Opinião
16 de outubro de 2017- Visualizações: 26533
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O púlpito e a Reforma
Por Luiz Fernando
"Pois diga a eles: Assim diz o Soberano Senhor: Nenhuma de minhas palavras sofrerá mais demora; tudo o que eu disser se cumprirá, palavra do Soberano Senhor " (Ez 12.28).
Abrir a Bíblia diante de uma congregação de fiéis constitui um gesto poderoso ainda hoje. Sem desprezar, diminuir ou criticar os que aderem e até preferem ler a Palavra de Deus em smartphones, tablets ou projetados em qualquer outra mídia, abrir a Bíblia sobre o púlpito ainda causa forte impressão na alma. É um gesto autoritativo e que comunica solenidade ao ofício de pregar. Em algumas narrativas bíblicas, o gesto de tomar o livro, lê-lo e explicá-lo esteve sempre no centro de grandes eventos de revitalização e avivamento do povo. Josias, Neemias e o próprio Senhor Jesus Cristo protagonizaram algo muito semelhante.
A Reforma Protestante foi, antes de tudo, uma reforma do púlpito cristão. Na verdade, a pregação havia perdido força e centralidade na Igreja do século XVI. O Senhor dotou desde sempre a sua comunidade de discípulos de grandes pregadores. Começando por Paulo, Pedro, Apolo, Barnabé, chegamos a Inácio de Antioquia, Cirilo de Alexandria, Irineu de Lião, ‘Os pais Capadócios’, Atanásio, Ambrósio, Agostinho, João Crisóstomo, Gregório Magno, Domingos de Gusmão, para ficar apenas nesses e consciente de que não faço justiça a outros eminentíssimos pregadores da Palavra. Há gigantes do púlpito alinhados também ao espirito da Reforma, como John Huss e Savanarola e muitos outros.
Entretanto, o acúmulo de tradições humanas deslocou a Bíblia para a periferia da vida cristã e colocou as cerimônias e os ritos no centro da experiência religiosa. Com a redescoberta e nova entronização das Escrituras no centro da vida da Igreja, houve um verdadeiro renascimento do púlpito cristão. A Bíblia, ao exercer a primazia sobre todas as questões da vida humana, exigiu também pregadores profundamente comprometidos com o estudo, a compreensão, a pregação e a devida aplicação do texto sagrado à concretude da vida.
A grande preocupação de Lutero, Calvino, Bucer, Farel e mais tarde a Assembleia de Westminster, era prover as igrejas locais com pregadores capazes. Não apenas intelectualmente capazes, mas, sobretudo, pregadores piedosos, com insuspeitável experiência de conversão, vida de santificação progressiva comprovada e conscientes de sua missão essencial no seio da comunidade de discípulos. Por isso, a promoção de estudos bíblicos, a produção de vastíssima literatura teológica e devocional, bem como a criação de Faculdades Teológicas e o rigoroso exame perante o presbitério ou a congregação quanto a admissão ao sagrado ofício. Tudo isso foi pensado para que os púlpitos não fossem cedidos a homens inábeis, enfermos na fé, moralmente repreensíveis, o que não só impediria o avanço da Reforma, bem como faria adoecer o rebanho do Senhor.
Quinhentos anos depois, outras áreas carecem de reformas e ajustes aos padrões bíblicos. Novas demandas no campo da cultura, das artes, dos costumes e da tecnologia merecem, quem sabe, também a nossa atenção hoje em dia. Todavia, o púlpito reclama também uma reforma e urgente. Hoje, para a nossa vergonha, nem sempre o texto é lido e explicado. Nem sempre a mensagem faz justiça ao texto e ao contexto canônico. A solenidade deu lugar a informalidade que beira a irreverência. A linguagem do mundo dos negócios, do ‘Coaching’, da psicanálise e da cultura pop, têm mais uso e aceitação do que a pregação fiel da Palavra de Deus revelada e registrada nas páginas da Bíblia. Gracejos, piadas de conteúdo duvidoso com palavreado nem sempre digno dos santos, servem, às vezes, de ilustração e entretenimento, sem falar nas revelações extraordinárias e visões falseadas de mentes inventivas e cativas da vaidade.
O Púlpito é coisa séria, seríssima. Da pregação dependem a morte e a vida, o céu e o inferno, a obediência da fé e a incredulidade fatal. Uma pregação pode ser única e última, ainda que seja a primeira de um homem ao proferi-la ou ao ouvi-la. Portanto, o púlpito deve ser ocupado com um senso de gravidade, urgência e eternidade.
Também do púlpito, ainda hoje, dependem a integridade, a paz, o bom desenvolvimento, o engajamento missionário e o despertamento ministerial de cada crente e da igreja como corporação. Um púlpito forte gera uma igreja forte. Um púlpito saudável produz uma igreja cheia de vigor e disposição. Um púlpito fiel às Escrituras prepara no mundo uma nova primavera de santidade entre os homens.
Mais do que tudo, desejemos um púlpito onde os homens diminuam e Deus cresça. Onde os títulos se ofuscam e a glória do Senhor resplandeça. Queiramos uma pregação onde as expressões, “Na minha opinião”, “tenho um sonho”, “eu acho ou eu penso que...”, cedam sua vez para o poderoso brado: “Assim diz a Palavra do Senhor”.
