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Opinião

The Boys – com ou sem super heróis, o mal não tem a última palavra

Por Carlos Caldas

[CONTÉM SPOILER]

Imagine um mundo no qual super heróis existem de verdade, onde há super humanos capazes de fazer o que as pessoas comuns não conseguem. Este é o mote da série The Boys, do serviço de streaming Amazon Prime Video. Imagine um mundo em que há alguém capaz de correr mais rápido que a velocidade do som, alguém que respira na água e se comunica com as criaturas marinhas, alguém que voa, é invulnerável e indestrutível e é capaz de emitir raios de luz com seu olhar que são poderosos bastante para cortar o aço e incinerar uma pessoa em segundos. Agora imagine que estes meta humanos sejam hipócritas, sádicos, cínicos, corruptos, depravados, arrogantes, cruéis, egocêntricos, mentirosos, covardes, inescrupulosos e totalmente destituídos de honra? Não obstante, eles são apresentados pelas redes sociais como defensores do bem e da justiça, e por isso, são literalmente idolatrados pela população, e usados como garotos e garotas propaganda de um sem número de produtos. A imprensa os apresenta como salvadores do mundo, e eles são gerenciados e administrados por uma mega corporação, que lucra bilhões de dólares em ações e venda dos direitos de som e imagem do seu grupo de heróis, conhecidos como The Seven – Os Sete, que são:
 
Trem Bala (A Train, no original), paródia do Flash da DC Comics.
 
Profundo (Deep, no original), paródia do Aquaman da DC Comics.
 
Translúcido (Translucent, no original), paródia do Homem Invisível de H. G. Wells. Não é mera coincidência que tanto o Translúcido da série televisiva como o homem invisível de Wells sejam verdadeiros canalhas em termos de caráter. O Translúcido será morto na primeira temporada, e substituído na segunda pela Tempesta (Stormfront, no original), super heroína invulnerável e capaz de emitir raios de suas mãos.
 
Rainha Maeve (Queen Maeve, no original), paródia da Mulher Maravilha da DC Comics.
 
Luz Estrela (Starlight, no original), uma garota invulnerável e dotada de super força que consegue emitir raios de energia com seu olhar. Annie, a Luz Estrela, é uma exceção no grupo dos Sete, porque é idealista e sincera em seu desejo de ajudar ao próximo.
 
Black Noir (no original e na versão brasileira), uma espécie de ninja invulnerável, sempre com uma máscara ou elmo que impede que seu rosto seja visto, e que nunca fala nada.
 
Capitão Pátria (Homelander, no original), paródia do Superman da DC Comics, o mais poderoso dos Sete e líder do grupo. Emocionalmente instável, age como um menino mimado e pirracento de cinco anos de idade, é a soma de todos os defeitos, vícios e pecados que qualquer ser humano pode ter ou cometer. Antony Starr (não, não se trata de erro de digitação – o nome é assim mesmo, Antony sem “h” e Starr com dois erres), o ator neozelandês que o interpreta, dá um show ao demonstrar com olhares, caras e bocas que não admite nunca ser contrariado.
 
Os Sete são combatidos pelo grupo que dá título à série – The Boys. Estes são humanos sem super poderes, liderados por Billy Butcher (inexplicavelmente o nome “Butcher” do original foi mudado para “Bruto” na legendagem brasileira), vivido pelo muito bom ator Karl Urban, muito experiente em filmes de aventura. Os liderados por Billy Butcher são Leitinho da Mamãe (Mother’s Milk, no original), representado como sendo marido e pai exemplar, sempre tentando resolver conflitos, contemporizar e amenizar situações de tensão, que surgem uma após a outra, Francês (Frenchie, no original), um personagem interessante, com altos conhecimentos de química e de engenharia, que desempenha um papel importante no desenrolar da narrativa, e Hughie Campbell, vivido pelo ator Jack Quaid, filho de Dennis Quaid e Meg Ryan. Hughie é o herói improvável: o típico nice guy, o bom moço, honesto, sensível, trabalhador, que vive com o pai depois que a mãe abandonou o lar, aparentemente sem motivo, e que por uma sequência de circunstâncias se vê forçado a ajudar a equipe de Butcher na luta contra os Sete.
 
Uma leitura desatenta da série pode levar a pensar que a mesma simplesmente rompe com o padrão tradicional da luta do bem contra o mal travada por super heróis – defensores do bem – contra os super vilões – representantes do mal. Esta é a primeira e mais superficial camada de leitura. Há níveis mais profundos que talvez não sejam percebidos com tanta facilidade. The Boys é a adaptação de uma longa série de quadrinhos roteirizada por Darick Robertson e Garth Ennis. Ambos são muito experientes como roteiristas de quadrinhos. Ennis por exemplo, é o autor de Preacher (literalmente “Pregador”, mas tem o sentido de “Pastor de igreja” no inglês estadunidense), uma série famosa que pode ser entendida como um libelo contra a crença cristã. O mesmo Ennis roteirizou também muitas histórias do Justiceiro, o herói trágico da Marvel (interpretado, de maneira errônea a meu ver, por praticamente todos os críticos como um anti-herói). Em algumas destas aparece o Mercenário, vilão psicopata recorrente em histórias do Demolidor e do próprio Justiceiro. No roteiro de Ennis, o Mercenário atinge as profundezas mais abissais da maldade humana, de uma maneira que chega a ser deprimente.
 
