Por Escrito
- 04 de novembro de 2022
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A coragem de uma vida simples
Um dia de cada vez
Por Raquel Bastos
Por Raquel Bastos
Há alguns anos, ouvi, talvez em um sermão, a seguinte frase de G. K. Chesterton: “A coisa mais extraordinária do mundo é um homem comum, uma mulher comum e seus filhos comuns”. Na época, eu ainda era solteira, e a frase se alojou em minha memória. Na última semana, ao folhear os livros da biblioteca da escola em que trabalho, as palavras de Chesterton invadiram mais uma vez a minha mente e abriram espaço até meu coração. Percebi que elas são muito mais profundas do que eu imaginava enquanto solteira e fazem muito mais sentido agora.
O livro que remexeu a minha memória se chama “A coragem das coisas simples”, de Stella Maris Rezende. De maneira singela, a autora revela a poesia dos olhos de um menino frente aos diferentes personagens de sua vida, cada um com sua própria luta. Ao lê-lo, comecei a pensar em meu contexto e nas pessoas que me envolvem. Foi aí que me dei conta de que meus super-heróis mudaram.
Na infância, meus ídolos eram aqueles que executavam feitos extraordinários. Tanto personagens bíblicos como de contos populares, eu era atraída por aqueles que eram fora do comum. Meus olhos se detinham nos milagres de Elias e Eliseu, no grande evento da derrota de Golias, na queda dos muros de Jericó. Hoje, porém, eu percebo que os meus heróis são aqueles que conseguem, no chão da rotina, levar uma vida comum que agrade a Deus.
Se, na infância, eu me encantava com a extraordinária guerreira chinesa que enfrentava o mundo disfarçada de homem para poder salvar a vida do próprio pai, hoje admiro a diretora da escola, que sozinha administra diariamente uma casa, dois filhos, uma escola e ainda pratica corrida.
Se, no passado, minha heroína era uma índia norte-americana que, por amor, promoveu a paz entre sua aldeia e os colonizadores, hoje meus olhos brilham ao conversar com a mãe de um de meus alunos, que trabalha fora o dia todo, administra a própria casa, é admirada pelo filho adolescente e não falta uma reunião de pais da escola, carregando sempre no colo o seu filho mais novo, que ainda vai fazer um ano.
Se, no passado, eu queria ser como as “três espiãs demais”, viajando por todo o mundo para perseguir vilões com engenhocas de última tecnologia, hoje eu desejo ser como uma amiga da igreja, que trabalha período integral, cuida dos três filhos e está sempre disponível para visitar e ajudar alguém em necessidade.
Ao tornar-me mãe, vi o quanto é difícil equilibrar a nossa rotina ordinária. Percebi que os grandes eventos têm muito menos valor do que os pequenos e discretos momentos. Chego ao final de cada dia com a sensação de que não fui uma mãe presente o suficiente, que as aulas poderiam ter sido mais bem preparadas, que eu poderia ter servido mais ao meu esposo, que estou devendo uma visita para minha avó, que meus ouvidos se esqueceram da voz de minhas amigas.
Ao final de cada dia, preciso ouvir ao Deus extraordinário invadindo o ordinário para me mostrar a coragem de uma vida simples. Preciso me aquietar e lembrar que estou em obras. Não sou super-heroína. Não desejo mais, como diz o salmista, “coisas grandiosas demais para mim” (Sl 131). Sou apenas uma pessoa comum, aprendendo a manter limpo o chão da própria casa. Apenas uma mulher comum, aprendendo a viver uma vida comum. E, se essa vida for dedicada diariamente a Deus, que coisa mais extraordinária!
- Raquel Bastos, 31 anos, é esposa de José Luis e mãe do Calebe. É presbiteriana, mestre em Linguística Aplicada e professora de português em uma escola municipal.
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