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Por Escrito

A casa de portão vermelho

Por Helen Schmidt

Estamos trancadas

Era uma avenida que, embora calma, possuía uma estranha movimentação. Nunca foi novidade para nenhum vizinho o que ocorria na rua de baixo, na casa de portão vermelho, onde moram mulheres chamadas pelos mais antigos como mulheres de “vida fácil”, mas que de fácil não deve ter nada. Um grupo de jovens já encarou o tal portão vermelho para convidá-las para uma programação artística. A ideia era iniciar ali uma conversa com vistas num evangelismo. Foram atendidos pela janela e, mesmo com certa insistência, o resultado não foi como o esperado. A resposta, embora sussurrada pela grade da janela, soou como um grito de alguém que talvez não saiba que precise de socorro: “Estamos trancadas sem as chaves da porta, mas deixe o convite na caixa de correio, por favor”, disse uma porta-voz daquelas moças.

Em se tratando de uma vizinhança ao centro de uma cidade grande, o que se vê não é em nada diferente de outros centros urbanos. O vai e vem apressado de carros são distrações de uma realidade fria e escondida para quem está do lado de dentro de portões vermelhos como aquele, onde mulheres de diferentes idades e por diferentes razões, vivem à margem de sociedade.

Diante da indiferença comum nestes dias tão corridos, enxergar o outro é como um escapar em fuga ao que Deus nos expõe sem censura. Aquela casa despertaria a mesma atenção se morasse ali uma família feliz? Poderia surgir um convite para um café com bolo ao final da tarde? Não há como avaliar o grau de preconceito e curiosidade instalados neste caso, mas as perguntas sobre a vulnerabilidade do sexo feminino vagam no inconsciente daqueles que observam a intensa movimentação daquela casa, deixando claro que a suspeita de abuso ou exploração são capazes de nos inquietar por dentro, mas, por vezes, calar por fora.

Uma realidade que constrange e paralisa

No primeiro ano de vida missionária tive contato com projetos de resgate de vítimas do tráfico de pessoas pelo mundo. Enquanto corrigia algumas traduções, chorava. Em um guia de intercessão mundial, li relatos de garotas que foram vendidas pelos pais e, sozinhas, foram em busca de formas de subsistência como a prostituição. Uma cruel realidade que me parecia distante, pois eram histórias de outros povos em outras culturas, sobretudo, eram também informações básicas sobre o conceito de abuso, exploração sexual e escravidão moderna, classificações que, independente de contextos culturais diversos, permanecem as mesmas. Por exemplo, ser escravo é pertencer legalmente a outra pessoa, ser forçado a trabalhar para o outro contra a sua vontade, estar sob o domínio de outra pessoa por hábito ou influência e trabalhar em condições subhumanas por um salário indigno.

Naquela época percebi como o tráfico de pessoas pelo mundo é, na verdade, um dos sintomas de uma sociedade doente, que enfrenta um grande número de problemas, como a pobreza e a falta de acesso a educação, tornando os indivíduos mais vulneráveis não somente ao tráfico, mas ao crime organizado internacional, que é uma grade extensa e interligada, como um emaranhado pernicioso que envolve vidas.

A exploração sexual, o tráfico de pessoas, a pornografia infantil, o comércio de órgãos, a adoção ilegal, as formas ilegais de imigração em busca de exploração e trabalho escravo, além de crimes como o contrabando de mercadorias, armas e o tráfico de drogas são descrições aparentemente específicas, mas que configuram a realidade de abuso, injustiça e exploração que está mais próxima de nós do que imaginamos. Como brasileiros sabemos de sua existência, que nos constrange e assusta, mas, por vezes, nos paralisa.

No Brasil a prostituição não é um crime, entretanto a exploração sexual e sua facilitação por dinheiro, sim. Da mesma forma como também é considerado prática criminosa induzir alguém a satisfação de lascívia alheia e tirar proveito da prostituição de outrem. O Código Penal descreve multas e reclusões para tais práticas. De acordo com a Associação Mulheres pela Paz, 83% das vítimas do tráfico de pessoas são mulheres para fins de exploração sexual. Elas são jovens, entre 18 e 29 anos, de baixa renda e, frequentemente, com pouca escolaridade. Embora o tráfico de mulheres não seja um crime recente no Brasil, o debate, as leis e as medidas de prevenção são novos – este tema entrou na agenda da ONU somente em 2000.

A complexidade deste tema é mais ampla do que a prostituição em si, pois implica em discussões sobre exclusão social, pobreza, desestruturação familiar, violência das mais diversas, abuso sexual na infância, entre outros tópicos. Um estudo publicado pela Universidade Estadual de Londrina, chamado Prostituição: Sexo e Mercadoria¹, explica como a prostituição se apresenta de diferentes formas, desde a escravidão sexual (e seu envolvimento com o tráfico de pessoas), até a prostituição de alto luxo (que atrai pessoas de várias classes sociais), passando pela atividade como forma de sobreviver à pobreza. Segundo a pesquisa, publicada em 2014, mesmo com o declínio do número de prostíbulos, houve um aumento da prostituição nas cidades, especialmente nas metrópoles, onde o anonimato torna-se um facilitador para esta prática. Segundo os autores, a prostituição modificou-se com a modificação da sociedade e se manifesta como atividade econômica globalizada e, apesar de nem todas as prostitutas serem vítimas, existem situações claras de abuso e exploração.

“Quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem”


A frase acima, da filósofa Rosa Luxemburgo, é oportuna quando se trata de interferimos, de alguma forma, no contexto que estamos inseridos. A casa com portão vermelho e a movimentação na avenida permanecem os mesmos. Mas, por parte dos vizinhos há um desejo por aproximação, por conversa e conselho àquelas moradoras. O interesse real por suas histórias de vida e empatia seriam maneiras de movimentar as correntes para mostrar a elas o quanto a liberdade pode ser uma realidade e é mais ampla do que a sujeição aos desejos do corpo.

A impotência gerada pela falta de confiança no poder público, após algumas denúncias, não impediu que alguns desses vizinhos descobrissem outra boa forma de mover as cadeias que prendem aquelas mulheres. Decidiram, constantemente, adentrar por entre aquelas grades e muros resistentes. Não se conformam e não se deixam impedir por grades, mas insistem no clamor por justiça. Com o que têm à mão, lutam contra o abuso e a indiferença. Não se trata de uma invasão do ponto de vista físico, mas através de petições e súplicas a Deus. Creem por uma intervenção. Sabem que correntes podem ser expostas, movidas e desmontadas através da oração.

Nota
1. Estudo publicado pela Universidade Estadual de Londrina. Prostituição: Sexo e Mercadoria.

• Helen Schmidt é jornalista e missionária, casada com Rafael Santino e mãe de Sophia, de 5 anos.

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