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Opinião

Vikings: valhalla – “Nem por força, nem por violência, mas pelo meu espírito, diz o Senhor dos exércitos”

Por Carlos Caldas
 
A cultura nórdica – escandinava – medieval ocupa inquestionavelmente lugar de destaque no cenário mais amplo da cultura pop mundial. E não é de agora que isso acontece: já no século 19 o compositor alemão Richard Wagner foi um dos primeiros (quiçá o pioneiro) a popularizar temas das mitologias escandinava e germânica com seu conjunto de óperas épicas dramáticas Der Ring des Nibelungen – “O Anel do Nibelungo” (a propósito, foi graças a Wagner que se popularizou a imagem dos guerreiros vikings utilizando elmos com chifres, o que está histórica e arqueologicamente provado e comprovado que nunca existiu). E já na década de 60 do século passado Stan Lee e Jack Kirby, dois “magos” da literatura das HQs, tiveram a ideia sensacional de transformar Thor Odinson (“Thor filho de Odin”), o deus do trovão da mitologia nórdica, em um super-herói combatendo não gigantes do gelo em Asgard (um dos nove mundos da geografia cósmica escandinava), mas criminosos e ameaças “mundanas” em Nova York. Thor é um dos personagens mais poderosos de todo o infindável panteão da Marvel, e um dos personagens mais conhecidos e queridos de todos. 
 
E mais recentemente temas ligados ao mundo nórdico medieval chamaram a atenção do grande público por conta do sucesso estrondoso de duas séries televisivas veiculadas pelo canal de streaming Netflix: O último reino, adaptação da série homônima de romances históricos de Bernard Cornwell, e Vikings, do produtor Michael Hirsch. Ambas mesclam ficção com realidade: em O último reino, a saga de Uthred de Bebamburg, um jovem saxão criado por dinamarqueses (tornando-se assim uma espécie de ponte entre dois mundos muito diferentes) aparecem personagens e situações que tiveram de fato lugar na história, como Alfred, o rei saxão de Wessex Io “último reino”, que dá titulo à série), e os conflitos entre os saxões (antepassados dos ingleses atuais) e os dinamarqueses que se estabeleceram no território que atualmente conhecemos como Inglaterra). E em Vikings acompanhamos a saga de Ragnar Lothbrok, um jovem lavrador que se torna rei da atual Noruega, seu irmão Rollo (que se tornaria ancestral de uma linhagem importante de reis francos) e seus (de Ragnar) filhos Bjorn Ironside (“Bjorn Flanco de Ferro”), Hitsvirk, Ubbe, e Ivar Boneless (“Ivar Sem Ossos”)1. Tudo indica que Ragnar existiu de fato, mas como é comum acontecer com figuras assim, é difícil separar o que é fato do que é acréscimo popular (“quem conta um conto, aumenta um ponto”). 
 
Pois bem, eis que a Netflix já disponibilizou a primeira temporada (oito episódios com mais ou menos quarenta minutos de duração cada) de Vikings: Valhalla, uma mistura de spin-off e continuação de Vikings. A nova série, produzida por Jeb Stuart (roteirista de filmes blockbuster de sucesso, como “Duro de Matar”, com Bruce Willis, e de “O Fugitivo”, com Harrison Ford) se passa cem anos depois da saga de Ragnar Lothbrok e seus filhos. Assim como em Vikings2, Valhalla também apresenta figuras históricas, como Leif Eriksson, conhecido como “Leif, o Sortudo”, amplamente reconhecido como o primeiro europeu a pôr os pés na terra que séculos mais tarde seria conhecido como América do Norte3, e o Rei Cnut (“Canuto”), o Grande, caso único na história, pois por um período foi soberano de um reino unido que envolvia Inglaterra, Dinamarca e Noruega. 
 
 
O mote de Valhalla é o conflito entre a antiga religião tradicional dos escandinavos e o cristianismo. Este conflito também foi mostrado na série de Michael Hirsch por meio do relacionamento conflituoso entre Floki, o construtor de barcos, um “fundamentalista” na maneira de vivenciar sua crença, e o Padre Athelstan, que vacila entre a fé cristã e a religião dos nórdicos: Athelstan passa por uma “desconversão” do cristianismo, mas depois experimenta uma “reconversão”, e é assassinado por Floki. Mas claro, toda esta trama é fruto da imaginação de Hirsch. Não há nenhuma evidência documental de missionários cristãos atuando em qualquer parte da Escandinávia medieval que tenham passado por “desconversão” e/ou “reconversão”.
 
Pois bem, o mesmo tema é explorado em Valhalla, mas de uma maneira muito pior, mais fantasiosa (no pior sentido da palavra) e superficial que tinha sido em Vikings: na série de Stuart os cristãos são apresentados da maneira mais estereotipada possível, pois são cruéis, insensíveis, sádicos, perversos ao extremo. Um deles estupra Freydís Eriksdóttir (“Freydís filha de Erik”), irmã de Leif, e faz uma marca de cruz com ferro em brasa em suas costas. Há um grupo liderado por um Jarl, (uma espécie de duque na sociedade escandinava) chamado Kåre, que se dedica a exterminar sistematicamente os nórdicos que não abraçaram o cristianismo. O Jarl Kåre é apresentado como sendo completamente insano. É esta a visão que Jeb Stuart tem de todos os cristãos? 
 