• Luiz Fernando é Ministro da Palavra na Igreja Presbiteriana Central de Itapira
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Imagem: Photo by Aaron Burden on Unsplash.
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Abrir a Bíblia diante de uma congregação de fiéis constitui um gesto poderoso ainda hoje. Sem desprezar, diminuir ou criticar os que aderem e até preferem ler a Palavra de Deus em smartphones, tablets ou projetados em qualquer outra mídia, abrir a Bíblia sobre o púlpito ainda causa forte impressão na alma. É um gesto autoritativo e que comunica solenidade ao ofício de pregar. Em algumas narrativas bíblicas, o gesto de tomar o livro, lê-lo e explicá-lo esteve sempre no centro de grandes eventos de revitalização e avivamento do povo. Josias, Neemias e o próprio Senhor Jesus Cristo protagonizaram algo muito semelhante.A Reforma Protestante foi, antes de tudo, uma reforma do púlpito cristão. Na verdade, a pregação havia perdido força e centralidade na Igreja do século XVI. O Senhor dotou desde sempre a sua comunidade de discípulos de grandes pregadores. Começando por Paulo, Pedro, Apolo, Barnabé, chegamos a Inácio de Antioquia, Cirilo de Alexandria, Irineu de Lião, ‘Os pais Capadócios’, Atanásio, Ambrósio, Agostinho, João Crisóstomo, Gregório Magno, Domingos de Gusmão, para ficar apenas nesses e consciente de que não faço justiça a outros eminentíssimos pregadores da Palavra. Há gigantes do púlpito alinhados também ao espirito da Reforma, como John Huss e Savanarola e muitos outros.
Entretanto, o acúmulo de tradições humanas deslocou a Bíblia para a periferia da vida cristã e colocou as cerimônias e os ritos no centro da experiência religiosa. Com a redescoberta e nova entronização das Escrituras no centro da vida da Igreja, houve um verdadeiro renascimento do púlpito cristão. A Bíblia, ao exercer a primazia sobre todas as questões da vida humana, exigiu também pregadores profundamente comprometidos com o estudo, a compreensão, a pregação e a devida aplicação do texto sagrado à concretude da vida.
A grande preocupação de Lutero, Calvino, Bucer, Farel e mais tarde a Assembleia de Westminster, era prover as igrejas locais com pregadores capazes. Não apenas intelectualmente capazes, mas, sobretudo, pregadores piedosos, com insuspeitável experiência de conversão, vida de santificação progressiva comprovada e conscientes de sua missão essencial no seio da comunidade de discípulos. Por isso, a promoção de estudos bíblicos, a produção de vastíssima literatura teológica e devocional, bem como a criação de Faculdades Teológicas e o rigoroso exame perante o presbitério ou a congregação quanto a admissão ao sagrado ofício. Tudo isso foi pensado para que os púlpitos não fossem cedidos a homens inábeis, enfermos na fé, moralmente repreensíveis, o que não só impediria o avanço da Reforma, bem como faria adoecer o rebanho do Senhor.
Quinhentos anos depois, outras áreas carecem de reformas e ajustes aos padrões bíblicos. Novas demandas no campo da cultura, das artes, dos costumes e da tecnologia merecem, quem sabe, também a nossa atenção hoje em dia. Todavia, o púlpito reclama também uma reforma e urgente. Hoje, para a nossa vergonha, nem sempre o texto é lido e explicado. Nem sempre a mensagem faz justiça ao texto e ao contexto canônico. A solenidade deu lugar a informalidade que beira a irreverência. A linguagem do mundo dos negócios, do ‘Coaching’, da psicanálise e da cultura pop, têm mais uso e aceitação do que a pregação fiel da Palavra de Deus revelada e registrada nas páginas da Bíblia. Gracejos, piadas de conteúdo duvidoso com palavreado nem sempre digno dos santos, servem, às vezes, de ilustração e entretenimento, sem falar nas revelações extraordinárias e visões falseadas de mentes inventivas e cativas da vaidade.
O Púlpito é coisa séria, seríssima. Da pregação dependem a morte e a vida, o céu e o inferno, a obediência da fé e a incredulidade fatal. Uma pregação pode ser única e última, ainda que seja a primeira de um homem ao proferi-la ou ao ouvi-la. Portanto, o púlpito deve ser ocupado com um senso de gravidade, urgência e eternidade.
Também do púlpito, ainda hoje, dependem a integridade, a paz, o bom desenvolvimento, o engajamento missionário e o despertamento ministerial de cada crente e da igreja como corporação. Um púlpito forte gera uma igreja forte. Um púlpito saudável produz uma igreja cheia de vigor e disposição. Um púlpito fiel às Escrituras prepara no mundo uma nova primavera de santidade entre os homens.
Mais do que tudo, desejemos um púlpito onde os homens diminuam e Deus cresça. Onde os títulos se ofuscam e a glória do Senhor resplandeça. Queiramos uma pregação onde as expressões, “Na minha opinião”, “tenho um sonho”, “eu acho ou eu penso que...”, cedam sua vez para o poderoso brado: “Assim diz a Palavra do Senhor”.
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Luiz Fernando dos Santos (1970-2022), foi ministro presbiteriano e era casado com Regina, pai da Talita e professor de teologia no Seminário Presbiteriano do Sul e no Seminário Teológico Servo de Cristo.
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