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Opinião

Um chamado à vida comum

Artigo originalmente retirado da edição 401 da Revista Ultimato.

Por Prisca Lessa Mendonça
 
“É preciso coragem para crer que uma vida pequena ainda é uma vida significativa, e é preciso graça para saber que o Senhor me vê e me ama mesmo que eu não tenha feito nada poderoso ou ousado ou até mesmo interessante, e isto me basta.” (Tish H. Warren)
 
Li esta singela frase há alguns anos no livro Simplesmente Crente, de Michael Horton, e hoje, ao revisitá-la, percebo quanto ela é revolucionária.
 
Por muito tempo vivi em busca de uma vida relevante para Deus. Cresci ouvindo que eu precisava viver uma vida radical por amor a Cristo. Uma vida radical envolvia abandonar tudo e servir a Deus em um lugar distante e viver uma espiritualidade fervilhante, marcada por experiências e testemunhos impactantes.
 
Mas, conforme os anos foram passando e me tornei adulta, percebi que esse padrão de vida era, de fato, inatingível; não pelo ato de fazer coisas significativas em si, mas por causa do conceito equivocado que eu havia elaborado sobre o que significa ser relevante aos olhos de Deus.
 
Para mim, uma vida relevante deveria ser freneticamente empolgante, cheia de feitos e experiências extraordinárias. Eu convivia com amigos que faziam parte de projetos que estavam impactando comunidades, viajando o mundo e fazendo coisas importantes, enquanto eu seguia na mesma, domingo após domingo, na minha rotina de trabalho, estudos e igreja. Foi um longo processo até que eu pudesse compreender que “uma vida pequena ainda é uma vida significativa”, independentemente de grandes ou pequenos feitos.
 
Acredito que muitos, assim como eu, cresceram ouvindo discursos parecidos com os que ouvi e com a visão de que uma vida comum é menos desejável e, até mesmo, menos espiritual.
 
Entre o sagrado e o secular
Quem ousaria colocar no currículo: “sou uma pessoa ordinária” ou “sou um profissional ordinário”? Em sã consciência, ninguém. Certamente encararíamos como ofensa se alguém nos definisse dessa maneira, pois algo ordinário geralmente é visto como desprezível e inferior.
 
De modo geral, o uso da palavra “ordinário” está relacionado ao que é comum, costumeiro e assíduo; há um outro sentido, também, em que a palavra está relacionada ao que é modesto, pequeno, ou até mesmo, inferior.
 
Essa é uma perspectiva do uso geral do termo; contudo, quando olhamos para a teologia da Reforma Protestante, encontramos um entendimento mais elevado acerca daquilo que é ordinário.
 
No catolicismo medieval, acreditava-se que Deus estava no monastério, não no mercado; na missa, não no lar. Trocar a fralda de um bebê, por exemplo, jamais poderia ser entendido como um ato bom ou espiritual.
 
Porém, a partir do entendimento que reformadores como Lutero e Calvino tiveram – de que toda a vida é vivida diante da face de Deus –, passou-se a considerar sagrados não somente alguns aspectos da vida, mas o seu todo. Então, a vida comum também passou a ser vista como sagrada.
 
Porém notemos que não foram os reformadores que tornaram sagradas as coisas ordinárias, mas o próprio Senhor – e isso fica ainda mais claro quando, na encarnação, Deus andou neste mundo, de modo ordinariamente santo.
 
Entre a glória e a poeira
Em sua encarnação, Cristo viveu entre a glória e a poeira. O Deus extraordinário fez-se ordinário e habitou entre nós. Ele adentrou o mundo comum e se fez carne, carne comum.
 
Ele viveu entre a poeira das ruas de Nazaré, o suor e a serragem numa carpintaria. Ele não julgou que ser grande era algo ao qual deveria apegar-se; em vez disso, esvaziou-se e viveu da maneira mais ordinária possível até a morte, e morte de cruz.
 
Jesus sabia de seu chamado extraordinário, mas ainda assim ele viveu de modo ordinário neste mundo. Ele foi um homem comum; você o veria no metrô, você o veria comprando água na fila do ônibus – enquanto também estaria oferecendo água viva à vendedora ambulante; você o veria tomando vinho e alegrando-se no casamento de um primo ou esperando o almoço ficar pronto na casa de amigos queridos; e em cada uma dessas circunstâncias ordinárias ele estaria sendo plenamente Deus, plenamente extraordinário.
 
