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Opinião

Um profeta para o nosso tempo

Por Ricardo Barbosa de Sousa

Uma semana antes da morte trágica de Robinson e Miriam Cavalcanti, sua esposa, conversava com um amigo e comentei com ele que as duas pessoas que gostaria que tivessem uma vida longa eram o Dr. James Houston e Dom Robinson Cavalcanti. Ambos, cada um a seu modo, possuíam um conhecimento e sabedoria bastante raros nos dias de hoje. Perguntava ao meu amigo: quem poderia, de alguma forma, substitui-los? O Dr. James Houston completou 99 anos em novembro de 2021 e nosso querido bispo faleceu em 2012, aos 67 anos de idade. Num cenário polarizado e confuso como o que vivemos hoje, sinto muito a falta dele. Como gostaria de ouvi-lo comentando e nos ajudando a entender o momento que vivemos. 
 
Logo após sua morte, escrevi um pequeno texto sobre o imenso legado de Robinson Cavalcanti. Comentei naquele artigo que sempre fui muito cauteloso. Venho de uma formação bastante conservadora. Reconheço minha dificuldade de me aventurar em territórios novos. Porém, D. Robinson foi um guia habilidoso que me ajudou a pensar, questionar e, muitas vezes, mudar de opinião sem transigir meus valores e convicções. Nunca o vi agindo ou falando irresponsavelmente. Provocando pelo simples prazer de provocar. Sua disposição honesta para conversar e debater o que quer que seja, sempre me deu segurança. 
 
Uma lembrança singela que carrego comigo e que descreve o jeito que Robinson Cavalcanti me influenciou aconteceu no Congresso de Lausanne em 2010, na Cidade do Cabo, África do Sul. Um dos momentos que eu aguardava com grande expectativa era, ao final da programação de cada dia, chegar no hotel e, junto com outros colegas numa mesa do restaurante, pedíamos alguma coisa para comer, e ficávamos ali ouvindo os comentários dele sobre as palestras, conversas e eventos do dia. Sua capacidade de síntese, suas análises bem-humoradas, sua memória histórica, nos ajudava a entender o contexto, detalhes dos bastidores e a relação de tudo aquilo com o Brasil, e dava um brilho especial no final de cada dia, ampliando os horizontes da minha compreensão sobre a Igreja de Cristo e sua missão.
 
Dentre suas muitas virtudes, algumas me são muito caras. D. Robinson sempre foi um crítico da igreja, mas nunca deixou de amá-la e servi-la. Ele sempre creu na igreja e, mesmo tendo dedicado sua vida como um acadêmico, foi um pastor que se importava com o rebanho de Cristo. A despeito de todas as dificuldades e até perseguições que enfrentou em sua própria denominação, permaneceu nela, “reforçando as trincheiras”, sustentando a fé bíblica, histórica, ortodoxa e reformada abraçada pelo povo de Deus. Um evangélico que nunca desistiu da igreja. Seu papel de dar à igreja evangélica brasileira uma consciência política e social lhe custou muitos desafetos. No entanto, sua fé reformada, sua submissão a Cristo e a convicção na autoridade bíblica se fortaleciam na medida em que as pressões cresciam. Esta habilidade de integrar o passado, presente e futuro é reservada aos profetas. Construir o futuro sem abandonar os alicerces do passado. Ser ousado sem renunciar à rica tradição cristã. 
 
Em 2008 convidamos D. Robinson para dar um curso no Centro Cristão de Estudos, aqui em Brasília. Ele preparou três palestras: “Uma religião se suicida? ”, “Nós e o espírito do século”; e “Mantendo a eternidade no tempo”. Todos os três temas diziam respeito à igreja de Cristo e sua missão no mundo, num momento de profundas e complexas mudanças, dentro e fora da igreja. Embora o tema que predominou em suas palestras e escritos tenha sido a ciência política e social, área de sua formação acadêmica, a missão da igreja foi sua paixão desde a sua conversão. Pretendo, neste artigo, comentar o conteúdo destas três palestras e suas implicações e desafios para a igreja no Brasil como forma de afirmar o extraordinário legado de Dom Robinson Cavalcanti.
 
UMA RELIGIÃO SE SUICIDA? 
A premissa da primeira palestra é que toda instituição, como todo ser vivo, “morre”, seja por razões internas, externas, voluntárias ou involuntárias. Seres humanos e/ou entes sociais adoecem e, algumas vezes, se suicidam. Estados, culturas, línguas, empresas e religiões que um dia existiram e tiveram seu período de glória, uns mais longos que outros, hoje já não existem. Alguns adoeceram e morreram por falta de cuidado, outros se autodestruíram.
 
A pergunta que surge é: poderia o cristianismo, um dia, “desaparecer” à semelhança de outras religiões? Sejam por fatores internos ou externos? Voluntários ou involuntários? Por um lado, sabemos que a Igreja é de Cristo. Ele é o Cabeça e o garantidor de sua permanência e “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16.18). Por outro lado, também sabemos que a igreja, enquanto instituição, teve seus momentos de apogeu em determinados países e continentes e veio a “adoecer” e perder sua vitalidade. Em alguns lugares, acabou “morrendo” ou permanecendo viva, mas “respirando com a ajuda de aparelhos”. 
 
