Palavra do leitor
08 de maio de 2014- Visualizações: 1935
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A fé cristã e o assassinato de Fabiane Maria
Conta-nos o evangelho segundo São João que uma mulher surpreendida em adultério foi posta diante de Jesus pelos fariseus: “a lei diz que ela deve ser apedrejada, tu, porém, que dizes?”. É fato que Levítico 20:10 diz: “Se um homem cometer adultério com a mulher de outro homem, com a mulher do seu próximo, tanto o adúltero quanto a adúltera terão que ser executados”. No entanto, a resposta de Jesus foi que “atirasse a primeira pedra aquele que não tivesse pecado”.
A resposta de Jesus tem muito a dizer sobre ética e a antropologia neotestamentária: a culpabilidade universal. É nessa antropologia que o apóstolo Paulo construirá toda sua teologia baseada na cruz de Cristo: “Todos somos pecadores; não há quem faça o bem, nem um sequer; por isso não há judeu nem grego, nem livre nem escravo, nem mulher nem homem; todos somos mentirosos”. Sua conclusão é que a lei é boa, no entanto, ela não salva, somente acusa e se fossemos viver pela lei por ela deveríamos ser julgados, por isso, somente por meio da graça é que podemos ser salvos, pois é ela que nos chega como consequência do Filho de Deus pendurado no madeiro. Atirar a primeira pedra significa, então, sentir-se sobre humano, sentir-se Deus.
Mas o que isso tem a ver com o linchamento público que houve no Brasil?
Aí está. Gostaria de chamar a atenção para algo que tem acontecido no Brasil e onde o assassinato de Fabiane Maria de Jesus trata-se “somente” de um símbolo do que existe de maneira crônica: a potência demoníaca que está contida em cada indivíduo.
Não precisamos de muito para cometer um crime, somente de algo que nos justifique a ação e da oportunidade. Provavelmente as pessoas que espancaram a Fabiane até a morte são pessoas comuns, que não têm ficha na polícia, nem histórico de violência, somente pessoas que vão ao trabalho diariamente e criam seus filhos – essas crianças que estavam supostamente expostas a uma sequestradora que as queria sacrificar em rituais de bruxaria. Talvez essas pessoas se perguntassem: “Nossa justiça diz que a suposta bruxa tem que ser apedrejada, nós, porém, que faremos?” e fizeram o que fizeram. Escolheram Fabiane como símbolo de maldade e a eliminaram em praça pública, literalmente, como em tempos bíblicos ou na Idade Média, ou ainda, como fazem as sociedades onde não existe respeito pelos direitos humanos.
Não temos percebido uma coisa muito importante: abrir mão da culpa é o primeiro passo em direção a essa bestialidade; da mesma maneira que abrir mão da esperança nos torna rancorosos com a vida.
A culpa – no cristianismo – funciona como a consciência da realidade cósmica do ser humano: somos todos pecadores, mas esse todos vem sempre depois da consciência de culpa individual, por isso Jesus podia dizer “quem não tiver pecados atire a primeira pedra”, pois a culpa pessoal não nos permite olhar com superioridade moral para nenhum ser humano, nem mesmo de uma “bruxa” que sacrificasse criancinhas, pois a única diferença entre eu e a “bruxa” seria que eu tenho consciência do meu pecado e ela não.
No entanto nós escolhemos abrir mão da culpa e construímos uma ética arrogante, de superioridade moral que só pode dar onde tem dado, porque todo moralismo termina na hipocrisia e na neurose de olhar o outro como culpado de tal maneira que eliminando o outro eu elimino o mal. Começa, assim, o ciclo de eliminação do mal junto com seus portadores, pessoa por pessoa com seus sangues derramados, mas o mal parece não desaparecer no Brasil.
Alguns diriam que foi um simples erro de pontaria, já que parece que Fabiana não “comia criancinhas”, mas eu acredito que eles acertaram em cheio, porque no fim das contas não se trata de justiça, mas de simples projeção, em busca dessa sensação que a violência nos trás de justificação pessoal. Não interessa, nesse momento, se a pessoa é culpada ou não, somente o desejo que descarregar – por meio da violência – essa tensão que a injustiça nos traz. É o mesmo processo de um ato sexual, traz prazer, e isso é mórbido no ser humano. Aconteceu com os fariseus e o povo diante de Jesus com pedras em mãos e adrenalina no coração; aconteceu agora em 2014 com os linchadores da Fabiane.
Recentemente um dançarino do programa "Esquenta" foi torturado até a morte e o que mais li pelas redes sociais foram comentários que sugeriam que ele morreu porque estava numa festa com traficantes. E se estivesse, e se fosse traficante, isso justificaria que ele fosse torturado por policiais e, pior, fosse legitimado pela sociedade? No Brasil, país cristão (?), ainda impera a lei da bestialidade, um anti-evangelho, cheio de palavrinhas bonitinhas – quando não são palavras violentas de pastores que vociferam contra outros grupos religiosos ou sociais –, mas que não passam de um cristianismo sem cruz, sem consciência de pecado pessoal e universal, como se este, o pecado, estivesse localizado em uma pessoa ou grupo.
