Opinião
17 de junho de 2025
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Presente e futuro da igreja evangélica no Brasil – parte 3
O poder é inevitável nas relações sociais, mas ele é sempre perigoso
(Publicado originalmente na edição 318 de Ultimato, 01/05/2009)
Por Paul Freston
Para terminar esta série de artigos sobre o presente e futuro da igreja evangélica brasileira (leia a parte 1 e a parte 2), quero dar a minha “receita” para fazer com que a igreja evangélica se mantenha numericamente ao longo de várias gerações e deixe uma marca positiva na história do país. Primeiro, a recuperação da espiritualidade cristã clássica. Já vemos alguns movimentos incipientes nesse sentido no meio evangélico brasileiro. Aquela espiritualidade clássica de escuta, de humildade, de cultivo do interior. Em segundo lugar, a ética centrada no cultivo do domínio próprio nas três grandes áreas clássicas: dinheiro, sexo e poder. Como evangélicos, somos capazes de perceber um escândalo sexual a uma grande distância, mas incapazes de perceber os maiores escândalos de dinheiro e poder debaixo do nosso próprio nariz. Em terceiro lugar, a visão reformada da fé como transformadora da sociedade, baseada numa cosmovisão bíblica. Em quarto lugar, uma teologia do poder que saiba discernir entre modelos sadios e doentios de liderança. Muitas vezes criamos “ídolos” evangélicos (talvez por não termos santos como os católicos!) e esses ídolos acabam nos desapontando, para dizer o mínimo. O problema é que, de fato, precisamos de exemplos inspiradores. Como diz o apóstolo Paulo em 1 Coríntios 11, “sejam meus imitadores”. Porém a frase não para aí. “Sejam meus imitadores, ‘como eu sou de Cristo’”. A diferença fundamental entre os dois tipos de líderes evangélicos pode ser demonstrada ao se fazer uma analogia com dois tipos de janela. A janela de uma sala é transparente; conseguimos ver o que está do outro lado dela. Já a janela de um banheiro é opaca; deixa passar a luz, mas não permite uma visão do que está do outro lado. Ninguém enxerga o que está além de uma janela opaca. Da mesma forma, existem os líderes evangélicos opacos, e os líderes evangélicos transparentes. Os opacos podem ser fantásticos, mas não enxergamos nada além deles. E quando eles caem, como inevitavelmente acontece, nosso mundo desaba. Por outro lado, existem os líderes transparentes. Na realidade, eles não são uma janela de sala perfeita: sempre tem algumas rachaduras. Embora as rachaduras nas janelas transparentes possam distorcer um pouco a visão da paisagem, elas não nos impedem de vê-la. Fazemos um ajuste mental: “Aqui há um defeito na janela, aquela árvore não é bem assim na realidade”. Os nossos líderes transparentes são sempre rachados, imperfeitos. Mesmo assim, conseguimos ver além deles, em direção a Cristo. Melhor a transparência rachada do que a opacidade intacta. Ironicamente, o nosso meio evangélico sofre de uma doutrina fraca do pecado. Não temos a doutrina protestante clássica, de desconfiança. Todas as pessoas são afetadas pelo pecado, e não devemos confiar demais em ninguém. Pelo contrário, é por isso que sempre deve haver uma prestação mútua de contas. O poder é inevitável nas relações sociais, mas ele é sempre perigoso. É por isso que quando Paulo levanta uma oferta para a igreja de Jerusalém entre as igrejas da Grécia, pede que as igrejas escolham uma pessoa para ir com ele - para ficar de olho nele! E isso apesar de Paulo ser apóstolo e pai na fé de muitos daqueles cristãos. Ninguém é digno de poder ilimitado e incontrolável.

O quinto e último ponto da minha ‘receita’ é a teologia da distribuição dos dons do Espírito Santo. Não uma teologia dos dons em si, mas da distribuição deles. Essa teologia da distribuição dos dons é (ou deveria ser) a base da igreja, a base da eclesiologia. A base da vida da igreja é a maneira como Deus distribui os dons do Espírito. E o que percebemos lendo Romanos 12 e 1 Coríntios 12 (além da diferença enorme nas duas listas de dons) é a ênfase na doutrina da distribuição. Ou seja, Deus dá dons do Espírito Santo a todos, não a alguns. Ele poderia ter dado dons a alguns poucos e deixado os outros sem nada; mas, se fizesse isso, seria outro deus e criaria outra igreja. Também seria possível que Deus desse todos os dons a cada indivíduo; mas novamente seria outro deus criando outra comunidade cristã (que não seria ‘comunidade’, pois cada pessoa seria espiritualmente autônoma e autossuficiente). Porém, Deus não faz isso; ele dá dons a todos, mas não dá todos os dons a ninguém. Seria possível também que Deus decidisse que certas pessoas fossem mais importantes por causa dos dons que recebem, criando uma hierarquia entre os cristãos. Mas, novamente, Deus não faz isso. Porque a maneira como Deus distribui os dons reflete seu caráter, e isso deveria ser normativo para a vida da igreja. Quando a vida da igreja não reflete essa doutrina da distribuição dos dons, acaba distorcendo o caráter do Deus que apresenta ao mundo.
As implicações disso são radicais. Essa doutrina é radicalmente democrática; não existe nada no mundo antigo que chegue perto disso. A democracia grega era só para homens livres. No entanto, o Novo Testamento explicitamente inclui escravos, mulheres e todas as etnias, superando o classismo, o sexismo e o etnocentrismo. E essa doutrina da distribuição contrasta radicalmente com tantas coisas que acontecem dentro das nossas igrejas, inclusive as igrejas que se dizem pentecostais e procuram cultivar os dons. Contrasta visivelmente com os estilos de liderança que predominam no nosso meio.
REVISTA ULTIMATO – LIVRA-NOS DO MAL
O mal e o Maligno existem. E precisamos recorrer a Deus, o nosso Pai, por proteção.
O que sabemos sobre o mal? A que textos bíblicos recorremos para refletir e falar do assunto? Como o mal nos afeta [e como afetamos outros com o mal] e porque pedimos para sermos livres dele? Por que os cristãos e a igreja precisam levar esse assunto a sério?
É disso que trata a matéria de capa da edição 413 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Cristianismo Antigo para Tempos Novos – Amor à Bíblia, Vida Intelectual e Fé Pública, Paul Freston
» O Que Cristo Pensa da Igreja? – A mensagem das sete cartas de Apocalipse, John Stott
(Publicado originalmente na edição 318 de Ultimato, 01/05/2009)
Por Paul Freston