Segundo Robinson Cavalcanti, a igreja, enquanto instituição, é estabelecida sobre cinco fundamentos básicos: seus membros, sua liderança, sua organização, suas crenças e seus objetivos. Logo no início do cristianismo, a igreja teve que passar pelo inevitável e necessário processo de institucionalização. No início, ela se organizou em torno dos apóstolos que foram chamados por Cristo, aprenderam com ele, definiram o conteúdo da mensagem do evangelho através do ensino, cartas e concílios, dando continuidade à missão de Jesus: evangelizando, discipulando e estabelecendo igrejas por toda parte. Logo no início perceberam novas necessidades e buscaram responder a elas escolhendo entre os primeiros convertidos diáconos, presbíteros e bispos para assumirem as responsabilidades sobre algumas igrejas. O cristianismo avançou da era apostólica para a era dos pais da igreja e saiu da sua primeira infância caminhando para a maturidade. 
 
A identidade do cristianismo foi sendo formada, não sem crises e tensões, mas com a orientação do Espírito Santo, superando as divisões e construindo um corpo sólido. A consciência de serem o “novo povo de Deus” foi ficando cada vez mais clara. Fecharam o Cânon Bíblico que passa a ter um caráter autoritativo e não se permitiam subtrações, alterações ou adições ao texto sagrado. Segundo D. Robinson, a igreja depois de alguns séculos, entra em sua fase madura com suas crenças firmadas no Credo Apostólico e no Credo Niceno, quando as doutrinas fundamentais eram afirmadas, como: Trindade, as duas naturezas de Cristo, encarnação, morte vicária, ressurreição, Igreja, o juízo, o retorno de Cristo e o reino eterno. A mensagem proclamava a singularidade e unicidade de Cristo na salvação, transformação da vida com a morte do “velho homem” e o surgimento do “novo homem”, a nova criação, a missão de fazer discípulos que requer dos cristãos total fidelidade e submissão ao seu Senhor. Segundo D. Robinson, 
 
Essa organização se fragmentou em quatro ramos: três no Oriente (Bizantinos, Pré-Calcedônios e Pré-Efesianos) e um no Ocidente (Romanos), por diferenças culturais e de alguns tópicos localizados, mas, em seu conjunto, rejeitaram as correntes que apresentavam visões que afetavam as marcas essenciais (heresia), constituindo um bloco histórico (ortodoxia), que permaneceu praticamente inalterado por quinze séculos, em contínuo processo de expansão. Como toda organização humana, a Igreja teve períodos mais dinâmicos e mais estagnados, mais pacíficos e mais conflitivos, mais coerentes e mais incoerentes, mais éticos e menos éticos. Ela passou por periódicos movimentos reformadores, cujo principal foi o da Europa Ocidental do Século XVI (Protestantismo), apelando pela supressão de crenças e práticas consideradas contrárias ao chamado “legado apostólico” e ao “consenso dos fiéis” (tradição). A Reforma ampliou para doze grupos: O projeto original era um povo e uma instituição. Na Idade Antiga, ficou um povo e 4 instituições. Na Idade Moderna, com a Reforma, ficou um povo e 12 instituições. Hoje, na Idade Contemporânea, com o fenômeno sociológico conhecido como denominacionalismo, a partir dos Estados Unidos, no século XVIII, temos hoje um povo e dezenas de milhares de instituições. 
 
Lembro-me de que nesta descrição do desenvolvimento histórico do Cristianismo, o Bispo Robinson, com seu jeito irônico, disse que “a noiva de Cristo virou um harém”.
 
Foi neste ponto que ele levanta o problema: “podemos falar de uma religião cristã, mas não de uma Igreja Cristã? ” – Uma no sentido de sua identidade e unidade. É como se existissem vários corpos com uma mesma alma. O que afinal é o cristianismo? O problema se agrava com o liberalismo do século XVIII quando as marcas fundamentais da identidade do cristianismo vão, aos poucos, desaparecendo: autoridade das Escrituras, nascimento virginal, milagres, ressurreição, segunda vinda etc. D. Robinson conclui sua análise da enfermidade da Igreja assim:
 
No final do século XX e o início do século XXI vai aparecer o Liberalismo Pós-Moderno: não há revelação, não há pecado original, não há verdade (ela é multicultural, individual e subjetiva), todos estão salvos. Do racionalismo para o irracionalismo. Parece que não ficou “pedra sobre pedra” do antigo ser.
 
Muitas igrejas, hoje, perderam sua identidade bíblica e histórica. Para elas, a Bíblia não passa de um livro de tradição religiosa, que contém ensinamentos úteis para a vida social e devoção particular, mas não verdades absolutas, bases doutrinárias e normas de comportamento. Jesus não é “o caminho, a verdade e a vida”, ele é apenas um dos muitos caminhos. Não existe “pecado original”, somos o que somos e é uma violência querer mudar as pessoas. Por isso a igreja deve ser absolutamente inclusiva.
 
Os prédios e ritos continuam existindo, liturgias e atividades religiosas continuam acontecendo, mas Cristo encontra-se do lado de fora como na Igreja de Laodiceia (Ap 3.14-22). Países e até continentes que no passado tiveram igrejas fortes, vocação missionária viva, que influenciaram e transformaram o espaço público, promoveram a saúde, educação, evangelização - sinais de vida da igreja em vários lugares -, mostram um paciente em estado terminal. O que fazer? Ser indiferente ao que está acontecendo? É possível evitar a morte?
 
A preocupação de D. Robinson, 14 anos atrás, foi uma profecia. Em pouco mais de uma década, os sinais vitais da igreja, em praticamente todos os continentes, vêm apresentando um quadro cada vez mais preocupante.

Publicação originalmente pelo Instituto Robinson Cavalcanti. Reproduzido com permissão.

Pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília (DF). É colunista da revista Ultimato e autor de A Espiritualidade, o Evangelho e a IgrejaPensamentos Transformados, Emoções RedimidasO Caminho do Coração.
  • Textos publicados: 54 [ver]

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