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Opinião

ENTREVISTA - PHILIP YANCEY: A graça não é para merecedores. É injusto e chocante

*Entrevista publicada originalmente na edição 386 da revista Ultimato.

Philip Yancey, 71 anos, relatou recentemente que seu telefone começa a tocar sempre que há um tiroteio em massa, um tsunami e outras tragédias coletivas. Não foi diferente quando um vírus se espalhou pelo mundo. Ele passou boa parte de sua carreira escrevendo sobre temas relacionados ao problema da dor e do sofrimento. São de sua autoria estes livros: Onde Está Deus no Sofrimento?, Decepcionados com Deus e A Pergunta Que Não Quer Calar. Ele confessa: “Para algumas perguntas, sei que é melhor não tentar uma resposta”.

Yancey é também o autor que mais escreveu sobre a graça. Maravilhosa Graça, publicado há mais de trinta anos, foi o primeiro livro dele sobre o tema; O Eclipse da Graça é o mais recente. Ele é um “caçador de sinais da graça”.

Autor de mais de vinte livros, traduzidos em 25 idiomas, que venderam mais de 15 milhões de exemplares, ele e sua esposa, Janet, moram em Evergreen, Colorado, Estados Unidos. O principal projeto em que esteve envolvido nos últimos três anos é um livro de memórias, que deve ser publicado em 2021.

Os editores de Ultimato se encontraram pessoalmente com Yancey em duas ocasiões aqui no Brasil. Ele respondeu com exclusividade para Ultimato a entrevista a seguir.


Qual é o preço da graça para quem não tem méritos? É o mesmo para aqueles que são chamados “filhos de Deus”?

Teologicamente, eu creio que nenhum de nós tem mérito. A Bíblia diz que não há retidão em nós. Os filhos de Deus simplesmente reconhecem essa realidade e pedem ajuda. Muitas das parábolas de Jesus apontam para a injustiça da graça. Um trabalhador tardio recebe o mesmo que aquele que começa cedo de manhã. Um filho “pródigo” irresponsável ganha uma festa enquanto seu responsável irmão mais velho sente que foi lesado.

A graça é gratuita e Deus quer que todos nós a recebamos. Às vezes me questionam com base na reclamação de Dietrich Bonhoeffer sobre a “graça barata”. Eu entendo o que Bonhoeffer quis dizer, mas a graça, na verdade, não é nem cara nem barata. Ela é gratuita.

A Bíblia revela os defeitos de seus maiores heróis como se tivesse o propósito de enfatizar nossa falta de mérito: Moisés, o assassino; Davi, o assassino e adúltero; Pedro, o traidor; Saul, o abusador de direitos humanos. Nenhum deles merecia a graça de Deus, mas todos foram transformados por ela.


Há mais de trinta anos você escreveu Maravilhosa Graça. Mais recentemente lançou O Eclipse da Graça, em que a ênfase é na falha da igreja em comunicar a boa nova do perdão e da esperança. Nesse intervalo de tempo houve mudanças em suas ênfases sobre o assunto? Alteraria algo que escreveu no primeiro livro?

Curiosamente, quando escrevi o primeiro livro foi fácil encontrar demonstrações do efeito da graça em uma escala global. Arrependimento na Rússia. Reconciliação na África do Sul. Liberdade na Europa oriental. Em 1989, um vento de liberdade atravessou o planeta, e a graça floresceu em lugares inesperados.

Agora cá estamos, trinta anos depois, com polarizações, hostilidade e divisões por todos os lados. Isso é verdade no meu país e, pelo que tenho lido, a situação não é muito diferente no Brasil. Temos sérios problemas de racismo. Nunca vi contendas políticas mais acirradas. Alguns cristãos colocam suas esperanças na política, o que é sempre perigoso. E muitas vezes tem-se a impressão de que os evangélicos parecem estar piorando o problema, em vez de ajudar a resolvê-lo.

