Opinião
29 de abril de 2025- Visualizações: 3245
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Melhor, maior e mais tangível
Ainda que os homens voltassem a errar, teriam um lugar seguro para recorrer: ao Nome de Jesus
Por Rebeca Sousa
Por favor, deixe-nos ir com você, a qualquer lugar... – Implorou Susana.
– Bem... – E Aslam pareceu refletir. – Vou gostar de ter amigos esta noite. Podem vir… desde que me prometam parar quando eu lhes disser, e me deixem depois continuar sozinho.¹
Naquela noite tão estranha, Lúcia observou que Aslam caminhava mais lentamente que o normal. “Sua cabeça real ia tão baixa que o nariz quase roçava a relva” (Lewis, p. 169). Ao questionarem o que estava havendo, Aslam apenas disse que se sentia triste e só. No momento em que pisaram em Nárnia, ele foi apresentado como “o verdadeiro Senhor dos Bosques, o rei” (p. 137). Agora, o Leão demonstrava uma tristeza descomunal. Aquele que é sempre forte exibia uma tristeza desconcertante. E ela não era sem motivo.
De repente, surge no horizonte a Mesa de Pedra. Foi esse o momento em que o Leão se despediu de suas amigas.
As Pevensie choraram copiosamente, agarraram Aslam e cheiraram sua juba. Depois, sozinho – sem mais ninguém –, Aslam subiu a encosta da montanha, onde uma imensa multidão o esperava. Ao avistá-lo, a Feiticeira Branca exclama: “Louco! O louco está chegando!”.
Lúcia e Susana, suas amigas, com expectativa, esperaram o rugido de Aslam e o seu ataque diante daquela injúria. Todavia, o Rei não abriu a boca; agiu como um cordeiro levado ao matadouro (Is 53.7). Sua juba foi cortada, e amarrado, ouviu o riso mesquinho de seus assassinos. Se viu rodeado por uma horda infernal que lhe batia, lhe cuspia, lhe dava pontapés, insultavam-no. Arrastado na Mesa de Pedra, tudo se fez silêncio, a não ser pelo som de um facão sendo afiado.
As trevas cobriam Nárnia. Tudo estava escuro (Lewis, p. 169).
Lúcia e Susana, apavoradas, viram a Feiticeira Branca se aproximar do Leão. Aquela era a impostora que dirigia perversamente Nárnia e transformava os seus habitantes em estátuas quando bem queria. Com ela no trono, tudo era sem vida. Seu rosto vibrava de alegria e de ódio. O dele, sempre calmo, olhava para o céu. Ele não estava com medo ou com raiva, apenas triste (Lewis, p. 171). Aslam sabia que estava ali para levar sobre si a traição que não cometera (Lewis, p. 165). A Magia Profunda assim dizia: “Aquele que trair deve pagar com sangue e a sua decisão final seria levar sobre si o erro que não era dele, justamente para livrar o culpado.
Quem venceu, afinal? Louco! Pensava com isso poder redimir a traição da criatura humana?! Vou matá-lo, no lugar do humano, para sossegar a Magia Profunda como combinamos. […] Consciente disso, desespere e morra.
O facão tirou dos olhos do Leão a chama da vida. Após o sacrifício doloroso, quando todos os perversos algozes de Aslam se foram, Susana e Lúcia foram para a Mesa de Pedra. Beijaram o seu rosto frio e choraram amargamente até não terem mais forças.

O choro parou por um momento, mas quando as duas amigas do Leão olharam uma para a outra, lembraram-se do sofrimento de seu Amigo e se puseram a chorar novamente. Limparam o sangue, choraram, removeram a espuma, choraram e assim foi.
Desejavam ficar ali por horas e horas, mas começaram a sentir frio e decidiram se afastar.
De repente, ouviram um grande barulho. Imediatamente pensaram que os vilões haviam voltado para fazer mais maldades. Susana teve medo de olhar, mas Lúcia, sempre destemida, resolveu averiguar a situação, levando consigo sua irmã. O sol havia nascido, e com ele, voltaram as cores. As sombras haviam ido embora, mas algo chamou a atenção: a Mesa de Pedra estava partia e Aslam havia sumido.
- Poderiam ao menos ter deixado o corpo em paz. — Choramingou Susana.
