Palavra do leitor
27 de janeiro de 2011- Visualizações: 3093
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A fenomenologia do olhar
Faço um trocadilho com uma matéria que tive no seminário chamada Fenomenologia da Religião, nela estudávamos as análises de alguns pesquisadores sobre o fenômeno religioso em qualquer religião, por isso não se usava o substantivo Deus, apenas o Sagrado, para se referir a este Ser. É o encontro com o Sagrado, esse mistério absurdo, que pode transformar uma vida, trazer novos significados, repintar a nossa existência.
Depois desse encontro deve-se comunicar com símbolos – e palavras são símbolos – que nos remetem ao encontro, no entanto – como bem dizia meu professor Osvaldo – quando comunicamos o encontro, já o perdemos, já passou a experiência, só há os símbolos que o comunicam e interpretam.
Não somente as palavras são símbolos que comunicam, também os são os olhares. Assim, conhecemos um olhar raivoso, de alguém que delira passionalmente com vontade de explodir o mundo, mas também conhecemos o olhar apaixonado dos namorados, aquelas pessoas que não vêem o mundo sem o outro, olhares que conseguem expressar saudade mesmo com a pessoa por perto. É uma forma de dizer: “Que bom que está aqui, minha vida sorri mais com você, espero te ter sempre por aqui”. É o olhar que não pode ver o mundo sem o amante, o confidente... Por isso também percebi nos enterros os olhares das pessoas que parecem se desligar do mundo, olham para a pessoa morta, acariciam sua face, sabem que é a última vez, é o olhar da impotência, de quem daria tudo para que a pessoa voltasse a estar ali, tudo no olhar é lembrança, saudade, dor.
Há olhares como os das crianças, sempre surpresas com as novidades do mundo. Tudo é novo, tudo é descoberta, sem nunca terem lido O Guardador de Rebanhos de Pessoa parecem dizer, como no poema, sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo. Assim dizia o guardador de rebanhos de Pessoa, assim dizem os olhares das crianças, constantemente acompanhados de seus sorrisos cheios de vida. Sempre que volto do trabalho para casa minhas filhas correm para me abraçar com olhares de novidade, parece que não me vêem há dias.
Nesta semana, no entanto, um olhar me marcou profundamente. No centro de recuperação que dirijo, um jovem que passou parte de sua vida consumindo drogas, recebeu de mim e da minha equipe a notícia de que passaria para a última fase do projeto. Estava sentado diante de mim e seus olhos se encheram de lágrimas, mas não chorou, apenas ficaram marejados e todo o rosto acompanhou seu olhar. A boca pouco aberta de surpresa prendeu o sorriso que queria dar... enfim a esperança, a nova vida que recomeça. Certamente passaram em sua mente aqueles filmes da vida inteira em um segundo, quantas dores, quantas perdas a pasta básica de coca lhe trouxe e agora, depois de oito meses, estava na última fase de sua recuperação. Seu olhar lacrimoso foi para mim uma epifania, a manifestação do Sagrado e sua captação. Em sua esperança, na superação de suas dores, tive uma profunda experiência com Deus, senti-me contrito, impotente, mas grato, feliz e em paz. Ali estava eu com minha profunda experiência com o Sagrado, não me permiti chorar, mas meus olhos também brilharam com as lágrimas que queriam sair, eu via Deus e por dentro fervia de devoção. Nunca senti algo tão transformador em nenhum culto que participei. Há uma explicação. Jesus disse: quando fizerdes a qualquer um desses pequeninos, fizerdes a mim. Senti-me como João Batista ao batizar Jesus, como alguém que estendia a mão ao próprio Cristo e que participava de sua história. Um olhar emocionado me comunicou um mundo inteiro de esperança e fé. A salvação da igreja está em lançar-se nas dores dos desesperados desse mundo. Ali, em seus olhares, e não dentro de nossos templos, encontraremos o Sagrado.
