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Opinião

Para apreciar: “Um minuto de silêncio”

Arte: o chão de nossa caminhada

É possível encontrar artistas que se preocupam com estética e mensagem na Igreja evangélica brasileira. Procurei por lançamentos de CDs que chegaram às minhas mãos e elegi “Um minuto de silêncio”, de Tiago Vianna, para analisar a música e seu relacionamento com as letras. Para me ajudar nesta caminhada, convidei o amigo e colega de trabalho Filipe Fontes. Decidimos nos ater apenas a três canções que achamos mais expressivas dentre as onze canções do álbum.
 
“Um minuto de silêncio” possui uma considerável diversidade temática. As letras são, em geral, muito ricas, tanto em termos estéticos quanto em profundidade de conteúdo. Para nós, a poética é o ponto alto deste trabalho.

Faixa 3 - (In) Vento (Letra: Gladir Cabral/ Música: Tiago Vianna)
 
O vento passeia livre pelo mar
E ouço a sua voz, o seu cantar
Mas... de onde vem?
E agora pra onde vai?
É certo, assim é quem nasce outra vez
É vento, soprado pelos lábios seus
 
Pode muito bem chegar
Para, então, partir de novo
Pode se fazer parar
Pode se fazer renovo
Floração do intento
Viração do invento
 
Voar... voar... por mares e por campos abertos
Voltar.. voltar: o longe é perto, sempre
Pousar... pousar na frágil segurança do afeto
E ver o sol... nascer de novo no amanhecer
 
O jogo de palavras do título possibilita dupla interpretação. Se “in” for encarado como a preposição inglesa [em, no], somos remetidos ao “vento” como condutor. Se for visto como formador da palavra “invento”, somos remetidos à novidade de uma vida conduzida pelo Vento. Como cremos que, em se tratando de arte, não precisamos optar por uma delas exclusivamente, poderíamos dizer que, partindo da metáfora usada por Jesus na conversa com Nicodemos [Jo 3], “(In) Vento” é uma singela descrição da ação inventora do Vento (o Espírito Santo de Deus), e da experiência de construção e liberdade que experimentam os que são inventados por Ele. 
 
A música serve bem à letra. Na primeira estrofe, nas frases “Mas de onde vem?”/ “E agora pra onde vai?” há um jogo com a harmonia em que o primeiro acorde leva a um lugar inusitado, caracterizando bem as perguntas. 
 
Na segunda estrofe, a sucessão de acordes não tem uma tonalidade definida, o que liga a música à ideia de movimento e atitude encontradas na letra através das palavras “chegar”, “partir”, “parar”, “renovo”, “floração” e “viração”.
 
Na terceira estrofe, onde a letra cita os “mares e campos” e apresenta as ambiguidades “longe é perto” e “frágil segurança”, os compositores optaram por substituir o acorde que geralmente é mais utilizado como passagem para o acorde principal, trazendo mais uma vez a proximidade entre música e letra. A frase final utiliza um acorde fora da tonalidade principal, um “invento” de uma tonalidade ainda não utilizada nesta canção, o que ilustra bem a frase “E ver o sol nascer de novo no amanhecer”.

Faixa 5 - A moça (Letra: Silvia Mendonça/ Música: Tiago Vianna) 
 
A moça na janela vê o que? A moça abre a porta, para quem?
E quando acende a chama do fogão a moça está só...
 
A moça pega a caneta ela falha
Procura um papel em branco
E quando põe na mesa um prato
A moça está só
 
A moça abre o livro e imagina, a moça liga o rádio e desliga
E quando abre a porta o jornal está no chão e a moça está só
 
A moça olha as horas que não passam
A moça conta os anos, eles voam
A moça pinta os seus olhos de negro, a moça está só
 
A moça sai à rua e respira, a moça toma chuva, se alivia.
Passeia com os olhos borrados, é claro: não se importa
Parece que está só...