- Mas que coisa é essa? Ainda será magia?
- Magia, sim! — disse uma voz forte, pertinho delas. — Ainda é magia.
(Lewis, p. 174).
C. S. Lewis descreve a cena assim: “Iluminado pelo sol nascente, maior do que antes, Aslam sacudia a juba”. A Feiticeira Branca, aquela que se dizia a rainha de Nárnia, até poderia conhecer a Magia Profunda, mas não sabia que havia outra magia mais profunda ainda. O que ela não contava era que, quando uma vítima inocente de traição fosse executada no lugar de um traidor, a própria morte começaria a andar para trás.
Lúcia e Susana haviam reencontrado o seu amigo. Aslam deu uma lambida na testa de Susana para provar que estava bem (Lewis, p. 175). O calor do carinho garantiu: o seu Amigo, forte como um furacão e com esplendor de rei, estava muito vivo.
Após isso, Aslam foi rever o seu povo. O governo cruel da Feiticeira Branca havia formado diversas vítimas, diversos narnianos petrificados decorando o seu jardim. Dirigindo-se ao palácio da feiticeira, de um a um, o Leão soprou do seu fôlego nas estátuas. Os animais e criaturas despertavam de seu sono aos bocejos e, ao virem Aslam, imediatamente davam pulos de pura felicidade, lambendo o rosto do Rei e abraçando ao seu redentor. Ali, os resgatou do domínio das trevas e inseriu-os num reino de amor, não mais de opressão e perversidade.
E as estátuas voltaram à vida por todos os lados. O pátio já não parecia mais um museu: era um jardim zoológico. Seres de todos os tamanhos, de todas as formas, corriam atrás de Aslam, dançando em torno dele. Desaparecera a brancura de morte: o pátio era festival de cores. (Lewis, p. 177).
Neste mundo
O nosso próprio mundo já assistiu uma história melhor, maior e mais tangível do que aquela.
Não muito tempo atrás, o nazareno levou sobre si um madeiro cruel. Aquele que é sempre forte vivenciou um horror desconcertante. E ele não era sem motivo. Como um cordeiro, não ofendeu os seus ofensores: ele ergueu seus olhos, nem com medo, nem com raiva, para o céu e disse: “Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem” (Lc 23.34). O nosso Amigo foi rodeado por uma horda infernal que lhe batia, lhe cuspia, lhe dava pontapés, insultavam-no.
Descalço, caminhou um longo e tortuoso desfile de zombaria e vergonha. Sobressaltado com inúmeras dores, foi coroado com espinhos grossos que penetraram sua pele e batizaram sua face com mais e mais sangue.
Arrastado até a cruz, não houve silêncio quando um dos vilões atravessou seu corpo com uma lança afiada (Jo 19.34). A multidão, furiosa, dirigia palavras cruéis ao Autor da vida. Sua roupa foi retirada e sorteada (Mc 15.24) e, amarrado à áspera cruz por grossos pregos que lesaram ainda mais seu corpo, ouviu o riso mesquinho de seus assassinos (Lc 23.33-43).
A razão de seu doloroso sacrifício era a redenção das criaturas humanas, petrificadas como estátuas pela ação do seu mais antigo Inimigo. O pecado endureceu o coração daquele povo, deixando-o tão rígido como uma rocha. As pessoas viviam segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência (Ef 2.1–10). Somente um sacrifício perfeito poderia reverter a situação, pois uma antiga escritura dizia: se Ele os libertar, vocês de fato serão livres (Jo 8.36).
A terra foi coberta por trevas. Tudo estava escuro (Mc 15.33–34). O sol escondeu a sua face da crueldade que estava sendo feita. Após horas de tortura, o Cristo anunciou: “Está consumado!”, curvou a cabeça e entregou o espírito (Jo 19.28–30). Naquele instante, alguma coisa uma história melhor, maior e mais tangível do que a Magia Profunda começou a agir.
O véu do santuário rasgou-se em duas partes e a terra tremeu (Mt 27.51). Parecia que tudo havia sido perdido. Os amigos do nazareno, com medo, fugiram e algumas amigas do Cristo assistiam a cena com pesar, pois haviam seguido Jesus desde a Galileia para o servir (Mt 27.56).
O mal pensou ter triunfado. Posso até imaginar seus agentes gargalhando, crentes de que aquele que é o Início havia mesmo chegado ao seu fim.
