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23 de outubro de 2020
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Fruto maduro colhido na estrada
O Meu Lugar no Mundo
Por Ivan Abreu Figueiredo
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Após décadas nessa estrada, olho com simpatia a constatação de ser pequeno diante das demandas do ser médico, grato porque minha vida floresceu na direção de ser professor na medicina. Florescer é a palavra exata, remete a beleza, a perfume, a alegria. Ao ciclo da vida, à corrida de revezamento entre gerações, a amizades tremendas. Nada é capaz de retribuir o acolhimento dos outrora alunos que agora cuidam da minha saúde.
Cursei a graduação numa universidade pública, a Federal do Maranhão. Devo muito a ABU (Aliança Bíblica Universitária), que desafiou e continua a desafiar gerações de estudantes cristãos à busca constante de articular devoção com prática de vida. Éramos constantemente lembrados de sermos gratos por pertencermos à pequena parcela com acesso à educação superior numa escola pública. A isso se juntou o jeito como fui criado, por minha família ter me ensinado a importância da responsabilidade social desde o tempo em que a rua onde morávamos era um microcosmo das desigualdades sociais, com quarteirões pavimentados e casas de alvenaria como a nossa, e no final da mesma rua a lama e as palafitas.
Nos anos 1980, fui residente de Clínica Médica e depois Dermatologia em um hospital público do Rio de Janeiro e tive oportunidade de passar um tempo no ambulatório de hanseníase da Fiocruz, onde fui fisgado pela beleza do atendimento aos portadores dessa doença tão negligenciada ainda. Logo depois prestei concurso para professor e comecei a trabalhar na mesma escola onde me formei. Assim, exercer a profissão no serviço público sempre fez parte de meu dia a dia.
Aos poucos fui compreendendo a importância da busca de inteireza no ser e viver, o fascínio da dimensão relacional, do perceber as entrelinhas, do compartilhar riso e choro, um chamado à sensibilidade aguçada.
Quando assinei meu contrato de professor reparei numa cláusula que dizia estarmos obrigados a servir à instituição no interior do Maranhão se assim a universidade achasse necessário. E torci para que isso não acontecesse comigo. Mal sabia o que estava perdendo...
Seis anos depois comecei a ir para o interior, movido pelo desejo de ajudar no diagnóstico precoce da hanseníase, inspirado pelos versos da canção “Nos bailes da vida”, de Milton Nascimento e Fernando Brant: “Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão / Todo artista tem de ir onde o povo está / Para cantar, nada era longe, tudo tão bom / Té a estrada de terra na boleia de caminhão / Era assim”. A estrada para o interior me amadureceu a bordo de carros, jardineiras, caminhões e embarcações grandes e pequenas. A beleza da medicina solidária começou a me tocar mais fundo e fazer das suas. E com ela seu poder irresistível de nos transformar se encontrar espaço. De ser usada pelo Pai para o resgate do humano em nós. De aguçar a percepção para perceber mais claramente as coisas, para vivenciar no trabalho a dimensão mais profunda de valorizar as pessoas e restaurar sua dignidade de criadas à imagem e semelhança de Deus.

Sem dúvida, sou o maior beneficiário dessa decisão de focar parte da minha relação profissional com o serviço público, principalmente do interior que aprendi a amar profundamente. Fazer o que se é chamado a fazer tem muita alegria para compensar os momentos difíceis. Com certeza, o mundo precisa de gente comum muito mais do que de (supostos) heróis.
Ivan Abreu Figueiredo, médico, professor universitário, membro da Igreja Batista Plenitude, São Luís, MA.
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