Opinião
- 10 de outubro de 2018
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Como a igreja pode ajudar na causa dos que sofrem com doenças mentais
Por Maria Aparecida Antão
Instituído como o “Dia Mundial da Saúde Mental” em 1992, pela Federação Mundial de Saúde Mental, 10 de outubro é uma data relevante para a psicologia enquanto ciência e profissão.
Cuidar e intervir positivamente para a existência da “qualidade de vida cognitiva e emocional” do ser humano é função dos profissionais “psi”. Neste sentido, a interlocução da psiquiatria (saber médico sobre os transtornos mentais) e da psicologia clínica (saber técnico/científico aplicado ao tratamento das disfunções cognitivas, adaptativas e emocionais do ser humano) integra o discurso e as políticas de saúde do Brasil contemporâneo.
Se, de forma abrangente, a educação historicamente reconheceu a importância da psicologia, e ao longo dos anos outros segmentos da sociedade também passaram a reconhecer, o que poderia ser dito deste reconhecimento pela religião?
O Estado laico moderno, garantido pela nossa Constituição, não compreende a existência de um Estado ateu e afastado da religião. Pelo contrário, o crescimento exponencial das religiões na sociedade brasileira e, em especial, o crescimento significativo dos evangélicos, impõe a necessidade de se construir um novo tipo de intercessão. A proposta é a construção de diálogos entre a psiquiatria, a psicologia e a religião.
De acordo com Reinaldo Junior, membro da Comissão de Psicologia, Laicidade, Espiritualidade, Religião e Outros Saberes, criada em 2017 pelo CRP/MG, existe uma dificuldade dos psicólogos em lidar com esta temática, sobretudo porque não existe na grade curricular de formação destes profissionais a cadeira de psicologia das religiões. Também não se apresenta esta discussão em outros fóruns da formação profissional. Sendo assim, reconhecer os vários vieses que existem entre o indivíduo, o sagrado e a espiritualidade torna-se um desafio para a psicologia, tanto no que diz respeito ao tratamento científico quanto à produção de conhecimento específico sobre o assunto.
O começo do diálogo é levar ao conhecimento das instituições ligadas às religiões a nomenclatura que define o “sofrimento psíquico”. Se até 1989 a terminologia era a existência de “doenças mentais”, a décima revisão do Código Internacional de Doenças (1989/1990), que aprovou o CID-10, destituiu o termo “doenças” dando lugar ao termo “transtornos mentais” para nomear e classificar os dados de morbidade psíquica da população.
Por se tratar da existência de alguns fenômenos que não se evidenciam de imediato tal como geralmente ocorre nas doenças do corpo, é necessária a intervenção de profissionais tecnicamente capacitados a identificar os sinais, os sintomas, as queixas e até mesmo as circunstâncias sócio afetivas que representem a existência destes transtornos disfuncionais, que resultam na quebra do processo e qualidade de vida dos indivíduos.
Diante destes esclarecimentos sinteticamente descritos, retornamos à pergunta inicial: a igreja pode ou não ajudar na causa dos que sofrem com doenças mentais?
A resposta é complexa e jamais poderia ser reduzida a um sim ou não. Geralmente o que se observa é que antes de procurar um profissional especializado, muitos indivíduos que possuem vínculos religiosos e de fé buscam alívio para seu sofrimento dentro do âmbito das igrejas, congregações, grupos e outros espaços de prática da espiritualidade a que estejam vinculados. É neste momento que algo crucial pode ou não acontecer para favorecer ou adiar a intervenção adequada e necessária.
Líderes religiosos mais atentos para o que pode fazer a ciência no tratamento daquilo que vai além do alívio proporcionado pela fé, podem acolher aqueles que os procuram, mas, de forma sensata, irão direcioná-los ao profissional adequado a tratar do sofrimento psíquico. Aqueles que assim não procedem estarão, de forma consciente ou não, apenas contribuindo para o aprofundamento do sofrimento e agravamento dos transtornos. Neste caso, as consequências podem ser trágicas, e vão do agravamento dos sintomas a, na pior das hipóteses, lançar os indivíduos em labirintos sem saída. A repercussão vai além do universo pessoal e também atinge as relações dos que os cercam.
Então, a resposta adequada a esta questão é: à religião cabe cuidar e tratar dos fenômenos ligados à vivência, conhecimento e desenvolvimento da espiritualidade. Sobre os fenômenos psíquicos cabe à religião reconhecê-los e, identificando a sua impotência para tratamento, admitir a necessidade de encaminhamento para os campos de saber compatíveis ao tratamento.
Nota
Fontes auxiliares para a produção deste artigo: Jornal da Psicologia, CRP/MG, jun/2017 e Revista Psicologia: Ciencia e Profissão, número especial, comemorativo dos 30 anos de edição, CFP-Brasília-Distrito Federal/Brasil, 2010.
• Maria Aparecida Antão, psicóloga clínica, especialista em Psicanálise, Saúde Pública e Saúde Mental e Trabalho. Membro da Igreja Batista da Redenção, BH/MG.
