Opinião
12 de setembro de 2025- Visualizações: 2105
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Uma inovação chamada revista Elo
A revista inovou a imprensa evangélica brasileira na qualidade da apresentação e do conteúdo e na tiragem
Por Ruben (Rubinho) Pirola
Os evangélicos no Brasil
Os 160 anos dos periódicos evangélicos no Brasil (comemorados em 2024) devem ser pesquisados e celebrados. Entre diferentes publicações, destacamos a importância da revista e editora Elo. A Elo, que atuou nos ramos literário e musical, foi inovadora em ambos e contribuiu para o crescimento da obra de Deus no Brasil – e não só isso.
Para falar da editora, é bom que nos situemos no tempo, nos anos 1970. Como nação, estávamos debaixo de uma ditadura política, com cerceamento de direitos civis, que nos impôs o regime militar em 1964. Um outro tipo de ditadura nos atingiu como igreja e como movimento evangélico brasileiro.
Chamo-a de ditadura evangélica, aquela visão limitadora da presença e do domínio do Eterno, revelada não tanto pela teologia oficial, mas na pregação e na vivência da espiritualidade de seus fiéis. Deus só falava dentro dos limites do “templo” e, fora dele, tudo pertencia ao “mundo”, ou ao “Cão”. À arte impunham-se limites rígidos, cerceando-a em sua amplitude. Não se permitia, por exemplo, produzir, desenhar ou pintar personagens bíblicos de frente, pois isso poderia “estimular a idolatria”. E o que dizer das esculturas e de outras expressões? E dos instrumentos musicais “de Deus” e os “do mundo”? E dos ritmos?
Como bem afirmou Francis Schaeffer na sua obra A Arte e a Bíblia, escrita na década de 1970: “Quase tudo o que produzimos é apenas arte romântica da escola dominical. Parecemos não compreender que as artes também precisam estar sob o senhorio de Cristo”. De acordo com Schaeffer, nossa inspiração deveria nos levar para fora das quatro paredes do templo, e até propor algo mais do que uma arte meramente panfletária – de propaganda –, mas aquela inspirada pelo soberano Deus.
Vivemos o que chamo de época dos “crentes esquizofrênicos”, aqueles que cultuavam dois deuses: o dos templos, onde não se podia rir, mexer-se um pouco, ser mais leve; e um outro deus, outra divindade, essa mais amiga, mais alegre, bem-humorada, mais próxima – o deus dos acampamentos ou dos salões sociais, contíguos aos salões de culto.
Foi nessa época que alguns jovens – Jayro Trench Gonçalves, Paulo Cezar da Silva, Dick Torrans, Tim Schlener e outros – criaram a Editora Musical e Literária Elo, que contava com o suporte financeiro significativo e o imenso parque gráfico da Editora Mapa Fiscal, especializada em materiais e publicações para o mercado econômico. Ela era ligada ao saudoso doutor Jayro Gonçalves, juiz de direito e familiar de integrantes do grupo fundador. Esse detalhe fez grande diferença naquele momento. Raramente tantos recursos estiveram nas mãos de jovens cristãos apaixonados pela vocação. Eles abraçaram essa iniciativa entendendo que era fruto de novos ares trazidos por Deus.
Junto com a primorosa edição musical, com direito a pós-produção nos Estados Unidos (com arranjadores de grupos como os Carpenters), o grupo lançou livros e a revista Elo, distribuída num formato inovador: os assinantes recebiam livros e um exemplar da revista trimestralmente.
Estávamos em 1979 e tínhamos uma revista toda em papel couché e em cores! Eu era apenas um jovem cheio de paixão e ideias – malucas para aquele tempo –, começando o curso de comunicação e tendo à disposição essa outra escola, que permitia acesso a toda a tecnologia gráfica moderna, equipamentos e profissionais. Considero isso uma dádiva dos céus. Ali se deu o início da minha carreira no design gráfico, que resultou nos mais de quinze anos como professor titular da cadeira de histórias em quadrinhos da Universidade Federal de Uberlândia e mais de uma dezena de títulos onde o cartoon, ou humor gráfico, é a diferença. Essa é uma marca do meu ministério até hoje e que me levou a participar de publicações, como o blog Genizah, a revista Cristianismo Hoje, dentre outros. Na Elo, comecei como layoutman, e nas últimas três edições atuei como diretor-editor.
A revista Elo inovou a imprensa evangélica brasileira em muitos aspectos: na qualidade da apresentação e do conteúdo e na tiragem, muito alta para a época (30 mil exemplares). Se de início nos víamos pressionados por um tradicionalismo, aos poucos vimos Deus (e não tenho dúvidas quanto a isso) nos levar a ousar na produção musical e literária, assim como na vida pessoal dos envolvidos. Os músicos sentiram-se livres para compor e cantar numa linguagem mais descontraída e em ritmos culturalmente mais relevantes.
