Opinião
16 de outubro de 2025- Visualizações: 1111
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Resgatando a capacidade de usar o intelecto
O santo é também um sábio, um sadio e um salvo
Por Robinson Cavalcanti
A cultura de imagem, som, do virtual, do instantâneo, do prático, das emoções vai aprofundando uma “preguiça mental”. A igreja – para variar – se mundaniza na mesma direção: muito cântico verticalista e oco para se “sentir” Deus e a si mesmo; o lugar do sermão é desvalorizado, com mensagens curtas, superficiais e emocionais. Ignorância passa ser sinônimo de santidade. O cérebro torna-se um órgão perigoso, secundário ou dispensável.
A crise do pensar
A pré-modernidade, a cristandade medieval, vivenciava uma razão aprisionada pelo autoritarismo da Igreja e da ordem política, perturbada pelo misticismo e pela superstição: uma mente enfermada pela presença opressiva de fadas, duendes, anjos, santos e demônios. O lugar do pensar era ocupado pela hipertrofia da teologia como ideologia e razão de Estado, como ideia única. A modernidade vivenciou a tirania da razão: o iluminismo, o positivismo, o marxismo, a crítica bíblica. Uma era antropocêntrica e ratiocêntrica, embalada pelo mito da ciência. A pós-modernidade vivencia a crise da razão, a fragmentação e a parcialização do saber, com a mente oprimida pelo esoterismo, pelo fundamentalismo, pela ideia única.
Com a crise das utopias resta o neo-hedonismo consumista, o imediatismo, o saber pragmático. Vive-se o cansaço e o medo de pensar, a pobreza intelectual, a falta de bandeiras, a superficialidade.
A igreja se esquece do lugar da razão na caminhada da Reforma: o “medita e pensa; trabalha e ora” do século 16, a nova esclerose do século 17 com o escolasticismo protestante, a ortodoxia fria, a tentativa de unir razão e emoções nos melhores momentos do pietismo e do avivalismo. Não somos todos, também, vítimas da polarização “liberalismo versus fundamentalismo” do final do século 19 e início do século 20?
O intelecto nas escrituras
Quem é o ser humano? Não é ele a imagem de Deus (imago Dei), o Deus Criador, que cria o ser humano com seus atributos (Gn 1.26-27)? O cérebro criador do universo dota a primícia da sua criação também com um cérebro, com espírito, emoção e liberdade (Sl 8.3-6). Não é o Criador que outorga ao ser humano um mandato cultural – a tarefa de gerir a terra segundo os seus propósitos-, tornando-o cooperador e continuador honrado do trabalho de Deus (Gn 1.28)? Os efeitos da queda, do pecado original também atingem o intelecto, mas não o eliminam (Ec 1.17-18). Deus se revela por meio dos autores bíblicos, iluminando as mentes, não anulando-as, seja com o ditado islâmico seja com a psicografia espírita (At 3.21).
A regeneração também atinge o intelecto, possibilitando ao regenerado uma maior sintonia com a mente do Salvador. Paulo nos fala das implicações de termos “a mente de Cristo” (1Co 2.16). A disciplina intelectual, por sua vez, para a tarefa evangelística e apologética, deve constar das preocupações dos cristãos, pois o apóstolo Pedro nos ensina que devemos estar sempre prontos a dar razão da esperança que está em nós (1Pe 3.15).
No acercamento à leitura da Bíblia pelas nossas mentes devemos estar sempre conscientes dos nossos condicionamentos, dos condicionamentos dos autores e dos condicionamentos dos intérpretes através dos séculos, nas diversas correntes teológicas e denominações que povoam a história da Igreja. Não podemos nos esquecer do lugar da tradição, do consenso dos fiéis, da razão e da experiência na tarefa hermenêutica. Sinceridade na leitura e humildade nas conclusões ensinam a boa regra evangélica.
Os cristãos não são meros indivíduos, nem meras parcelas da coletividade, mas pessoas, com razões iluminadas. O exercício da razão iluminada é fundamental para a construção da Igreja e da história.
A razão em ação
O velho movimento da Ação Católica, da primeira metade deste século (JAC, JEC, JIC, JOC) tinha um projeto interessantíssimo para o exercício da vida cristã: ver – conhecer a realidade (lançando-se mão de ferramentas teológicas, filosóficas e científicas); julgar – refletir sobre os problemas da realidade e construir juízos éticos; agir – inserção consciente e consequente na realidade para transformá-la.
Essa era uma proposta que coincidia com a recomendação de Karl Barth, segundo a qual o cristão deveria andar sempre com uma Bíblia debaixo de um braço e um jornal do dia debaixo do outro. O cristão como ponte permanente entre revelação de Deus e a problemática humana.
A Teologia da Libertação nos deixou a preciosa lição da Teoria das Mediações: precisamos da mediação das ciências humanas para compreender a realidade e precisamos da mediação das organizações sociais para mudar a realidade.

