Palavra do leitor
04 de março de 2011- Visualizações: 1916
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O protestantismo que não existe
O que é o protestantismo? É a possibilidade de se dizer não onde pensava-se sim e de dizer sim onde pensava-se não. Não é uma regra, mas uma possibilidade. As noventa e cinco teses de Lutero foi um documento de contrapeso, da manifestação do contrário, da negação do que antes se afirmava veementemente e, também, da afirmação do que se negava. Assim, as noventa e cinco teses começam: "1 . Ao dizer: "Fazei penitência", etc. [Mt. 4:17], o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência. 2 . Esta penitência NÃO pode ser entendida como penitência sacramental (isto é, da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos sacerdotes)". O que antes era visceralmente afirmado, Lutero diz não.
Isso também me faz lembrar do livro "O Homem Revoltado" de Camus. Ele escreve, com sua perspicácia, que o homem revoltado é como o escravo que sempre foi oprimido e que um diz não. Esse "não" não é apenas uma negação de serviço, é mais, é um "não" existencial, é alguém que diz: "até aqui sim, a partir daqui não", mais ainda, "liberdade ou morte". Esse "não" revoltado, e por que não, de protesto, é um "não" profundo, que foi encontrado em figuras conhecidas como Gandhi, Martin Luther King Jr., Mandela e Desmond Tutu, mas também encontrado nos reformadores. Antes de tudo não é um "não" político, será depois, com seus desdobramentos na história, mas sua fonte é a existência do indivíduo.
O protestantismo perdeu o seu “não” existencial, tornou-se somente o não político e como toda política exige sua diplomacia, seu “não” é muitas vezes conveniente, sínico, oportunista e pragmático. Sua consciência grita “sim”, mas o indivíduo só consegue balbuciar um “não”. É o “não” da resignação, de quem joga a toalha, de quem desiste da vida e espera a morte.
O filósofo Nietzsche, odiado por muitos cristãos, mas nem por isso menos importante para o nosso pensamento protestante, em seu livro “Genealogia da Moral” lembra que em alemão a mesma palavra (Schuld) é usada para “dívida” e “culpa”. Por isso mesmo investiga a ligação de uma coisa e outra e diz: “Esses alemães souberam adquirir uma memória com os meios mais terríveis, para sujeitar seus instintos básicos plebeus e a brutal grosseria destes: pense-se nos velhos castigos alemães, como o apedrejamento (...), a roda (...), o empalamento, o dilaceramento ou pisoteamento por cavalos (...), a fervura do criminoso em óleo ou vinho (...). – Ah, a razão, a seriedade, o domínio sobre os afetos, toda essa coisa sóbria que se chama reflexão, todos esses privilégios e adereços do homem: como foi alto o seu preço! Quanto sangue e quanto horror há no fundo de todas as “coisas boas””.
O que Nietzsche quer dizer é que a consciência do homem foi marcada a “ferro e fogo” pelo medo, mas não devemos olhar somente para sua análise da crueldade dos governantes alemães. Nós da igreja devemos olhar para a formação teológica, para o que está por trás de nossa eclesiologia, de nossa conduta individual. Esse contrato entre a igreja e o indivíduo era punido com a fogueira, a tortura, a excomunhão da igreja e, assim, da vida eterna. Na igreja de hoje, os meios de punição da antiguidade são proibidos. Ainda bem, pois alguns não titubeariam em utilizar esses métodos para salvação da pureza eclesiástica e da verdade, mas ainda hoje a moral – e na igreja o “não” é uma imoralidade – é uma forma de marcar a consciência do indivíduo, o que foi bem notado pelo sociólogo americano Peter Berger, quando escreve que “A imoralidade é punida com a perda do emprego, a excentricidade pela perda das possibilidades de se conseguir outro, o anticonvensionalismo pela rejeição dos grupos que respeitam aquilo que consideram boas maneiras. O desemprego e a solidão talvez sejam castigos menores que ser levado arrastado pelos policiais, mas talvez a pessoa punida não pense assim”.
O protestantismo é profundamente revoltado (no sentido inicial da obra de Camus) para se institucionalizar, por isso o nosso protestantismo é somente aquele movimento histórico que acaba por se tornar o “statu quo”, e uma vez que assim se institucionaliza tenta reprimir o “não” que vem contra ele. O que surge da Reforma recusa-se a reformar, tenta moldar a consciência de indivíduos, tenta dizer que o “sim” tem que ser sempre “sim”. Tornou-se o senhor do escravo revoltado, do escravo que deve conformar-se e viver neuroticamente seu catolicismo travestido de protestantismo, seu “sim” travestido de “não”. Melhor seria se conservássemos o espírito protestante que sua política.