Uma vívida descrição da solidão! A composição da melodia e as escolhas para o arranjo de “A moça” foram muito acertadas. De tão pictórica nos remete às cenas de um filme. 
O aspecto intrigante da música fica por conta do “q” de dúvida quanto à continuidade da solidão da moça. A constatação da solidão sempre presente ao longo do poema – “a moça está só” – abre espaço para uma frase final construída em tom de incerteza: “parece que a moça está só”. Este tom de incerteza, também impresso pelo último acorde que se alonga, ao mesmo tempo em que não transmite uma sensação de “final”, faz adentrar à canção uma réstia de redenção, possibilitando nascer a esperança. Esta ideia de esperança, reforçada pela sequência de acordes da última estrofe, encontra eco na canção seguinte, “Na varanda”. Possivelmente Tiago Vianna e Maurício Caruso (que assina a produção musical) tenham pensado nessa adequação de mensagem entre as duas canções ao escolher a ordem do repertório no CD.

Faixa 6 - Na varanda (Mário Coutinho/ Tiago Vianna)

Esperança na varanda brinca
Tão risonha escarafuncha
A vida de quem cochila
Esperança na varanda espera
A chuva que vem longe
Cinza, triste e vagarosa. 
 
Esse campo perigoso
Onde tudo tem seu risco
Visgo de tristeza pega
Seus maus tratos trazem frio 
Vida, quintal de criança.
Há que se saber dos riscos
Há que se saber dos cacos
Riscado do giz de barro
 
Esperança na varanda grita
Acorda a alma esquiva
Alma de quem não dá bola
Esperança na varanda escuta
Os lamentos e as rimas
Dos poetas tão cansados
Dos poetas tão escassos
 
Vida, pátio de escola
Tudo nela vai, decola
Voo certo na subida
Em busca do grande azul
Vida é como folha de livro
Vida é verso bandido
Vida é verso em reverso.

O tom de tristeza e incerteza de “A moça” dá lugar a um tom de alegria e esperança em “Na varanda”. Aliás, nesta letra a esperança é personificada, e a ela se atribui ações como brincar, esperar, gritar e escutar. Isto reforça a ideia de esperança como tema da canção. 
 
O efeito inicial e a execução da guitarra desta faixa são muito parecidas aos da faixa “(In) vento”. Teria sido proposital a junção de “vento” e “varanda” a partir desta introdução? 
 
A letra é uma reflexão sobre a vida e reflexões esperançadas sobre a vida são cada vez mais incomuns. É interessante perceber que a esperança apresentada não é ingênua, mas refletida. Ela se fundamenta no fato de que a vida é oportunidade de aprendizado e crescimento. Esta concepção é apresentada metaforicamente nas comparações da vida com quintal de criança, pátio de escola e folha de livro, e confirmada repetidas vezes pela frase final: “Vida é verso em reverso”. O arranjo traz uma ideia de boa expectativa, de espera otimista. 
 
Nas frases “Há que se saber dos riscos”/ “Há que se saber dos cacos”/ e mais à frente “Vida, pátio de escola”, possivelmente há uma homenagem ou citação de “Coração de Estudante”, de Milton Nascimento e Wagner Tiso:
 
Coração de estudante
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
 
A música é curta e sem repetições, com exceção da frase final, o que a transforma quase em um manifesto de uma visão de mundo que leva em conta a esperança.
Indicamos a você, leitor dessa coluna, quebrar o silêncio com o novo disco de Tiago Vianna. Caminhemos!

Filipe Costa Fontes - bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano José Manoel da Conceição, Licenciado em Filosofia pelo Centro Universitário Assunção, mestre em Teologia Filosófica pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, mestrando em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Consultor Teológico Filosófico do Sistema Mackenzie de Ensino e professor do Departamento de Cultura Geral no Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição.
É músico, historiador, educador, escritor e revisor pedagógico de História. Seu trabalho musical principal é o Baixo e Voz, que já conta com 21 anos, cinco CD's e um DVD. Mestrando em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
  • Textos publicados: 12 [ver]

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