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Opinião

Êxodo: Deuses e Reis

Erich Auerbach, crítico literário a quem aprecio muitíssimo, em “A cicatriz de Ulisses” (que consta de seu livro Mímesis), um ensaio interessante por demais, comenta sobre as diferenças literárias e psicológicas entre as duas principais matrizes formadoras da cultura ocidental, a saber, a literatura grega clássica e a Bíblia (particularmente, as narrativas da Bíblia Hebraica). Não vem ao caso agora reproduzir nem discutir todo o argumento de Auerbach. Mas o que nos interessa no momento é que, conforme o erudito estudioso alemão, as narrativas da Ilíada e da Odisseia, por exemplo, são “fechadas”, no sentido que há uma preocupação com minúcias e detalhes, de modo que não lhes falta absolutamente nada. Já as narrativas bíblicas são cheias de “lacunas”, no sentido que não são minuciosas nem detalhadas. O narrador bíblico, conquanto tenha sido extremamente habilidoso na construção de seus relatos, omite muitos detalhes. Já Homero “conta tudo”, por assim dizer. Auerbach demonstra também como falta aos heróis homéricos a densidade psicológica encontrada nos personagens das narrativas bíblicas (talvez tenha sido pela falta de detalhes das narrativas da Tanach, a Bíblia Hebraica, que a tradição judaica tenha desenvolvido ao longo de séculos o midrash – ou midraxe – que vai dar detalhes que não constam dos textos bíblicos).

De fato, a despeito da falta de detalhes, as narrativas bíblicas inspiram o imaginário e a arte ocidental há séculos e séculos. Northrop Frye, outro crítico literário a quem também aprecio muito, com propriedade afirma e demonstra que a Bíblia é o “grande código” (o título de um dos seus principais livros, talvez sua obra prima) da cultura ocidental. Das grandes artes, o cinema é uma das mais recentes, tendo pouco mais de cem anos (mais recente que o cinema temos apenas a computação gráfica e a arte digital). Não é de se admirar que as narrativas bíblicas tenham inspirado muitos filmes. E no conjunto das narrativas bíblicas da Bíblia Hebraica, sem dúvida a do êxodo é a principal. O êxodo é o “evento fundante” do povo de Israel, e um dos principais temas da teologia bíblica. Haja vista quantas referências ao êxodo há nos Salmos, na literatura profética, nos evangelhos, nas epistolas paulinas e no Apocalipse. Sem uma correta compreensão do êxodo, seu significado e implicações, não se poderá entender corretamente a mensagem da Bíblia como um todo.

Sendo assim, nada mais natural que a narrativa do êxodo, sem dúvida emocionante e impressionante, sirva de inspiração para o cinema. Neste sentido, o clássico dos clássicos continua sendo Os Dez Mandamentos, de Cecil B. DeMille, de 1956, no auge da era de ouro de Hollywood. Houve outras produções inspiradas no mesmo evento bíblico, que não contaram com o mesmo glamour da superprodução do diretor DeMille. Dentre tantas se podem citar A Terra Prometida – A verdadeira história de Moisés, com Burt Lancaster como Moisés, de 1974, e Moisés, de 1995, que teve Ben “Gandhi” Kingsley como Moisés e, curiosamente, Sonia Braga como Séfora, a esposa do libertador.

Os temas bíblicos andaram sumidos de Hollywood, mas agora voltaram com força. Só em 2014 tivemos o polêmico e controvertido Noé, de Darren Aronofsky, O Filho de Deus, de Christopher Spencer, e agora, fechando o ano, Êxodo – deuses e reis, de Ridley Scott. Scott é diretor experiente, de obra vasta. Dentre tantos podem ser citados alguns de seus trabalhos em gêneros variando da ficção científica (o clássico Blade Runner, O Caçador de Androides, o antológico Alien, o Oitavo Passageiro, e o péssimo Prometheus – ninguém acerta sempre...), ao policial (Chuva Negra e O Gangster), o histórico (Cruzada) e o épico (o aclamado Gladiador). Agora, Scott volta sua atenção para temas bíblicos.

Deuses e reis é uma superprodução com elenco estelar. Christian Bale, do primeiro escalão de Hollywood, assume o papel de Moisés. Os efeitos especiais são cada vez mais especiais e realistas. Arriscando um palpite estatístico, creio que a narrativa de Scott é fiel à narrativa do texto bíblico em cerca de 80%. Scott varia entre seguir a literalidade do texto bíblico e uma interpretação naturalista dos eventos narrados. Isto fica evidente na cena em que um sacerdote egípcio tenta dar uma explicação das pragas como eventos que aconteceram sem que os mesmos tivessem tido qualquer origem sobrenatural. Ao mesmo tempo, o diretor usou de licenças, tanto na construção do seu Moisés como na narração propriamente. A meu ver, a grande “sacada” de Scott foi apresentar Eu Sou como... Ah, não posso falar, porque senão seria um spoiler tremendo, e vai perder a graça para quem ainda não viu o filme.

O foco do filme a meu ver está em dois relacionamentos: o de Moisés com Ramsés e o de Moisés com Eu Sou. No primeiro caso, o relacionamento entre dois irmãos de criação, sendo que em todo o filme Ramsés é apresentado como extremamente cabeça dura, teimoso e inflexível (talvez seja isto que a Bíblia queira dizer quando afirma que “Deus endureceu o coração de Faraó). Mas Moisés nunca deixa de amar seu irmão adotivo. No segundo caso, o relacionamento com o próprio Deus. Os diálogos de Moisés com Eu Sou são interessantíssimos. O relacionamento com Deus nem sempre é fácil. Algumas vezes ele fala, outras não. Ele pede o que nem sempre conseguimos entender. Ele é livre, e não precisa dar satisfação a ninguém dos seus atos. Mas ele está lá... Ele é.

A história do êxodo continua a inspirar milhões e milhões de pessoas ao redor do planeta. Que com este filme o interesse pelos estudos bíblicos aumente. E que a mensagem do Deus que se manifesta para libertar o cativo, oprimido e injustiçado continue a inspirar a busca por shalom – paz – em todas as sociedades.


É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
  • Textos publicados: 79 [ver]

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