Eu escrevi O Eclipse da Graça em 2014, antes da eleição de Donald Trump. Tentei aplicar os mesmos princípios para indivíduos e para a sociedade como um todo. Foi essa a mudança em minha ênfase e, infelizmente, os anos seguintes apenas reforçaram a necessidade da graça em grande escala.


Considerando que os liberais têm poucas certezas e os conservadores, quase nenhuma dúvida, como a graça de Deus alcança esses dois grupos?

Vamos pensar, num primeiro momento, nos discípulos de Jesus. Pedro, Tiago e João provavelmente teriam sido considerados conservadores convictos. Simão, o Zelote, era um revolucionário e, portanto, um liberal. Mateus, o publicano, era visto pela maioria dos judeus como um traidor que trabalhava para o inimigo. Contudo, Jesus escolheu esse grupo diverso e o uniu em torno de uma única missão.

Em seguida, consideremos tempos mais modernos. Um dos primeiros-ministros do Reino Unido, John Major, certa vez questionou o líder da Aliança Evangélica: “Não consigo entender esses evangélicos”, ele disse. “Eles são conservadores ou liberais em questões políticas?”

A resposta foi: “Ambos”. Os cristãos podem adotar posicionamentos que se encaixam em ambos os lados do espectro político.

Certa vez, ouvi um sermão do pastor Tim Keller no qual ele citou uma lista de pontos sobre os quais os cristãos no Império Romano insistiam, como por exemplo:

Só existe um caminho até Deus. Somos contra o sexo fora do casamento e contra o aborto. Esses posicionamentos geralmente seriam considerados conservadores.

Cristãos não devem servir nas forças armadas. Nós apoiamos programas de suporte aos pobres, assim como a igualdade de gênero. Esses posicionamentos geralmente seriam considerados liberais.

Keller estava defendendo a ideia de que seguidores de Jesus não podem ser categorizados em uma plataforma política binária. A graça está disponível tanto para conservadores quanto para liberais. É um presente imerecido de Deus entregue a nós gratuitamente. Tudo que precisamos fazer é estender nossas mãos abertas.


A partir do ponto de vista da graça, como fazer diferença entre a santidade e a moralidade?

A Bíblia ressalta a importância da santidade. O que precisamos evitar é o que eu chamo de moralismo, que geralmente acompanha um sentimento de “eu sou melhor, mais ‘santo’ que você”. As pessoas mais moralistas nos dias de Jesus eram os fariseus, que se esforçavam diligentemente para cumprir todas as 613 leis do Antigo Testamento. Eram indivíduos corretos, que criam na Bíblia. Porém, como Jesus explica em Lucas 11 e em Mateus 23, eles não compreenderam o ponto principal do evangelho.

Os fariseus ofertavam o dízimo de seus temperos – 10% de sal, 10% de pimenta – enquanto ignoravam problemas graves relacionados à pobreza e à injustiça. Isso é o que o moralismo faz. Ele limita nosso foco a questões internas de santidade, cegando-nos para todo o resto.


Há vários líderes e escritores afirmando que temos comunicado uma “graça barata”, em que a noção de pecado, a necessidade de arrependimento e o sacrifício de Cristo não são devidamente anunciados. Você concorda com esta afirmação?

A igreja balança como um pêndulo. Alguns anos após a morte de Jesus, contendas sobre a graça começaram a surgir. Crentes judeus queriam que os convertidos a Jesus observassem todas as leis do Antigo Testamento, incluindo regras sobre dieta. Enquanto isso, em lugares como Corinto, a igreja tornava-se um ambiente desordeiro, cheio de caos e confusão.

Quando lemos 1 Coríntios, Gálatas e Tiago, é difícil acreditar que esses textos estão na mesma Bíblia. Eles foram escritos para grupos diferentes, com ênfases diferentes. Isso aconteceu ao longo de toda a história da Igreja. Eu fui criado no legalismo e no fundamentalismo, e minha primeira experiência com a graça mudou minha vida. Agora, nos Estados Unidos, aquela forma de fundamentalismo está desaparecendo e algumas igrejas estão levando a liberdade aos seus limites, talvez como a igreja em Corinto.


