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Opinião

A igreja precisa de artistas

A arte como parte do discipulado e da missão da igreja no mundo

Por Medson Barreto

A fé cristã não se reduz à compreensão intelectual; ela envolve desejo. Jesus convoca seus discípulos a um amor absoluto e prioritário: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10.37). Esse amor integral — com todo o coração, alma, entendimento e força (Mc 12.30) — exige a entrega de todo o ser, inclusive da sensibilidade estética, ou seja, da maneira como percebemos e reagimos ao que vemos, ouvimos e sentimos. Desejamos aquilo que imaginamos e que toca nossos afetos e sentidos. Por isso, o amor a Deus precisa ser cultivado com intencionalidade: ele não brota de modo automático, mas nasce de uma formação cuidadosa da imaginação.

No cotidiano, somos influenciados pelas expressões artísticas que nos cercam. As músicas que ouvimos, os livros que lemos, os filmes e séries que assistimos, os conteúdos que consumimos nas redes sociais — tudo isso contribui para formar nossa cosmovisão. Sem percebermos, vamos sendo moldados em nossos afetos, aprendendo o que devemos amar, temer ou valorizar. É por isso que a arte não pode ser reduzida a um adorno para o culto ou a um recurso para atrair jovens. Ela exerce um papel formativo, pois atua no campo da sensibilidade, no qual o desejo é despertado e o olhar é educado. Ignorar isso é deixar a formação do imaginário cristão vulnerável a outras narrativas culturais.

As Escrituras Sagradas não se apresentam como um manual técnico ou um tratado abstrato. Elas nos formam por meio da beleza. Seus textos são carregados de símbolos, imagens e poesia. Os salmos exaltam a criação com palavras que despertam assombro e encantamento: "Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos" (Sl 19.1). Em Isaías 40, Deus é apresentado como Aquele que mede as águas na concha da mão, pesa os montes em balança e chama as estrelas pelo nome. Essa linguagem poética não apenas transmite uma mensagem, mas desperta os sentidos e amplia nossa imaginação, nos conduzindo a uma contemplação profunda da majestade e beleza divina.

Jesus também utiliza a arte como meio pedagógico. A maior parte de suas pregações foi por meio de parábolas, convidando o ouvinte não apenas a refletir em conceitos teológicos, mas a imaginar cenários, personagens e situações. O apóstolo Paulo, mesmo em textos doutrinários, como em Colossenses 1, recorre a estruturas poéticas para exaltar a centralidade de Cristo: "Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação. Pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis..." (Cl 1.15-16). As visões apocalípticas de João nos conduzem por uma galeria de imagens simbólicas, que envolvem todos os nossos sentidos. A revelação bíblica, portanto, exige uma imaginação cultivada e uma sensibilidade afinada.

Uma igreja comprometida com a formação integral dos discípulos precisa atentar não apenas para o conteúdo da mensagem, mas a forma como ela é transmitida e percebida. Os espaços de culto, a liturgia, o ambiente e os elementos visuais participam do discipulado tanto quanto a própria pregação. Tudo comunica: a escolha das músicas, a tonalidade das cores, a arquitetura, os símbolos presentes (ou ausentes). Essa comunicação simbólica molda o coração da comunidade, educando seus afetos e direcionando sua imaginação para aquilo que considera belo, verdadeiro e digno de devoção.



É nesse contexto que se insere o conceito de discipulado estético, proposto por Eric Rodrigues, artista plástico, reverendo anglicano e bispo da Rede Episcopal Brasileira. Ele defende que discipular também significa ensinar a ver e a sentir. Não se trata de adaptar a igreja ao gosto contemporâneo, mas de reconhecer que a dimensão estética também é essencial para a vida cristã. Uma estética intencional pode educar nossos sentidos e nossos afetos para uma adoração verdadeira, profunda e consciente da presença de Deus.

Esse discipulado estético, porém, não pode se restringir ao espaço litúrgico. Ele deve ultrapassar as paredes do templo e alcançar a vida cotidiana. A igreja precisa ser um lugar que desperte vocações diversas e encoraje seus membros a compreenderem sua responsabilidade cultural, inclusive nas artes. Isso significa formar artistas que compreendam seu ofício como parte da missão de Deus no mundo. Músicos, cineastas, atores, escritores, pintores, escultores, arquitetos, designers: todos são chamados a expressar a beleza, a verdade e a justiça de Deus através de sua arte.

O artista cristão é mais do que um criador de ornamentos ou entretenimento. Ele atua como guardião do imaginário da comunidade de fé, preservando e renovando símbolos, imagens e narrativas que expressam a verdade do Evangelho. Seu trabalho amplia a percepção da realidade, resiste ao pragmatismo reducionista e reativa a capacidade humana de maravilhar-se. Por isso, sua função é essencialmente espiritual: ele ajuda a comunidade a perceber o mundo como dádiva, a lamentar as dores da queda, a celebrar a redenção em Cristo e a desejar aquilo que é eterno.

Produzir arte para a igreja exige maturidade espiritual, discernimento teológico e responsabilidade pastoral. A estética do culto não pode ser fruto de improviso ou preferência pessoal, ela deve refletir a glória de Deus, comunicar o evangelho com fidelidade e contribuir para a adoração comunitária. Da mesma forma, a atuação artística do cristão na sociedade demanda ousadia, consistência teológica e senso de missão. Por isso, o artista precisa de uma comunidade que o apoie, ofereça críticas construtivas e lhe conceda liberdade criativa — não o tratando como um mero prestador de serviço, mas reconhecendo-o como alguém vocacionado.

Uma igreja que acolhe seus artistas, que reconhece a importância da imaginação e da sensibilidade estética, torna-se mais encarnada na realidade, mais sensível e mais fiel ao Deus que criou todas as coisas com beleza. Ela aprende a ver com mais profundidade, e, assim, a amar de forma mais completa. A arte torna-se, então, não uma distração ou um luxo periférico, mas uma expressão legítima da espiritualidade cristã e um instrumento indispensável para o discipulado e a missão.

***
Este texto foi inspirado pela conversa que tivemos com o bispo Eric Rodrigues no Vitral Podcast, disponível no Spotify, YouTube e demais plataformas.

Assista ao episódio Por que a estética importa? completa no canal do Vitral Podcast. Acesse aqui.
  • Medson Barreto, artista e escritor.
Imagem: Eric Rodrigues

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