Obstáculos à razão
Há fortíssimos obstáculos a esse exercício maduro da razão cristã: a) o etnocentrismo- a tendência de ver o mundo e a história a partir do nosso tempo e lugar; b) o tradicionalismo- o dogma, a denominação ou a corrente teológica como cadeias aprisionadas do livre exame; c) a ignorância- a indigência de informações necessárias; d) a insegurança- a dor do pensar, o medo das consequências do pensar, a fixação a estágios infantis da fé, o medo preço social; e) as psocipatologias- neuroses, psicoses “espiritualizadas” que povoam as nossas igrejas.
Vivem os cristãos dos nossos dias as fugas antiintelectualismo: a) a fuga do literalismo- textos considerados “evidentes por si mesmos”, a sacralização dos óculos, a arrogância farisaica, a intolerância, o julgamento, a inquisição, o moralismo, o legalismo, sistemas fechados geradores de personalidades rígidas, de afetividade irresolvida; b) o misticismo- a profusão de revelações e interpretações privadas, instituições, vozes interiores ou exteriores, visões e sonhos, profecias particulares. O egocentrismo espiritual, tantas vezes descolado da Palavra e colado às alucinações e à histeria.
O fenômeno ideológico resulta no aprisionamento da mente dos cristãos pelos sistemas deste mundo (políticos, econômicos, sociais, culturais), legitimando-os, deixando de apontar para o reino de Deus e para a construção histórica de utopias possíveis.
O santo – ensinam culturas orientais – é também um sábio, um sadio e um salvo.
“Crer é também pensar” é a esquecida advertência de um grande teólogo dos nossos tempos.
No caos da irracionalidade mórbida e do emocionalismo desvairado que estão destruindo o cristianismo, devemos, com vigor, afirmar que o não-pensar é um ato de desobediência e de pecado (Rm 12.2).
(Resumo do seminário apresentado no XV Congresso VINDE para Pastores e Líderes, realizado de 6 a 9 de outubro de 1998, em Serra Negra, SP.)
Artigo publicado originalmente na edição 256 de Ultimato.
Imagem: Unsplash.
REVISTA ULTIMATO – JESUS, A LUZ DO MUNDO
Jesus, o clímax da narrativa da redenção, é a luz do mundo. Não há luz que se compare a ele. Sua luz alcança todo o mundo.
Além de anunciar-se como Luz, Jesus declara que os seus seguidores são a luz do mundo. “Pois Deus que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele mesmo brilhou em nosso coração para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo” (2Co 4.6).
É disso que trata a edição 415 de Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» O Caminho do Coração – Meditações diárias, Ricardo Barbosa
» Cristianismo e Política – Teoria bíblica e prática histórica, Robinson Cavalcanti
Por Robinson Cavalcanti
A cultura de imagem, som, do virtual, do instantâneo, do prático, das emoções vai aprofundando uma “preguiça mental”. A igreja – para variar – se mundaniza na mesma direção: muito cântico verticalista e oco para se “sentir” Deus e a si mesmo; o lugar do sermão é desvalorizado, com mensagens curtas, superficiais e emocionais. Ignorância passa ser sinônimo de santidade. O cérebro torna-se um órgão perigoso, secundário ou dispensável.A crise do pensar
A pré-modernidade, a cristandade medieval, vivenciava uma razão aprisionada pelo autoritarismo da Igreja e da ordem política, perturbada pelo misticismo e pela superstição: uma mente enfermada pela presença opressiva de fadas, duendes, anjos, santos e demônios. O lugar do pensar era ocupado pela hipertrofia da teologia como ideologia e razão de Estado, como ideia única. A modernidade vivenciou a tirania da razão: o iluminismo, o positivismo, o marxismo, a crítica bíblica. Uma era antropocêntrica e ratiocêntrica, embalada pelo mito da ciência. A pós-modernidade vivencia a crise da razão, a fragmentação e a parcialização do saber, com a mente oprimida pelo esoterismo, pelo fundamentalismo, pela ideia única.
Com a crise das utopias resta o neo-hedonismo consumista, o imediatismo, o saber pragmático. Vive-se o cansaço e o medo de pensar, a pobreza intelectual, a falta de bandeiras, a superficialidade.
A igreja se esquece do lugar da razão na caminhada da Reforma: o “medita e pensa; trabalha e ora” do século 16, a nova esclerose do século 17 com o escolasticismo protestante, a ortodoxia fria, a tentativa de unir razão e emoções nos melhores momentos do pietismo e do avivalismo. Não somos todos, também, vítimas da polarização “liberalismo versus fundamentalismo” do final do século 19 e início do século 20?
O intelecto nas escrituras
Quem é o ser humano? Não é ele a imagem de Deus (imago Dei), o Deus Criador, que cria o ser humano com seus atributos (Gn 1.26-27)? O cérebro criador do universo dota a primícia da sua criação também com um cérebro, com espírito, emoção e liberdade (Sl 8.3-6). Não é o Criador que outorga ao ser humano um mandato cultural – a tarefa de gerir a terra segundo os seus propósitos-, tornando-o cooperador e continuador honrado do trabalho de Deus (Gn 1.28)? Os efeitos da queda, do pecado original também atingem o intelecto, mas não o eliminam (Ec 1.17-18). Deus se revela por meio dos autores bíblicos, iluminando as mentes, não anulando-as, seja com o ditado islâmico seja com a psicografia espírita (At 3.21).