Em Maravilhosa Graça você escreveu: “Essa é a visão da igreja no Novo Testamento: uma colônia do céu em um mundo hostil” e citou Dwight L. Moody: “De cem homens, um lerá a Bíblia; os noventa e nove lerão o cristão”. Você já afirmou que estamos muito distantes da visão do Novo Testamento. Há esperança de mudança neste cenário?

Sim, há esperança, mas ela não recebe atenção da mídia. Eu já visitei 85 países e, por onde passo, sempre vejo rastros da graça deixada por missionários e assumida por grupos locais. Vejo clínicas, hospitais, orfanatos, escolas, programas de agricultura, todos iniciados por cristãos que estão estendendo a graça a pessoas necessitadas.

Alguns anos atrás, falei para um grupo de quinhentos pastores que havia se reunido perto de Brasília para encontrar formas de ajudar pessoas desabrigadas no Brasil. Nas Filipinas, conheci uma mulher que havia adotado 32 crianças de rua. Na Coreia do Sul, conheci um pastor que instalou uma “caixa para bebês” na lateral de sua igreja, convidando qualquer mulher que não quisesse seu bebê a deixá-lo sob sua responsabilidade, em vez de abortá-lo ou abandoná-lo. Desde então ele salvou mais de mil crianças.

Você não vai ler sobre essas pessoas nos principais jornais do país, pois eles estão ocupados noticiando escândalos envolvendo a igreja. Todavia, nas linhas de frente vejo a graça em ação por onde quer que eu vá.


A hostilidade entre cristãos com diferentes orientações sobre assuntos relacionados à política, à cultura, à moral, entre outros, nas mídias sociais é assustadora. Esta animosidade parece ser uma marca da cultura atual. Não deveria ser assim com aqueles que têm “olhos curados pela graça”. Como promover reconciliação e unidade?

Antes de tudo, precisamos de líderes que, como Jesus, consigam unir pessoas de contextos diferentes, que têm formas diferentes de ver o mundo, criando entre elas vínculos baseados em tudo que elas têm em comum. Isso requer um esforço intencional. Não é algo que acontece automaticamente. Nossa tendência é procurar grupos similares a nós mesmos.

Eu aprendi que a graça é testada quando convivemos com pessoas diferentes de nós, de diferentes raças, idades e classes sociais, que votam diferente e cheiram diferente. É aí que “a borracha encontra a estrada”1, como dizemos nos Estados Unidos. Jesus nos lança um desafio ao dizer: “É fácil amar sua família, gente parecida você, então agora vá e ame seus inimigos”.

O quê? Por que raios alguém amaria um inimigo?! Porque Deus é assim. O Pai faz com que o sol brilhe e a chuva caia tanto para justos quanto para pecadores. Deus recebeu no céu um ladrão moribundo simplesmente porque ele pediu ajuda.

A graça não é como o karma. Ela não é para merecedores, mas, sim, para não merecedores. É ilógico, injusto e chocante. Se realmente deixarmos a Maravilhosa Graça encher nossos olhos, não veremos um grupo contendo pessoas boas e pessoas ruins, mas um grupo de indivíduos necessitados da graça de Deus, em que alguns reconheceram essa necessidade, e outros, não.

Somos chamados para ir atrás daqueles que são diferentes de nós mesmos, assim como Deus faz. O mundo é baseado em mérito e competição. A graça flui de Deus. Assim como a água, ela sempre flui para os lugares mais baixos.


Existe algo novo ou que ainda não foi dito sobre a graça?

Muito foi dito e muito foi escrito. Não precisamos de mais palavras. Precisamos ver a graça em ação.


Nota
1. No original em inglês, “where the rubber meets the road”. Refere-se ao momento em que uma ideia ou teoria é testada. É a “hora da verdade”. (N.T.)

Traduzido por Luíza B. Veríssimo.


QUANDO A GRAÇA [NÃO] BASTA | REVISTA ULTIMATO
 
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