Com muito pesar, o Cristo foi sepultado e, certo dia, recebia visitas de duas amigas, que guardavam a sua entrada. Imagino que não foi um momento fácil: quem nunca chorou ao perder um amigo? Imagine alguém como aquele, o próprio Messias! Elas desejavam ficar ali por horas e horas, quando ouviram um grande barulho seguido de uma notícia melhor, maior e mais tangível do que qualquer outra: “Não tenham medo! Sei que vocês estão procurando Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui; ressuscitou, como tinha dito.” (Mt 28.5–6). Depressa, as amigas saíram do túmulo para anunciar aos demais que o Rei estava vivo.
De repente, o próprio Jesus as encontrou e disse: “Salve!”. As sombras haviam ido embora e todas as cores estavam de volta. Iluminado e ainda maior do que o sol nascente, o Ungido estava vivo; a própria morte andou para trás.
Maria Madalena e Maria haviam reencontrado o seu amigo.
Cristo as abraçou (Mt 28.9) e o seu vívido calor garantiu a elas: o Messias, Deus forte e Príncipe da paz, ressuscitou. Depois dali, o Herói ressurreto foi rever o seu povo. O governo sádico de seu inimigo era muito perverso, mas o seu sacrifício reviveu os corações, de um a um, soprando, do seu próprio fôlego, vida, até os dias de hoje. O Rei resgatou o povo do domínio das trevas e o inseriu num reino de amor, e, ainda que os homens voltassem a errar, teriam um lugar seguro para recorrer: ao seu Nome (At 4.12). Esse é o nosso Senhor – melhor, maior e mais tangível que os demais senhores.

Depois disso, os humanos deixaram de ser estátuas petrificadas de acordo com a vontade do Rei. Os seus corações endurecidos foram revertidos, substituídos por corações reais (Ez 36.26–28) e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes igualmente justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou (Rm 8.30).
Por toda a terra, nunca se ouviu história igual à do Carpinteiro: alguém que deu a própria vida por causa de seus amigos (Jo 15.13) e fez a morte andar para trás. Esse é o princípio do final feliz melhor, maior e mais tangível que qualquer outro oferecido a nós.
Por toda a terra, nunca se ouviu história igual à do Carpinteiro: alguém que deu a própria vida por causa de seus amigos (Jo 15.13). Esse é o princípio do final feliz melhor, maior e mais tangível que qualquer outro oferecido a nós.
Em Jesus Cristo, pessoas de todas as gerações encontrarão o mesmo amigo precioso de sempre, que se sacrificou por nós, e a quem devemos nos dirigir nas horas escuras em nossos jardins de aflições. Ele oferecerá à alma de cada um consolo melhor, maior e mais tangível que qualquer outro.
Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?
- 1 Coríntios 15:55–56
Quem nesse mundo amor tão grande pode ter
De entregar a própria vida sem temer?
Quem já sentiu a dor de ser cravado em uma cruz
Pagando pelos erros que não cometeu?
E olhar nos olhos de quem tanto mal lhe fez
E sem ressentimento oferecer perdão
Quem pode ser melhor amigo que o Senhor
Que pelo servo a própria vida renunciou?
Quem pode ser melhor amigo que o Senhor
Que pelo servo a própria vida renunciou?
- Sérgio Lopes, O Amigo.
Nota:
1. LEWIS, C.S. As Crônicas de Nárnia. WMF Martins Fontes, 2009, p. 169.
Bibliografia
LEWIS, C.S. As Crônicas de Nárnia, editora WMF Martins Fontes, 2009.
REVISTA ULTIMATO – LIVRA-NOS DO MAL
O mal e o Maligno existem. E precisamos recorrer a Deus, o nosso Pai, por proteção.
O que sabemos sobre o mal? A que textos bíblicos recorremos para refletir e falar do assunto? Como o mal nos afeta [e como afetamos outros com o mal] e porque pedimos para sermos livres dele? Por que os cristãos e a igreja precisam levar esse assunto a sério?