A regeneração também atinge o intelecto, possibilitando ao regenerado uma maior sintonia com a mente do Salvador. Paulo nos fala das implicações de termos “a mente de Cristo” (1Co 2.16). A disciplina intelectual, por sua vez, para a tarefa evangelística e apologética, deve constar das preocupações dos cristãos, pois o apóstolo Pedro nos ensina que devemos estar sempre prontos a dar razão da esperança que está em nós (1Pe 3.15).
No acercamento à leitura da Bíblia pelas nossas mentes devemos estar sempre conscientes dos nossos condicionamentos, dos condicionamentos dos autores e dos condicionamentos dos intérpretes através dos séculos, nas diversas correntes teológicas e denominações que povoam a história da Igreja. Não podemos nos esquecer do lugar da tradição, do consenso dos fiéis, da razão e da experiência na tarefa hermenêutica. Sinceridade na leitura e humildade nas conclusões ensinam a boa regra evangélica.
Os cristãos não são meros indivíduos, nem meras parcelas da coletividade, mas pessoas, com razões iluminadas. O exercício da razão iluminada é fundamental para a construção da Igreja e da história.
A razão em ação
O velho movimento da Ação Católica, da primeira metade deste século (JAC, JEC, JIC, JOC) tinha um projeto interessantíssimo para o exercício da vida cristã: ver – conhecer a realidade (lançando-se mão de ferramentas teológicas, filosóficas e científicas); julgar – refletir sobre os problemas da realidade e construir juízos éticos; agir – inserção consciente e consequente na realidade para transformá-la.
Essa era uma proposta que coincidia com a recomendação de Karl Barth, segundo a qual o cristão deveria andar sempre com uma Bíblia debaixo de um braço e um jornal do dia debaixo do outro. O cristão como ponte permanente entre revelação de Deus e a problemática humana.
A Teologia da Libertação nos deixou a preciosa lição da Teoria das Mediações: precisamos da mediação das ciências humanas para compreender a realidade e precisamos da mediação das organizações sociais para mudar a realidade.

Obstáculos à razão
Há fortíssimos obstáculos a esse exercício maduro da razão cristã: a) o etnocentrismo- a tendência de ver o mundo e a história a partir do nosso tempo e lugar; b) o tradicionalismo- o dogma, a denominação ou a corrente teológica como cadeias aprisionadas do livre exame; c) a ignorância- a indigência de informações necessárias; d) a insegurança- a dor do pensar, o medo das consequências do pensar, a fixação a estágios infantis da fé, o medo preço social; e) as psocipatologias- neuroses, psicoses “espiritualizadas” que povoam as nossas igrejas.
Vivem os cristãos dos nossos dias as fugas antiintelectualismo: a) a fuga do literalismo- textos considerados “evidentes por si mesmos”, a sacralização dos óculos, a arrogância farisaica, a intolerância, o julgamento, a inquisição, o moralismo, o legalismo, sistemas fechados geradores de personalidades rígidas, de afetividade irresolvida; b) o misticismo- a profusão de revelações e interpretações privadas, instituições, vozes interiores ou exteriores, visões e sonhos, profecias particulares. O egocentrismo espiritual, tantas vezes descolado da Palavra e colado às alucinações e à histeria.
O fenômeno ideológico resulta no aprisionamento da mente dos cristãos pelos sistemas deste mundo (políticos, econômicos, sociais, culturais), legitimando-os, deixando de apontar para o reino de Deus e para a construção histórica de utopias possíveis.
O santo – ensinam culturas orientais – é também um sábio, um sadio e um salvo.
“Crer é também pensar” é a esquecida advertência de um grande teólogo dos nossos tempos.
No caos da irracionalidade mórbida e do emocionalismo desvairado que estão destruindo o cristianismo, devemos, com vigor, afirmar que o não-pensar é um ato de desobediência e de pecado (Rm 12.2).
- Robinson Cavalcanti (1944-2012) foi bispo da Diocese Anglicana do Recife. Autor de Cristianismo e Política - Teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo - Desafios a uma fé engajada pela Ultimato.
(Resumo do seminário apresentado no XV Congresso VINDE para Pastores e Líderes, realizado de 6 a 9 de outubro de 1998, em Serra Negra, SP.)
Artigo publicado originalmente na edição 256 de Ultimato.
Imagem: Unsplash.
REVISTA ULTIMATO – JESUS, A LUZ DO MUNDOJesus, o clímax da narrativa da redenção, é a luz do mundo. Não há luz que se compare a ele. Sua luz alcança todo o mundo.
Além de anunciar-se como Luz, Jesus declara que os seus seguidores são a luz do mundo. “Pois Deus que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele mesmo brilhou em nosso coração para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo” (2Co 4.6).
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» O Caminho do Coração – Meditações diárias, Ricardo Barbosa
» Cristianismo e Política – Teoria bíblica e prática histórica, Robinson Cavalcanti
Foi bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada. Faleceu no dia 26 de fevereiro de 2012 em Olinda (PE).
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