Talvez devêssemos criar a Teologia dos Olhares, como uma mística a ser aprendida na igreja. Eles, os místicos, viam Deus em toda a criação, fosse numa árvore, numa formiga, no por do sol. Concordo com eles, mas devemos buscá-lo também nos olhares, se bem que Ele quando se manifesta, vem até mesmo numa sarça que arde em chamas. Hoje posso dizer que a minha sarça foi o olhar de um jovem dependente que se recupera aqui no Peru.
Depois desse encontro deve-se comunicar com símbolos – e palavras são símbolos – que nos remetem ao encontro, no entanto – como bem dizia meu professor Osvaldo – quando comunicamos o encontro, já o perdemos, já passou a experiência, só há os símbolos que o comunicam e interpretam.
Não somente as palavras são símbolos que comunicam, também os são os olhares. Assim, conhecemos um olhar raivoso, de alguém que delira passionalmente com vontade de explodir o mundo, mas também conhecemos o olhar apaixonado dos namorados, aquelas pessoas que não vêem o mundo sem o outro, olhares que conseguem expressar saudade mesmo com a pessoa por perto. É uma forma de dizer: “Que bom que está aqui, minha vida sorri mais com você, espero te ter sempre por aqui”. É o olhar que não pode ver o mundo sem o amante, o confidente... Por isso também percebi nos enterros os olhares das pessoas que parecem se desligar do mundo, olham para a pessoa morta, acariciam sua face, sabem que é a última vez, é o olhar da impotência, de quem daria tudo para que a pessoa voltasse a estar ali, tudo no olhar é lembrança, saudade, dor.
Há olhares como os das crianças, sempre surpresas com as novidades do mundo. Tudo é novo, tudo é descoberta, sem nunca terem lido O Guardador de Rebanhos de Pessoa parecem dizer, como no poema, sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo. Assim dizia o guardador de rebanhos de Pessoa, assim dizem os olhares das crianças, constantemente acompanhados de seus sorrisos cheios de vida. Sempre que volto do trabalho para casa minhas filhas correm para me abraçar com olhares de novidade, parece que não me vêem há dias.
Nesta semana, no entanto, um olhar me marcou profundamente. No centro de recuperação que dirijo, um jovem que passou parte de sua vida consumindo drogas, recebeu de mim e da minha equipe a notícia de que passaria para a última fase do projeto. Estava sentado diante de mim e seus olhos se encheram de lágrimas, mas não chorou, apenas ficaram marejados e todo o rosto acompanhou seu olhar. A boca pouco aberta de surpresa prendeu o sorriso que queria dar... enfim a esperança, a nova vida que recomeça. Certamente passaram em sua mente aqueles filmes da vida inteira em um segundo, quantas dores, quantas perdas a pasta básica de coca lhe trouxe e agora, depois de oito meses, estava na última fase de sua recuperação. Seu olhar lacrimoso foi para mim uma epifania, a manifestação do Sagrado e sua captação. Em sua esperança, na superação de suas dores, tive uma profunda experiência com Deus, senti-me contrito, impotente, mas grato, feliz e em paz. Ali estava eu com minha profunda experiência com o Sagrado, não me permiti chorar, mas meus olhos também brilharam com as lágrimas que queriam sair, eu via Deus e por dentro fervia de devoção. Nunca senti algo tão transformador em nenhum culto que participei. Há uma explicação. Jesus disse: quando fizerdes a qualquer um desses pequeninos, fizerdes a mim. Senti-me como João Batista ao batizar Jesus, como alguém que estendia a mão ao próprio Cristo e que participava de sua história. Um olhar emocionado me comunicou um mundo inteiro de esperança e fé. A salvação da igreja está em lançar-se nas dores dos desesperados desse mundo. Ali, em seus olhares, e não dentro de nossos templos, encontraremos o Sagrado.
Talvez devêssemos criar a Teologia dos Olhares, como uma mística a ser aprendida na igreja. Eles, os místicos, viam Deus em toda a criação, fosse numa árvore, numa formiga, no por do sol. Concordo com eles, mas devemos buscá-lo também nos olhares, se bem que Ele quando se manifesta, vem até mesmo numa sarça que arde em chamas. Hoje posso dizer que a minha sarça foi o olhar de um jovem dependente que se recupera aqui no Peru.
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