Não confiamos neles, pois neles não se encontra a salvação (v. 3). Nossa esperança está no Senhor, porque ele não só fez os céus e a terra (v. 5), mas porque após a ressurreição de Cristo, toda a autoridade em cada uma das esferas da vida foi entregue ao Rei. O Senhor reina para sempre, por isso deve ser louvado (v. 10). O destino dos oprimidos, o alimento dos famintos, a libertação dos prisioneiros, a vista dos cegos, a força ao abatido, a proteção do estrangeiro, o cuidado aos órfãos e viúvas e a punição dos perversos estão nas mãos do Senhor – que ama os justos (v. 8).

Isso significa dizer que não existe fora do Senhor e dos seus decretos, parâmetros para cada um dos âmbitos nos céus e na terra. Nenhum quadro político, nem mesmo os melhores que a fé cristã já produziu, consegue concentrar em si a “palavra final” em governança política cristã. De Calvino a Luther King Jr., passando por Wilbeforce, Kuyper e Bonhoeffer, o que temos são sinais. Frágeis e incompletos sinais das dimensões do reinado de Cristo que já estão a nossa disposição, mas ainda não são plenos. Essa consciência histórico-escatológica e redentiva precisa guiar nossa postura política.4

Novamente, isso não significa quietismo político. Precisamos trabalhar duro formando a nova geração de discípulos de Cristo em todas as áreas da vida. Não só nas questões micropolíticas, mas em ciência, tecnologia, arte, política, economia e em todos os âmbitos da existência em que Jesus é soberano. É um trabalho de discipulado na mais profunda compreensão de cosmovisão bíblica. Precisamos nos atentar para um fato que Francis A. Schaeffer já chamara a atenção dos norte-americanos muitos anos antes de Michael Horton escrever sobre a política e a Igreja do seu pais:

O problema básico dos cristãos dos Estados Unidos nos últimos oitenta anos, quanto à sociedade e governo, é que têm observado as coisas em pedaços e partículas, ao invés de ver a totalidade. Aos poucos eles ficaram perturbados com a permissividade, pornografia, os problemas das escolas públicas, o desmoronamento da família, e finalmente, o aborto. Mas não viram essas coisas como um todo – cada qual uma parte, um sintoma de um problema ainda maior. Fracassaram em ver que tudo isso veio a acontecer devido a uma mudança de visão do mundo [...] Por que os cristãos têm sido tão lerdos em compreender isto? Há várias razões, mas o centro está numa visão deturpada do cristianismo. Isto começou no movimento pietista sob a liderança de P. J. Spenger no século dezessete. O pietismo teve início com um protesto saudável contra o formalismo e contra um cristianismo por demais abstrato. Mas tinha uma espiritualidade deficiente, “platônica”. Era platônica no sentido de que o pietismo fazia forte diferenciação entre o mundo “espiritual” e o mundo “material” – dando ao mundo material pouca ou nenhuma importância. A totalidade da existência humana não ganhava um lugar próprio. De modo especial, negligenciava a dimensão intelectual do cristianismo. O cristianismo e a espiritualidade foram fechados dentro de uma pequena e isolada parte da vida. A realidade total foi ignorada pelo pensamento pietista. [...] A verdadeira espiritualidade cobre toda a realidade. Existem coisas que a Bíblia nos diz como absolutas, que são pecados – não se conformam com o caráter de Deus. Mas além destas, o Senhorio de Cristo cobre toda a vida e a cobre por igual. Não é apenas que a verdadeira espiritualidade cobre toda a vida, mas cobre todas as partes do espectro da vida, de forma igual. Neste sentido não existe nada na realidade que não seja espiritual.5

O cristianismo não é “platonismo para o povo”, como queria Friedrich Nietzsche. Nossa forma de encarar a realidade precisa ser guiada pela narrativa bíblica, que coloca debaixo da soberania de Cristo todas as esferas da vida. Enquanto nossa postura pública não refletir essa convicção fundamental, continuaremos sendo massa de manobra política de programas partidários que só superficialmente se conformam com a fé cristã. Em síntese, a escolha evangélica decisiva para essa e todas as outras eleições que participarmos, é a opção pela confiança nas promessas e expectativas do reino de Deus e não das soluções humanas.

Notas
1. Conforme muito bem mostrou Francisco Razzo em A Imaginação Totalitária: os perigos da política como esperança. (Grupo Editorial Record, 2016).
2. HORTON, Michael.
Os evangélicos estão com medo? O que eles temem perder? Acessado em: 19 de setembro de 2018.
3.  Trabalhei esses dois conceitos em meu novo livro
Fé Cristã e Ação Política: a relevância pública da espiritualidade cristã (Editora Ultimato, 2018).
4. O conceito de “dimensão histórico-escatológica e redentiva” foi tirada da obra do teólogo bíblico holandês Herman N. Ridderbos (1909-2007), a qual recomendo fortemente, em parte disponível em português.
5. SCHAEFFER, Francis A.
A abolição da verdade e da moralidade. Acessado em: 20 de setembro de 2018.

Leia mais
» Os desafios de viver uma fé pública
» C. S. Lewis em tempo de eleição: Os cristãos e a moralidade
Autor de Fé Cristã e Ação Política, Pedro Lucas Dulci, é filósofo e pastor presbiteriano. Casado com Carolinne e pai de Benjamin, desenvolve pesquisa em ética e filosofia política contemporânea e estudos sobre o diálogo entre ciência e religião, com estágio na Vrije Universiteit Amsterdam. É teólogo e coordenador pedagógico no Invisible College.
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