É disso que trata a matéria de capa da edição 413 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Surpreendido Pela Alegria, C. S. Lewis
» O Mal e a Justiça de Deus - Mundo injusto, Deus justo?, N. T. Wright
» O Deus que Eu Não Entendo - Para compreender melhor algumas questões difíceis da fé cristã, Christopher J. H. Wright
Por Rebeca Sousa
Por favor, deixe-nos ir com você, a qualquer lugar... – Implorou Susana.– Bem... – E Aslam pareceu refletir. – Vou gostar de ter amigos esta noite. Podem vir… desde que me prometam parar quando eu lhes disser, e me deixem depois continuar sozinho.¹
Naquela noite tão estranha, Lúcia observou que Aslam caminhava mais lentamente que o normal. “Sua cabeça real ia tão baixa que o nariz quase roçava a relva” (Lewis, p. 169). Ao questionarem o que estava havendo, Aslam apenas disse que se sentia triste e só. No momento em que pisaram em Nárnia, ele foi apresentado como “o verdadeiro Senhor dos Bosques, o rei” (p. 137). Agora, o Leão demonstrava uma tristeza descomunal. Aquele que é sempre forte exibia uma tristeza desconcertante. E ela não era sem motivo.
De repente, surge no horizonte a Mesa de Pedra. Foi esse o momento em que o Leão se despediu de suas amigas.
As Pevensie choraram copiosamente, agarraram Aslam e cheiraram sua juba. Depois, sozinho – sem mais ninguém –, Aslam subiu a encosta da montanha, onde uma imensa multidão o esperava. Ao avistá-lo, a Feiticeira Branca exclama: “Louco! O louco está chegando!”.
Lúcia e Susana, suas amigas, com expectativa, esperaram o rugido de Aslam e o seu ataque diante daquela injúria. Todavia, o Rei não abriu a boca; agiu como um cordeiro levado ao matadouro (Is 53.7). Sua juba foi cortada, e amarrado, ouviu o riso mesquinho de seus assassinos. Se viu rodeado por uma horda infernal que lhe batia, lhe cuspia, lhe dava pontapés, insultavam-no. Arrastado na Mesa de Pedra, tudo se fez silêncio, a não ser pelo som de um facão sendo afiado.
As trevas cobriam Nárnia. Tudo estava escuro (Lewis, p. 169).
Lúcia e Susana, apavoradas, viram a Feiticeira Branca se aproximar do Leão. Aquela era a impostora que dirigia perversamente Nárnia e transformava os seus habitantes em estátuas quando bem queria. Com ela no trono, tudo era sem vida. Seu rosto vibrava de alegria e de ódio. O dele, sempre calmo, olhava para o céu. Ele não estava com medo ou com raiva, apenas triste (Lewis, p. 171). Aslam sabia que estava ali para levar sobre si a traição que não cometera (Lewis, p. 165). A Magia Profunda assim dizia: “Aquele que trair deve pagar com sangue e a sua decisão final seria levar sobre si o erro que não era dele, justamente para livrar o culpado.
Quem venceu, afinal? Louco! Pensava com isso poder redimir a traição da criatura humana?! Vou matá-lo, no lugar do humano, para sossegar a Magia Profunda como combinamos. […] Consciente disso, desespere e morra.
O facão tirou dos olhos do Leão a chama da vida. Após o sacrifício doloroso, quando todos os perversos algozes de Aslam se foram, Susana e Lúcia foram para a Mesa de Pedra. Beijaram o seu rosto frio e choraram amargamente até não terem mais forças.

O choro parou por um momento, mas quando as duas amigas do Leão olharam uma para a outra, lembraram-se do sofrimento de seu Amigo e se puseram a chorar novamente. Limparam o sangue, choraram, removeram a espuma, choraram e assim foi.
Desejavam ficar ali por horas e horas, mas começaram a sentir frio e decidiram se afastar.
De repente, ouviram um grande barulho. Imediatamente pensaram que os vilões haviam voltado para fazer mais maldades. Susana teve medo de olhar, mas Lúcia, sempre destemida, resolveu averiguar a situação, levando consigo sua irmã. O sol havia nascido, e com ele, voltaram as cores. As sombras haviam ido embora, mas algo chamou a atenção: a Mesa de Pedra estava partia e Aslam havia sumido.
- Poderiam ao menos ter deixado o corpo em paz. — Choramingou Susana.
- Mas que coisa é essa? Ainda será magia?
- Magia, sim! — disse uma voz forte, pertinho delas. — Ainda é magia.