Estas características dos trabalhos de Ennis aparecem em The Boys. A série, com duas temporadas por enquanto, em alguns momentos deprime, pois apresenta uma sociedade em que não há valores nem princípios. Ennis deixa transparecer que não acredita em absolutamente nada, nem na política, nem nas instituições humanas, nem na religião. Neste sentido, The Boys é uma série extremamente pós-moderna, pois a pós-modernidade é a descrença nas “metanarrativas”, isto é, grandes narrativas que dão sustentação teórica na tentativa de compreensão da realidade. Quando na série é apresentada uma descrença absoluta em tudo, percebe-se que, para seus roteiristas, Garth Ennis em particular, não existe nada, nenhum valor pelo qual valha a pena viver ou lutar. Se não há nenhum valor, sobra o cinismo, e a vida se torna um espaço onde impera a “lei da selva”: vence quem é mais forte. Especificamente no que diz respeito à religião: esta é atacada de maneira pesadíssima. Em The Boys há muitas referências ao cristianismo protestante estadunidense, e todas são negativas. O que se percebe é que, para Ennis, frequentadores de igreja e líderes religiosos ou são enganadores e falsos ou são pessoas sinceras, mas ingênuas, porque acreditam em algo que não existe. O niilismo de Ennis é apresentado de maneira que em alguns momentos cansa o espectador: quando se pensa que a equipe comandada por Butcher vai finalmente derrotar os Sete, há uma reviravolta no roteiro e o mal segue ainda mais forte do que antes. De fato, ao se assistir a série, tem-se a impressão que para Ennis o mal é a única realidade que existe. A propósito, o banner oficial da Amazon de divulgação da série apresenta o Homelander/Capitão Pátria com uma boca desproporcionalmente grande, como se fosse engolir todos os demais personagens, os Sete e The Boys. A primeira lembrança que tive quando vi a imagem foi a da descrição de Mot, o deus cananeu da morte , descrito em poemas escritos em ugarítico descobertos em Ras Shamra, na Síria, como tendo “um lábio tocando o céu e o outro tocando a terra” . No filme Spawn, o soldado do inferno, de 1997 (adaptação dos quadrinhos de Todd McFarlane), o diabo é representado de maneira a fazer lembrar a descrição canaanita de Mot.
 
Mas a despeito da desesperança de Ennis, uma centelha de esperança brilha no final da segunda temporada. A Vought, a empresa que controla os Sete, não consegue fazer tudo que quer. A propósito, vale acrescentar que a Vought faz lembrar o INEC – Instituto Nacional de Experimentos Coordenados, a mega corporação de Aquela Fortaleza Medonha, o terceiro e último livro da Trilogia Cósmica de C. S. Lewis: imensa, riquíssima, seus funcionários são elegantes e bem vestidos, mas seus objetivos são diabólicos, no sentido literal da palavra. A Vought e os Sete também fazem lembrar a baixarquia (o contrário de “hierarquia”) infernal de As Cartas do Coisa-Ruim, do mesmo Lewis: uma associação de demônios, cada qual ocupando uma posição de maior ou menor autoridade, e todos com o mesmo propósito, qual seja, enganar, mentir e seduzir para obtenção de seus propósitos egoístas. Assim, no final da segunda temporada, Tempesta, tão má, cínica, sádica e inescrupulosa como o Capitão Pátria, e o sinistro Black Noir, também inacreditavelmente sádico, acabam inutilizados e postos definitivamente fora de combate. E o Capitão Pátria tem que engolir sua arrogância, pois acaba vítima de sua própria vaidade, e por medo que sua maldade seja revelada, é obrigado a, mesmo a contragosto, se conter. Ele repete para si mesmo que pode fazer o que quiser, mas é obrigado a admitir que não pode fazer o que quiser... O orgulhoso é humilhado, e não há nada pior para uma pessoa orgulhosa que sofrer uma humilhação.
 
A conclusão a que se pode chegar é que, mesmo sendo o roteiro de Ennis e Robertson tão desesperançado, o bem ainda é mais forte. Em um mundo onde só existe o mal, o mal não se sustenta por si. Mesmo com tanto cinismo e niilismo, há beleza na série. Há beleza na amizade entre os humanos sem super poderes, que no fim das contas conseguem fazer o que parecia ser impossível. Neste sentido, a turma de Butcher faz lembrar a antiga fábula da tartaruga perseverante que derrota a lebre orgulhosa. Davi vence Golias. No fim, o mal não tem a última palavra.

Notas
1. A palavra mot – “morte” – é citada na Bíblia Hebraica em Is 28.15. Todas as traduções da Bíblia, versões protestantes e católicas, optaram por traduzir como “morte” no sentido de fim da vida. O texto de fato é ambíguo, pois quando diz “fizemos aliança com a morte” (Almeida Revista e Atualizada) tanto pode ser referência à morte como um acontecimento como pode ser também referência à divindade cananeia. 
2. Mot the God of Death and the Underworld. Deomar Pandan. Disponível em
˂https://cosmons.com/canaanite-religion/canaanite-gods-and-goddesses/mot-the-god-of-death-and-underworld/ ˃ Acesso em 10 nov 20.

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É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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