O quinto e último ponto da minha ‘receita’ é a teologia da distribuição dos dons do Espírito Santo. Não uma teologia dos dons em si, mas da distribuição deles. Essa teologia da distribuição dos dons é (ou deveria ser) a base da igreja, a base da eclesiologia. A base da vida da igreja é a maneira como Deus distribui os dons do Espírito. E o que percebemos lendo Romanos 12 e 1 Coríntios 12 (além da diferença enorme nas duas listas de dons) é a ênfase na doutrina da distribuição. Ou seja, Deus dá dons do Espírito Santo a todos, não a alguns. Ele poderia ter dado dons a alguns poucos e deixado os outros sem nada; mas, se fizesse isso, seria outro deus e criaria outra igreja. Também seria possível que Deus desse todos os dons a cada indivíduo; mas novamente seria outro deus criando outra comunidade cristã (que não seria ‘comunidade’, pois cada pessoa seria espiritualmente autônoma e autossuficiente). Porém, Deus não faz isso; ele dá dons a todos, mas não dá todos os dons a ninguém. Seria possível também que Deus decidisse que certas pessoas fossem mais importantes por causa dos dons que recebem, criando uma hierarquia entre os cristãos. Mas, novamente, Deus não faz isso. Porque a maneira como Deus distribui os dons reflete seu caráter, e isso deveria ser normativo para a vida da igreja. Quando a vida da igreja não reflete essa doutrina da distribuição dos dons, acaba distorcendo o caráter do Deus que apresenta ao mundo.
As implicações disso são radicais. Essa doutrina é radicalmente democrática; não existe nada no mundo antigo que chegue perto disso. A democracia grega era só para homens livres. No entanto, o Novo Testamento explicitamente inclui escravos, mulheres e todas as etnias, superando o classismo, o sexismo e o etnocentrismo. E essa doutrina da distribuição contrasta radicalmente com tantas coisas que acontecem dentro das nossas igrejas, inclusive as igrejas que se dizem pentecostais e procuram cultivar os dons. Contrasta visivelmente com os estilos de liderança que predominam no nosso meio.
- Paul Freston, inglês naturalizado brasileiro, é professor emérito de religião e política em contexto global na Balsillie School of International Affairs e na Wilfrid Laurier University, em Waterloo, Ontário, Canadá, e professor colaborador do programa de pós-graduação em sociologia na Universidade Federal de São Carlos. É autor de, entre outros, Religião e Política, Sim; Igreja e Estado Não; Cristianismo Antigo para Tempos Novos e Nem Monge, Nem Executivo, todos pela Editora Ultimato.
>> Leia também Presente e futuro da igreja evangélica no Brasil - parte 1
e Presente e futuro da igreja evangélica no Brasil - parte 2. <<
e Presente e futuro da igreja evangélica no Brasil - parte 2. <<

O mal e o Maligno existem. E precisamos recorrer a Deus, o nosso Pai, por proteção.
O que sabemos sobre o mal? A que textos bíblicos recorremos para refletir e falar do assunto? Como o mal nos afeta [e como afetamos outros com o mal] e porque pedimos para sermos livres dele? Por que os cristãos e a igreja precisam levar esse assunto a sério?
É disso que trata a matéria de capa da edição 413 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Cristianismo Antigo para Tempos Novos – Amor à Bíblia, Vida Intelectual e Fé Pública, Paul Freston
» O Que Cristo Pensa da Igreja? – A mensagem das sete cartas de Apocalipse, John Stott
Autor de "Religião e Política, sim; Igreja e Estado, não" e "Nem Monge, Nem Executivo - Jesus: um modelo de espiritualidade invertida", ambos pela Editora Ultimato; e "Neemias, Um Profissional a Serviço do Reino" e "Quem Perde, Ganha", pela ABU Editora, Paul Freston, inglês naturalizado brasileiro, é doutor em sociologia pela UNICAMP. É professor do programa de pós-graduação em ciências sociais na Universidade Federal de São Carlos e, desde 2003, professor catedrático de sociologia no Calvin College, nos Estados Unidos. É colunista da revista Ultimato.
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