(Lewis, p. 174).
C. S. Lewis descreve a cena assim: “Iluminado pelo sol nascente, maior do que antes, Aslam sacudia a juba”. A Feiticeira Branca, aquela que se dizia a rainha de Nárnia, até poderia conhecer a Magia Profunda, mas não sabia que havia outra magia mais profunda ainda. O que ela não contava era que, quando uma vítima inocente de traição fosse executada no lugar de um traidor, a própria morte começaria a andar para trás.
Lúcia e Susana haviam reencontrado o seu amigo. Aslam deu uma lambida na testa de Susana para provar que estava bem (Lewis, p. 175). O calor do carinho garantiu: o seu Amigo, forte como um furacão e com esplendor de rei, estava muito vivo.
Após isso, Aslam foi rever o seu povo. O governo cruel da Feiticeira Branca havia formado diversas vítimas, diversos narnianos petrificados decorando o seu jardim. Dirigindo-se ao palácio da feiticeira, de um a um, o Leão soprou do seu fôlego nas estátuas. Os animais e criaturas despertavam de seu sono aos bocejos e, ao virem Aslam, imediatamente davam pulos de pura felicidade, lambendo o rosto do Rei e abraçando ao seu redentor. Ali, os resgatou do domínio das trevas e inseriu-os num reino de amor, não mais de opressão e perversidade.
E as estátuas voltaram à vida por todos os lados. O pátio já não parecia mais um museu: era um jardim zoológico. Seres de todos os tamanhos, de todas as formas, corriam atrás de Aslam, dançando em torno dele. Desaparecera a brancura de morte: o pátio era festival de cores. (Lewis, p. 177).
Neste mundo
O nosso próprio mundo já assistiu uma história melhor, maior e mais tangível do que aquela.
Não muito tempo atrás, o nazareno levou sobre si um madeiro cruel. Aquele que é sempre forte vivenciou um horror desconcertante. E ele não era sem motivo. Como um cordeiro, não ofendeu os seus ofensores: ele ergueu seus olhos, nem com medo, nem com raiva, para o céu e disse: “Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem” (Lc 23.34). O nosso Amigo foi rodeado por uma horda infernal que lhe batia, lhe cuspia, lhe dava pontapés, insultavam-no.
Descalço, caminhou um longo e tortuoso desfile de zombaria e vergonha. Sobressaltado com inúmeras dores, foi coroado com espinhos grossos que penetraram sua pele e batizaram sua face com mais e mais sangue.
Arrastado até a cruz, não houve silêncio quando um dos vilões atravessou seu corpo com uma lança afiada (Jo 19.34). A multidão, furiosa, dirigia palavras cruéis ao Autor da vida. Sua roupa foi retirada e sorteada (Mc 15.24) e, amarrado à áspera cruz por grossos pregos que lesaram ainda mais seu corpo, ouviu o riso mesquinho de seus assassinos (Lc 23.33-43).
A razão de seu doloroso sacrifício era a redenção das criaturas humanas, petrificadas como estátuas pela ação do seu mais antigo Inimigo. O pecado endureceu o coração daquele povo, deixando-o tão rígido como uma rocha. As pessoas viviam segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência (Ef 2.1–10). Somente um sacrifício perfeito poderia reverter a situação, pois uma antiga escritura dizia: se Ele os libertar, vocês de fato serão livres (Jo 8.36).
A terra foi coberta por trevas. Tudo estava escuro (Mc 15.33–34). O sol escondeu a sua face da crueldade que estava sendo feita. Após horas de tortura, o Cristo anunciou: “Está consumado!”, curvou a cabeça e entregou o espírito (Jo 19.28–30). Naquele instante, alguma coisa uma história melhor, maior e mais tangível do que a Magia Profunda começou a agir.
O véu do santuário rasgou-se em duas partes e a terra tremeu (Mt 27.51). Parecia que tudo havia sido perdido. Os amigos do nazareno, com medo, fugiram e algumas amigas do Cristo assistiam a cena com pesar, pois haviam seguido Jesus desde a Galileia para o servir (Mt 27.56).
O mal pensou ter triunfado. Posso até imaginar seus agentes gargalhando, crentes de que aquele que é o Início havia mesmo chegado ao seu fim.