A evangelização da Escandinávia é um caso interessante na história do movimento missionário cristão. As bandeiras da Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia, Islândia, Ilhas Aland (território autônomo da Finlândia) e Ilhas Feroé (um território [in]dependente da Dinamarca, situado entre a Escócia e a Islândia) exibem a chamada “cruz nórdica”, cuja característica principal é ter o lado direito do “braço” desproporcionalmente maior que o esquerdo. A adoção do emblema da cruz na bandeira destes países é uma maneira eloquente de indicar a identidade cristã deles. Isso é surpreendente, pois a mensagem cristã, por conta de seus componentes doutrinários e éticos, tinha tudo para ser rejeitada completamente pelos escandinavos. Mas não foi assim que aconteceu. Antes, a evangelização dos escandinavos foi exitosa. Desde a atividade missionária cristã pioneira de Ansgar, conhecido como “Apóstolo do Norte”, no século 9, aos poucos a Escandinávia foi se tornando cada vez menos “pagã” e cada vez mais cristã. Tal processo não se deu por meio da violência, tal como Stuart sugere em Valhalla. O que houve foi o trabalho de missionários como o já citado Ansgar, que se tornaram conhecidos por uma vida de coerência entre discurso e vida. Pesquisas de medievalistas sérios, como o francês Regis Boyer, especialista em “vickingologia”, com mais de quarenta obras publicadas a respeito, mostram que a cristianização da Escandinávia se deu através de diferentes processos. Um, já mencionado, o trabalho missionário propriamente4. Boyer mostra que a atividade missionária cristã aconteceu por duas vias: uma, missionários frísios (a Frísia é uma região da atual Holanda) e germânicos submissos à autoridade eclesiástica romana, e a outra, missionários celtas, provenientes da Escócia e da Irlanda. Mas houve também conversões ao cristianismo motivadas não por convicção de fé, mas por interesses políticos. A propósito, vale lembrar que “conversão” (entre muitas aspas) de líderes nórdicos ao cristianismo por motivos políticos foi um dos temas mostrados em Vikings. Houve também casos isolados de conversão forçada, mas como exceção, nunca como regra. 
 
 
O caminho cristão do seguimento de Jesus não é o caminho da espada, da violência, da força bruta. “Não por força nem por violência, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zc 4.6). Em nossos dias vemos com pesar alguns evangélicos que parecem querer uma espécie de versão cristã de grupos islâmicos radicais, como Estado Islâmico e Boko Haram, ou seja, parece que querem impor à força suas convicções e princípios. É uma contradição total, completa e absoluta dos princípios do evangelho de Jesus. 
 
Não sei o que Jeb Stuart pretendeu ou pretende ao apresentar os cristãos de maneira tão horrível em Valhalla. O que sei é que, com pesar, muitos cristãos evangélicos no Brasil hoje fazem apologia do uso de armas de fogo (a propósito, vale muito a pena ler o excelente artigo Amados pastores armados), fazem exaltações sem sentido, sem propósito, sem razão e sem noção ao Exército em cultos (o culto público, momento sagrado e solene de adoração a Deus, prostituído por uma “louvação” às Forças Armadas), defendem nas redes sociais a volta da ditadura e o uso da tortura. Atitudes deploráveis como estas tem a ver com o Jarl Kåre louco de Valhalla, mas não com o espírito do evangelho. Somos seguidores do Príncipe da Paz, aquele que entrou em Jerusalém não como um general em um alazão, mas humilde, cavalgando um jumentinho (Mt 21.5). O caminho do anticristo, do messias falso, que engana e ilude, é o da violência, não o da paz. O caminho do Messias verdadeiro é o da paz, não o da violência. Sigamos o Messias da paz.
 
Notas
1. Parece que Ivar “Sem Ossos” realmente existiu, mas não há consenso quanto ao motivo de sua alcunha estranha: na série de Hirsch Ivar nasceu com uma deficiência nas pernas que o impediu de andar, mas nos livros de Cornwell ele é apresentado como sendo muito alto e muito magro, o que teria lhe valido o apelido.
2. Para diferenciar uma série da outra, a de Hirsch será indicada apenas como Vikings, e a de Stuart como Valhalla.
3. Como seu nome indica, Leif Eriksson era filho de Erik, conhecido como Erik o Vermelho (por conta de seu cabelo ruivo), personagem de importância na história do período viking. Erik o Vermelho não aparece na série Valhalla, mas é citado várias vezes.
4. Boyer, Régis. Le Christ des barbares, le monde nordique (IX-XIII siècle). Paris: Editions Du Cerf, 1987.
 

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