A arte que acompanhava os artigos eram criações gráficas e ilustrações que abusavam das metáforas visuais. No interior da Elo havia um caderno especial, em papel Kraft, com quadrinhos e textos escritos à mão (ainda não havia a facilidade das fontes manuscritas). Incentivados pelo saudoso Jayrinho, lançamos “Aventuras de Juvenal”. Juvenal encarnava os vícios vistos nos “crentes” da época. Originariamente o título era “As aventuras de Juvenal – o crente cara de pau”. Sob protestos, foi mudado para algo mais soft: “Juvenal – o crente quase maduro”.
A revista, infelizmente, foi efêmera: dois anos e cinco edições. A publicação, bem como a editora, deixaram de existir após o trágico acidente que vitimou Jayrinho, sua esposa, Hélia, e o filho Andrezinho, em 1981, na estrada Atibaia–São Paulo.
A revista Elo não poderia ficar sem uma digna menção na história da imprensa evangélica do Brasil. Se na música a história continua com os que se seguiram – como Paulo Cezar e o Grupo Logos; o argentino Oscar Valdéz; o músico Beto Moraes (na banda Estação Luz) e o baterista do grupo e cunhado de Jayrinho, Tim Schlener, fundador da Elo Media Productions, nos Estados Unidos –, na área da literatura, da arte gráfica, das publicações, creio que devemos, também, a essa publicação.
Artigo publicado originalmente na edição 406 de Ultimato.
REVISTA ULTIMATO – JESUS, A LUZ DO MUNDO
Jesus, o clímax da narrativa da redenção, é a luz do mundo. Não há luz que se compare a ele. Sua luz alcança todo o mundo.
Além de anunciar-se como Luz, Jesus declara que os seus seguidores são a luz do mundo. “Pois Deus que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele mesmo brilhou em nosso coração para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo” (2Co 4.6).
É disso que trata a edição 415 de Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» História da Evangelização do Brasil – Dos jesuítas aos neopentecostais, Elben Magalhães Lenz César
» A Grande História – Um Convite para Professores Cristãos, Rick Hove, Heather Holleman
» A Arte e a Bíblia, Francis Schaeffer
Por Ruben (Rubinho) Pirola
Os evangélicos no Brasil
Os 160 anos dos periódicos evangélicos no Brasil (comemorados em 2024) devem ser pesquisados e celebrados. Entre diferentes publicações, destacamos a importância da revista e editora Elo. A Elo, que atuou nos ramos literário e musical, foi inovadora em ambos e contribuiu para o crescimento da obra de Deus no Brasil – e não só isso.Para falar da editora, é bom que nos situemos no tempo, nos anos 1970. Como nação, estávamos debaixo de uma ditadura política, com cerceamento de direitos civis, que nos impôs o regime militar em 1964. Um outro tipo de ditadura nos atingiu como igreja e como movimento evangélico brasileiro.
Chamo-a de ditadura evangélica, aquela visão limitadora da presença e do domínio do Eterno, revelada não tanto pela teologia oficial, mas na pregação e na vivência da espiritualidade de seus fiéis. Deus só falava dentro dos limites do “templo” e, fora dele, tudo pertencia ao “mundo”, ou ao “Cão”. À arte impunham-se limites rígidos, cerceando-a em sua amplitude. Não se permitia, por exemplo, produzir, desenhar ou pintar personagens bíblicos de frente, pois isso poderia “estimular a idolatria”. E o que dizer das esculturas e de outras expressões? E dos instrumentos musicais “de Deus” e os “do mundo”? E dos ritmos?
Como bem afirmou Francis Schaeffer na sua obra A Arte e a Bíblia, escrita na década de 1970: “Quase tudo o que produzimos é apenas arte romântica da escola dominical. Parecemos não compreender que as artes também precisam estar sob o senhorio de Cristo”. De acordo com Schaeffer, nossa inspiração deveria nos levar para fora das quatro paredes do templo, e até propor algo mais do que uma arte meramente panfletária – de propaganda –, mas aquela inspirada pelo soberano Deus.
Vivemos o que chamo de época dos “crentes esquizofrênicos”, aqueles que cultuavam dois deuses: o dos templos, onde não se podia rir, mexer-se um pouco, ser mais leve; e um outro deus, outra divindade, essa mais amiga, mais alegre, bem-humorada, mais próxima – o deus dos acampamentos ou dos salões sociais, contíguos aos salões de culto.