Com muito pesar, o Cristo foi sepultado e, certo dia, recebia visitas de duas amigas, que guardavam a sua entrada. Imagino que não foi um momento fácil: quem nunca chorou ao perder um amigo? Imagine alguém como aquele, o próprio Messias! Elas desejavam ficar ali por horas e horas, quando ouviram um grande barulho seguido de uma notícia melhor, maior e mais tangível do que qualquer outra: “Não tenham medo! Sei que vocês estão procurando Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui; ressuscitou, como tinha dito.” (Mt 28.5–6). Depressa, as amigas saíram do túmulo para anunciar aos demais que o Rei estava vivo.
De repente, o próprio Jesus as encontrou e disse: “Salve!”. As sombras haviam ido embora e todas as cores estavam de volta. Iluminado e ainda maior do que o sol nascente, o Ungido estava vivo; a própria morte andou para trás.
Maria Madalena e Maria haviam reencontrado o seu amigo.
Cristo as abraçou (Mt 28.9) e o seu vívido calor garantiu a elas: o Messias, Deus forte e Príncipe da paz, ressuscitou. Depois dali, o Herói ressurreto foi rever o seu povo. O governo sádico de seu inimigo era muito perverso, mas o seu sacrifício reviveu os corações, de um a um, soprando, do seu próprio fôlego, vida, até os dias de hoje. O Rei resgatou o povo do domínio das trevas e o inseriu num reino de amor, e, ainda que os homens voltassem a errar, teriam um lugar seguro para recorrer: ao seu Nome (At 4.12). Esse é o nosso Senhor – melhor, maior e mais tangível que os demais senhores.

Depois disso, os humanos deixaram de ser estátuas petrificadas de acordo com a vontade do Rei. Os seus corações endurecidos foram revertidos, substituídos por corações reais (Ez 36.26–28) e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes igualmente justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou (Rm 8.30).
Por toda a terra, nunca se ouviu história igual à do Carpinteiro: alguém que deu a própria vida por causa de seus amigos (Jo 15.13) e fez a morte andar para trás. Esse é o princípio do final feliz melhor, maior e mais tangível que qualquer outro oferecido a nós.
Por toda a terra, nunca se ouviu história igual à do Carpinteiro: alguém que deu a própria vida por causa de seus amigos (Jo 15.13). Esse é o princípio do final feliz melhor, maior e mais tangível que qualquer outro oferecido a nós.
Em Jesus Cristo, pessoas de todas as gerações encontrarão o mesmo amigo precioso de sempre, que se sacrificou por nós, e a quem devemos nos dirigir nas horas escuras em nossos jardins de aflições. Ele oferecerá à alma de cada um consolo melhor, maior e mais tangível que qualquer outro.
Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?
- 1 Coríntios 15:55–56
Quem nesse mundo amor tão grande pode ter
De entregar a própria vida sem temer?
Quem já sentiu a dor de ser cravado em uma cruz
Pagando pelos erros que não cometeu?
E olhar nos olhos de quem tanto mal lhe fez
E sem ressentimento oferecer perdão
Quem pode ser melhor amigo que o Senhor
Que pelo servo a própria vida renunciou?
Quem pode ser melhor amigo que o Senhor
Que pelo servo a própria vida renunciou?
- Sérgio Lopes, O Amigo.
Nota:
1. LEWIS, C.S. As Crônicas de Nárnia. WMF Martins Fontes, 2009, p. 169.
Bibliografia
LEWIS, C.S. As Crônicas de Nárnia, editora WMF Martins Fontes, 2009.
- Rebeca Sousa é teóloga pernambucana, escritora de ficção cristã e especialista em teologia bíblica e exegética em Novo Testamento.
REVISTA ULTIMATO – LIVRA-NOS DO MAL O mal e o Maligno existem. E precisamos recorrer a Deus, o nosso Pai, por proteção.
O que sabemos sobre o mal? A que textos bíblicos recorremos para refletir e falar do assunto? Como o mal nos afeta [e como afetamos outros com o mal] e porque pedimos para sermos livres dele? Por que os cristãos e a igreja precisam levar esse assunto a sério?
É disso que trata a matéria de capa da edição 413 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Surpreendido Pela Alegria, C. S. Lewis
» O Mal e a Justiça de Deus - Mundo injusto, Deus justo?, N. T. Wright
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