Se até os cristãos rechaçam a graça e clamam pela justiça das pedras, o que podemos esperar da nossa sociedade?
Estamos escolhendo o caminho errado e eu já escrevi sobre isso outras vezes. Chegará o dia em que cairemos numa total anarquia e bestialidade em nome da justiça, já estamos muito próximos.
O que nos resta é voltar para a graça, que não significa demagogia; para a esperança, que não significa ilusão; para a cruz, que não significa lei. Quando amadurecermos nossa consciência pessoal e universal do pecado construiremos uma sociedade sem linchamento em praças.
A resposta de Jesus tem muito a dizer sobre ética e a antropologia neotestamentária: a culpabilidade universal. É nessa antropologia que o apóstolo Paulo construirá toda sua teologia baseada na cruz de Cristo: “Todos somos pecadores; não há quem faça o bem, nem um sequer; por isso não há judeu nem grego, nem livre nem escravo, nem mulher nem homem; todos somos mentirosos”. Sua conclusão é que a lei é boa, no entanto, ela não salva, somente acusa e se fossemos viver pela lei por ela deveríamos ser julgados, por isso, somente por meio da graça é que podemos ser salvos, pois é ela que nos chega como consequência do Filho de Deus pendurado no madeiro. Atirar a primeira pedra significa, então, sentir-se sobre humano, sentir-se Deus.
Mas o que isso tem a ver com o linchamento público que houve no Brasil?
Aí está. Gostaria de chamar a atenção para algo que tem acontecido no Brasil e onde o assassinato de Fabiane Maria de Jesus trata-se “somente” de um símbolo do que existe de maneira crônica: a potência demoníaca que está contida em cada indivíduo.
Não precisamos de muito para cometer um crime, somente de algo que nos justifique a ação e da oportunidade. Provavelmente as pessoas que espancaram a Fabiane até a morte são pessoas comuns, que não têm ficha na polícia, nem histórico de violência, somente pessoas que vão ao trabalho diariamente e criam seus filhos – essas crianças que estavam supostamente expostas a uma sequestradora que as queria sacrificar em rituais de bruxaria. Talvez essas pessoas se perguntassem: “Nossa justiça diz que a suposta bruxa tem que ser apedrejada, nós, porém, que faremos?” e fizeram o que fizeram. Escolheram Fabiane como símbolo de maldade e a eliminaram em praça pública, literalmente, como em tempos bíblicos ou na Idade Média, ou ainda, como fazem as sociedades onde não existe respeito pelos direitos humanos.
Não temos percebido uma coisa muito importante: abrir mão da culpa é o primeiro passo em direção a essa bestialidade; da mesma maneira que abrir mão da esperança nos torna rancorosos com a vida.
A culpa – no cristianismo – funciona como a consciência da realidade cósmica do ser humano: somos todos pecadores, mas esse todos vem sempre depois da consciência de culpa individual, por isso Jesus podia dizer “quem não tiver pecados atire a primeira pedra”, pois a culpa pessoal não nos permite olhar com superioridade moral para nenhum ser humano, nem mesmo de uma “bruxa” que sacrificasse criancinhas, pois a única diferença entre eu e a “bruxa” seria que eu tenho consciência do meu pecado e ela não.
No entanto nós escolhemos abrir mão da culpa e construímos uma ética arrogante, de superioridade moral que só pode dar onde tem dado, porque todo moralismo termina na hipocrisia e na neurose de olhar o outro como culpado de tal maneira que eliminando o outro eu elimino o mal. Começa, assim, o ciclo de eliminação do mal junto com seus portadores, pessoa por pessoa com seus sangues derramados, mas o mal parece não desaparecer no Brasil.
Alguns diriam que foi um simples erro de pontaria, já que parece que Fabiana não “comia criancinhas”, mas eu acredito que eles acertaram em cheio, porque no fim das contas não se trata de justiça, mas de simples projeção, em busca dessa sensação que a violência nos trás de justificação pessoal. Não interessa, nesse momento, se a pessoa é culpada ou não, somente o desejo que descarregar – por meio da violência – essa tensão que a injustiça nos traz. É o mesmo processo de um ato sexual, traz prazer, e isso é mórbido no ser humano. Aconteceu com os fariseus e o povo diante de Jesus com pedras em mãos e adrenalina no coração; aconteceu agora em 2014 com os linchadores da Fabiane.
Recentemente um dançarino do programa "Esquenta" foi torturado até a morte e o que mais li pelas redes sociais foram comentários que sugeriam que ele morreu porque estava numa festa com traficantes. E se estivesse, e se fosse traficante, isso justificaria que ele fosse torturado por policiais e, pior, fosse legitimado pela sociedade? No Brasil, país cristão (?), ainda impera a lei da bestialidade, um anti-evangelho, cheio de palavrinhas bonitinhas – quando não são palavras violentas de pastores que vociferam contra outros grupos religiosos ou sociais –, mas que não passam de um cristianismo sem cruz, sem consciência de pecado pessoal e universal, como se este, o pecado, estivesse localizado em uma pessoa ou grupo.
Se até os cristãos rechaçam a graça e clamam pela justiça das pedras, o que podemos esperar da nossa sociedade?
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