O mais extraordinário de todos os chamados neste mundo foi construído sobre dias ordinários, dias corriqueiros, de cansaço e rotina
.
Em Cristo vemos a perfeita unidade entre o sagrado e o secular, entre as coisas ordinárias e as extraordinárias. Uma teologia do ordinário nada mais é do que um chamado à vida comum, um chamado diário a deixarmos de viver vidas quebradas e repartidas entre o sagrado e o secular.
 
Por meio da compreensão de que toda a vida é vivida coram Deo, somos lembrados de que Deus está presente no cotidiano e, portanto, cada ato do ordinário é uma expressão de adoração a ele. Nosso lar, nosso trabalho e nossos trajetos são, também, nossos lugares de adoração.
 
A adoração pode ser bela no domingo, mas precisamos nos lembrar de que Deus é o Senhor dos domingos e também das segundas-feiras.
 
A teologia do ordinário é um lembrete para o nosso coração ávido por novidades, um lembrete de que é em meio à nossa rotina enfadonha que a graça de Deus nos forma.
 
Vidas ordinárias
Viver uma vida ordinária é compreender que tudo o que fazemos é para a glória de Deus. Que mesmo nossos menores atos são significativos quando apontados para ele. Que não precisamos fazer somente grandes coisas para que ele seja glorificado.
 
Deus pode ser glorificado quando finalmente decido encarar aquela pilha de roupas que precisam ser dobradas para servir à minha família; quando assumo minhas responsabilidades e faço o que precisa ser feito, ainda que não seja algo prazeroso ou desejado.
 
Contudo, vale salientar que o chamado a uma vida ordinária não significa viver sem propósito ou sem aspirações. O anseio pelo extraordinário é legítimo porque Deus nos criou para vivermos uma vida extraordinária nele.
 
Há beleza no ordinário. Há beleza na nossa rotina diária, nas carinhas amassadas dos nossos filhos, no cheiro de café sendo coado pela manhã, nos ritmos da vida, sejam eles mais intensos ou tranquilos. Há beleza em nosso trabalho, nos e-mails a serem respondidos, no chão a ser varrido, nos relatórios a serem entregues. Há beleza.
 
Frestas para o extraordinário
No fim das contas, essa vida comum que vivemos é apenas uma maneira de nos fazer ansiar por algo extraordinário, é uma fresta para o extraordinário.
 
É em meio à vida comum que Deus escolhe se revelar a nós, é por meio da vida comum que descobrimos o anseio pelo extraordinário, pela própria eternidade.
 
O cansaço, as alegrias, as tristezas, os pequenos prazeres diários nos apontam para uma existência maior e mais plena, para a qual fomos criados.
 
A vida comum é um vislumbre da eternidade; de fato, uma frestinha pela qual enxergamos a Deus.
 
Vidas ordinárias na era do espetáculo
Em um mundo onde as pessoas estão em busca de relevância, a teologia do ordinário nos leva a olharmos e a valorizarmos as coisas comuns, as conversas em volta da mesa, a vida real, que acontece fora dos stories, o serviço à igreja local e os relacionamentos imperfeitos e tão necessários. Precisamos resgatar essas pequenas coisas, porém, mais do que isso, precisamos dar a elas o seu verdadeiro significado.
 
Em uma era de espetáculos, viver uma vida comum é algo realmente radical.
 
Deus não desprezou este mundo comum nem nossa vida comum. A teologia do ordinário é um convite a olharmos para a nossa vida como um teatro da glória de Deus e para cada aspecto dela como uma oportunidade para refletir essa glória.
 
“Deus é o Deus de toda a criação. Ele é Deus das segundas-feiras e também dos domingos. A humanidade foi criada à imagem de Deus para refletir sua glória no mundo. No evangelho, somos restaurados à nossa verdadeira humanidade. Somos renovados para que, mais uma vez, possamos refletir a glória de Deus no mundo de Deus.”1
 
Que possamos refletir a glória de Deus em nossa vida comum. Há beleza no ordinário, olhe pela fresta e você a encontrará!
 
Nota
1. REEVES, Michael; CHESTER, Tim. Por que a Reforma ainda é importante?. São Paulo: Editora Fiel, 2018.

  • Prisca Lessa Mendonça, teóloga, escritora e professora da Bíblia, é líder e fundadora do ministério Teologia Para Mulheres (@teologiaparamulheres_), cujo propósito é encorajar as mulheres a estudarem teologia, de maneira simples e acessível. Instagram: @priscalessa.

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