Foi nessa época que alguns jovens – Jayro Trench Gonçalves, Paulo Cezar da Silva, Dick Torrans, Tim Schlener e outros – criaram a Editora Musical e Literária Elo, que contava com o suporte financeiro significativo e o imenso parque gráfico da Editora Mapa Fiscal, especializada em materiais e publicações para o mercado econômico. Ela era ligada ao saudoso doutor Jayro Gonçalves, juiz de direito e familiar de integrantes do grupo fundador. Esse detalhe fez grande diferença naquele momento. Raramente tantos recursos estiveram nas mãos de jovens cristãos apaixonados pela vocação. Eles abraçaram essa iniciativa entendendo que era fruto de novos ares trazidos por Deus.
Junto com a primorosa edição musical, com direito a pós-produção nos Estados Unidos (com arranjadores de grupos como os Carpenters), o grupo lançou livros e a revista Elo, distribuída num formato inovador: os assinantes recebiam livros e um exemplar da revista trimestralmente.
Estávamos em 1979 e tínhamos uma revista toda em papel couché e em cores! Eu era apenas um jovem cheio de paixão e ideias – malucas para aquele tempo –, começando o curso de comunicação e tendo à disposição essa outra escola, que permitia acesso a toda a tecnologia gráfica moderna, equipamentos e profissionais. Considero isso uma dádiva dos céus. Ali se deu o início da minha carreira no design gráfico, que resultou nos mais de quinze anos como professor titular da cadeira de histórias em quadrinhos da Universidade Federal de Uberlândia e mais de uma dezena de títulos onde o cartoon, ou humor gráfico, é a diferença. Essa é uma marca do meu ministério até hoje e que me levou a participar de publicações, como o blog Genizah, a revista Cristianismo Hoje, dentre outros. Na Elo, comecei como layoutman, e nas últimas três edições atuei como diretor-editor.
A revista Elo inovou a imprensa evangélica brasileira em muitos aspectos: na qualidade da apresentação e do conteúdo e na tiragem, muito alta para a época (30 mil exemplares). Se de início nos víamos pressionados por um tradicionalismo, aos poucos vimos Deus (e não tenho dúvidas quanto a isso) nos levar a ousar na produção musical e literária, assim como na vida pessoal dos envolvidos. Os músicos sentiram-se livres para compor e cantar numa linguagem mais descontraída e em ritmos culturalmente mais relevantes.
A arte que acompanhava os artigos eram criações gráficas e ilustrações que abusavam das metáforas visuais. No interior da Elo havia um caderno especial, em papel Kraft, com quadrinhos e textos escritos à mão (ainda não havia a facilidade das fontes manuscritas). Incentivados pelo saudoso Jayrinho, lançamos “Aventuras de Juvenal”. Juvenal encarnava os vícios vistos nos “crentes” da época. Originariamente o título era “As aventuras de Juvenal – o crente cara de pau”. Sob protestos, foi mudado para algo mais soft: “Juvenal – o crente quase maduro”.
A revista, infelizmente, foi efêmera: dois anos e cinco edições. A publicação, bem como a editora, deixaram de existir após o trágico acidente que vitimou Jayrinho, sua esposa, Hélia, e o filho Andrezinho, em 1981, na estrada Atibaia–São Paulo.
A revista Elo não poderia ficar sem uma digna menção na história da imprensa evangélica do Brasil. Se na música a história continua com os que se seguiram – como Paulo Cezar e o Grupo Logos; o argentino Oscar Valdéz; o músico Beto Moraes (na banda Estação Luz) e o baterista do grupo e cunhado de Jayrinho, Tim Schlener, fundador da Elo Media Productions, nos Estados Unidos –, na área da literatura, da arte gráfica, das publicações, creio que devemos, também, a essa publicação.
- Ruben (Rubinho) Pirola é pastor, escritor, cartunista e missionário em Portugal, onde dirige a Rádio Trans Mundial. Em 2017, defendeu a dissertação “A ditadura do mau-humor: uma análise sobre o humor no movimento evangélico brasileiro no período do regime militar, dos anos 1964 a 1985” pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
Artigo publicado originalmente na edição 406 de Ultimato.
REVISTA ULTIMATO – JESUS, A LUZ DO MUNDOJesus, o clímax da narrativa da redenção, é a luz do mundo. Não há luz que se compare a ele. Sua luz alcança todo o mundo.
Além de anunciar-se como Luz, Jesus declara que os seus seguidores são a luz do mundo. “Pois Deus que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele mesmo brilhou em nosso coração para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo” (2Co 4.6).
É disso que trata a edição 415 de Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» História da Evangelização do Brasil – Dos jesuítas aos neopentecostais, Elben Magalhães Lenz César
» A Grande História – Um Convite para Professores Cristãos, Rick Hove, Heather Holleman
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