Leia mais
» Os cristãos e a reforma psiquiátrica
Instituído como o “Dia Mundial da Saúde Mental” em 1992, pela Federação Mundial de Saúde Mental, 10 de outubro é uma data relevante para a psicologia enquanto ciência e profissão.
Cuidar e intervir positivamente para a existência da “qualidade de vida cognitiva e emocional” do ser humano é função dos profissionais “psi”. Neste sentido, a interlocução da psiquiatria (saber médico sobre os transtornos mentais) e da psicologia clínica (saber técnico/científico aplicado ao tratamento das disfunções cognitivas, adaptativas e emocionais do ser humano) integra o discurso e as políticas de saúde do Brasil contemporâneo.
Se, de forma abrangente, a educação historicamente reconheceu a importância da psicologia, e ao longo dos anos outros segmentos da sociedade também passaram a reconhecer, o que poderia ser dito deste reconhecimento pela religião?
O Estado laico moderno, garantido pela nossa Constituição, não compreende a existência de um Estado ateu e afastado da religião. Pelo contrário, o crescimento exponencial das religiões na sociedade brasileira e, em especial, o crescimento significativo dos evangélicos, impõe a necessidade de se construir um novo tipo de intercessão. A proposta é a construção de diálogos entre a psiquiatria, a psicologia e a religião.
De acordo com Reinaldo Junior, membro da Comissão de Psicologia, Laicidade, Espiritualidade, Religião e Outros Saberes, criada em 2017 pelo CRP/MG, existe uma dificuldade dos psicólogos em lidar com esta temática, sobretudo porque não existe na grade curricular de formação destes profissionais a cadeira de psicologia das religiões. Também não se apresenta esta discussão em outros fóruns da formação profissional. Sendo assim, reconhecer os vários vieses que existem entre o indivíduo, o sagrado e a espiritualidade torna-se um desafio para a psicologia, tanto no que diz respeito ao tratamento científico quanto à produção de conhecimento específico sobre o assunto.
O começo do diálogo é levar ao conhecimento das instituições ligadas às religiões a nomenclatura que define o “sofrimento psíquico”. Se até 1989 a terminologia era a existência de “doenças mentais”, a décima revisão do Código Internacional de Doenças (1989/1990), que aprovou o CID-10, destituiu o termo “doenças” dando lugar ao termo “transtornos mentais” para nomear e classificar os dados de morbidade psíquica da população.
Por se tratar da existência de alguns fenômenos que não se evidenciam de imediato tal como geralmente ocorre nas doenças do corpo, é necessária a intervenção de profissionais tecnicamente capacitados a identificar os sinais, os sintomas, as queixas e até mesmo as circunstâncias sócio afetivas que representem a existência destes transtornos disfuncionais, que resultam na quebra do processo e qualidade de vida dos indivíduos.
Diante destes esclarecimentos sinteticamente descritos, retornamos à pergunta inicial: a igreja pode ou não ajudar na causa dos que sofrem com doenças mentais?
A resposta é complexa e jamais poderia ser reduzida a um sim ou não. Geralmente o que se observa é que antes de procurar um profissional especializado, muitos indivíduos que possuem vínculos religiosos e de fé buscam alívio para seu sofrimento dentro do âmbito das igrejas, congregações, grupos e outros espaços de prática da espiritualidade a que estejam vinculados. É neste momento que algo crucial pode ou não acontecer para favorecer ou adiar a intervenção adequada e necessária.
Líderes religiosos mais atentos para o que pode fazer a ciência no tratamento daquilo que vai além do alívio proporcionado pela fé, podem acolher aqueles que os procuram, mas, de forma sensata, irão direcioná-los ao profissional adequado a tratar do sofrimento psíquico. Aqueles que assim não procedem estarão, de forma consciente ou não, apenas contribuindo para o aprofundamento do sofrimento e agravamento dos transtornos. Neste caso, as consequências podem ser trágicas, e vão do agravamento dos sintomas a, na pior das hipóteses, lançar os indivíduos em labirintos sem saída. A repercussão vai além do universo pessoal e também atinge as relações dos que os cercam.
Então, a resposta adequada a esta questão é: à religião cabe cuidar e tratar dos fenômenos ligados à vivência, conhecimento e desenvolvimento da espiritualidade. Sobre os fenômenos psíquicos cabe à religião reconhecê-los e, identificando a sua impotência para tratamento, admitir a necessidade de encaminhamento para os campos de saber compatíveis ao tratamento.
Nota
Fontes auxiliares para a produção deste artigo: Jornal da Psicologia, CRP/MG, jun/2017 e Revista Psicologia: Ciencia e Profissão, número especial, comemorativo dos 30 anos de edição, CFP-Brasília-Distrito Federal/Brasil, 2010.
• Maria Aparecida Antão, psicóloga clínica, especialista em Psicanálise, Saúde Pública e Saúde Mental e Trabalho. Membro da Igreja Batista da Redenção, BH/MG.
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