Negamos a fonte para nos segurarmos nas conseqüências. Mais ainda, nós preservamos o discurso protestante e a consciência católica. Não poderíamos chegar a outro lugar senão à neurose que nos tornamos hoje.
Isso também me faz lembrar do livro "O Homem Revoltado" de Camus. Ele escreve, com sua perspicácia, que o homem revoltado é como o escravo que sempre foi oprimido e que um diz não. Esse "não" não é apenas uma negação de serviço, é mais, é um "não" existencial, é alguém que diz: "até aqui sim, a partir daqui não", mais ainda, "liberdade ou morte". Esse "não" revoltado, e por que não, de protesto, é um "não" profundo, que foi encontrado em figuras conhecidas como Gandhi, Martin Luther King Jr., Mandela e Desmond Tutu, mas também encontrado nos reformadores. Antes de tudo não é um "não" político, será depois, com seus desdobramentos na história, mas sua fonte é a existência do indivíduo.
O protestantismo perdeu o seu “não” existencial, tornou-se somente o não político e como toda política exige sua diplomacia, seu “não” é muitas vezes conveniente, sínico, oportunista e pragmático. Sua consciência grita “sim”, mas o indivíduo só consegue balbuciar um “não”. É o “não” da resignação, de quem joga a toalha, de quem desiste da vida e espera a morte.
O filósofo Nietzsche, odiado por muitos cristãos, mas nem por isso menos importante para o nosso pensamento protestante, em seu livro “Genealogia da Moral” lembra que em alemão a mesma palavra (Schuld) é usada para “dívida” e “culpa”. Por isso mesmo investiga a ligação de uma coisa e outra e diz: “Esses alemães souberam adquirir uma memória com os meios mais terríveis, para sujeitar seus instintos básicos plebeus e a brutal grosseria destes: pense-se nos velhos castigos alemães, como o apedrejamento (...), a roda (...), o empalamento, o dilaceramento ou pisoteamento por cavalos (...), a fervura do criminoso em óleo ou vinho (...). – Ah, a razão, a seriedade, o domínio sobre os afetos, toda essa coisa sóbria que se chama reflexão, todos esses privilégios e adereços do homem: como foi alto o seu preço! Quanto sangue e quanto horror há no fundo de todas as “coisas boas””.
O que Nietzsche quer dizer é que a consciência do homem foi marcada a “ferro e fogo” pelo medo, mas não devemos olhar somente para sua análise da crueldade dos governantes alemães. Nós da igreja devemos olhar para a formação teológica, para o que está por trás de nossa eclesiologia, de nossa conduta individual. Esse contrato entre a igreja e o indivíduo era punido com a fogueira, a tortura, a excomunhão da igreja e, assim, da vida eterna. Na igreja de hoje, os meios de punição da antiguidade são proibidos. Ainda bem, pois alguns não titubeariam em utilizar esses métodos para salvação da pureza eclesiástica e da verdade, mas ainda hoje a moral – e na igreja o “não” é uma imoralidade – é uma forma de marcar a consciência do indivíduo, o que foi bem notado pelo sociólogo americano Peter Berger, quando escreve que “A imoralidade é punida com a perda do emprego, a excentricidade pela perda das possibilidades de se conseguir outro, o anticonvensionalismo pela rejeição dos grupos que respeitam aquilo que consideram boas maneiras. O desemprego e a solidão talvez sejam castigos menores que ser levado arrastado pelos policiais, mas talvez a pessoa punida não pense assim”.
O protestantismo é profundamente revoltado (no sentido inicial da obra de Camus) para se institucionalizar, por isso o nosso protestantismo é somente aquele movimento histórico que acaba por se tornar o “statu quo”, e uma vez que assim se institucionaliza tenta reprimir o “não” que vem contra ele. O que surge da Reforma recusa-se a reformar, tenta moldar a consciência de indivíduos, tenta dizer que o “sim” tem que ser sempre “sim”. Tornou-se o senhor do escravo revoltado, do escravo que deve conformar-se e viver neuroticamente seu catolicismo travestido de protestantismo, seu “sim” travestido de “não”. Melhor seria se conservássemos o espírito protestante que sua política.
Negamos a fonte para nos segurarmos nas conseqüências. Mais ainda, nós preservamos o discurso protestante e a consciência católica. Não poderíamos chegar a outro lugar senão à neurose que nos tornamos hoje.
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