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Opinião

Envelhecer com planos e expectativas

Sessenta+

Por Verônica Farias
 
A terceira idade
Aprecio muito a maneira didática e inspiradora como o professor Robert Clinton, autor do livro Etapas na vida de um Líder (2000), descreve as últimas fases de desenvolvimento do líder cristão, nomeando-as de convergência e de celebração. Primeiro porque ele considera, e concordo plenamente, que a vida é esse continuum sempre em desenvolvimento, que se segue em etapas, fases e subfases delineadas com características naturais de acordo com o que se espera do ciclo vital humano. Deste modo há eventos previsíveis na cronologia humana que nos oferecem a oportunidade de aprender com a vida de outros e de nos preparar para as fases subsequentes, se formos sábios e atentos.
 
Em segundo lugar, Clinton se refere ao que chamamos final de carreira (lá pelos 65 anos em diante) a fase de ouro (palavras minhas), no sentido de que para ela convergem a destreza de uma vida, a sabedoria e conhecimento acumulados de mais de meio século, e a capacidade de entregar tudo isso sem pretensão de aplausos e reconhecimento social, porque já se acha reconhecido o suficiente por Deus e pelos homens. Visto assim, essas fases da vida madura e idosa seriam a cereja do bolo, na perspectiva divina e humana.
 
Porém, vamos ser sinceros, não é todo mundo – e Clinton é o primeiro a reconhecer – que chega a saborear dessa cereja. Ele mesmo afirma que há obstáculos para que o cristão maduro usufrua dessa fase tardia de maneira tão frutífera. Muitas vezes, várias ocupações para desviar o olhar do inevitável, ou convites feitos e aceitos para ocupar cargos de importância hierárquica na fase madura, que pouco correspondem aos seus verdadeiros anseios, levariam essa pessoa para longe da convergência e, por fim, da celebração. Fica claro, portanto, que é preciso adquirir alguns ingredientes específicos e raros para se chegar à terceira idade dando frutos, mas é possível. Isso provou sua pesquisa.
 
Diante das possibilidades e impossibilidades presentes no caminho do envelhecimento a partir dos 60+, convido você, leitor, a refletir enquanto abrimos as cortinas desse tema, a fim de mostrar cenários da nossa população idosa brasileira, com respeito a saúde mental, a vida produtiva, aos redirecionamentos do sentido de viver, e a capacidade de frutificar para o Reino de Deus.
 
Essa fase da vida, cujos males mais comuns são mascarados pela propaganda a fim de torná-la mais doce chamando-a de melhor idade, idade da liberdade para escolher o que se quer, ou a boa velhice, como alguns preferem dizer, referindo-se à manutenção da saúde, na verdade, para grande parte desse grupo se torna sinônimo de desamparo, solidão e invisibilidade, mesmo quando vive com ou bem perto de seus familiares. Do ponto de vista físico, o que dizer das dores diárias, doenças crônicas incapacitantes, fadiga, falta de energia e prazer, e a obrigação de ingerir pilhas de remédios enfileirados em cima da mesa como lembrete, para serem distribuídos entre as refeições. Somada à restrição de saúde, que dificulta a mobilidade e a autonomia, de grande parte da população idosa brasileira há ainda a escassez financeira, tendo em vista que a maioria está destinada a viver com um salário mínimo de aposentadoria. Nesse caso, não é incomum em nossa cultura que a pessoa idosa passe a ocupar um quartinho da casa de algum parente, onde ainda contribui financeiramente, o que é, para muitos dessa faixa etária a única opção, restando depois disso o asilo público. Então, agora parece que temos os dois lados da moeda de uma só realidade, a vida na velhice.
 
Possivelmente você já tomou conhecimento das estatísticas atuais, mas vou mencionar algumas de maneira sucinta, apenas para reforçar em nossa mente o que já é fato e nos ajudar a conectar os elementos. O fenômeno do envelhecimento das populações no mundo, que tem sido pesquisado e comentado razoavelmente nos últimos anos, é, em poucas palavras, decorrente basicamente de dois fatores que foram sendo modificados ao longo de décadas: o aumento da expectativa de vida e a diminuição da taxa de natalidade (o número de filhos por mulher vem caindo nos últimos quarenta anos).
 
Lembro-me que na minha adolescência (hoje tenho 56 anos) eu ouvia dizer que alguns países europeus eram considerados velhos devido à sua população majoritariamente formada de idosos, enquanto o Brasil era visto como um país jovem. Nos dias atuais o cenário mudou totalmente, pois os números indicam um crescente de envelhecimento da população brasileira para as próximas décadas, e o que mais chama a atenção nessas projeções é a velocidade com que esse fenômeno vem ocorrendo no Brasil em comparação a outras regiões do mundo. A OMS (Organização Mundial de Saúde) alerta que esse crescimento irá ocorrer na seguinte proporção: Enquanto a quantidade de idosos duplicará no mundo até o ano de 2050, ela quase triplicará no Brasil. 1

Ampliando o foco para América Latina, especialistas afirmam que a população continuará crescendo até o ano 2060 e, a partir de então, começará a diminuir. O diretor do centro latino-americano e caribenho de demografia da Cepal, foi categórico ao dizer que “se há alguém que ainda acha que a explosão demográfica é um problema, deve esquecê-lo. A realidade e o desafio da nossa região é o envelhecimento da população” 2
 
De acordo com o Censo 2022 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o índice de envelhecimento é de 55,2 idosos para cada 100 crianças entre 0 e 14 anos. Em 2010 o índice era de 30,7! Com o rápido aumento, a idade mediana da população brasileira passou de 29 para 35 anos nesse curto intervalo de anos. Resumindo os dados, a pesquisa mostrou que o total de pessoas com 65 anos ou mais, chegou a somar 10,9% da população brasileira, representando uma alta de 57,4% em pouco mais de uma década. Por outro lado, o tamanho das famílias tem encolhido ao longo das décadas, pois o total de crianças com idade até 14 anos, experimentou uma queda de 12,6% nesse mesmo intervalo de tempo. 3
 
É fato, estamos envelhecendo rapidamente como nação, e isso promove a reboque o crescimento de diversas demandas que requerem novas políticas sociais, econômicas e de saúde. O efeito disso já pode ser visto, por exemplo, nas reformulações realizadas pelo governo nos planos de aposentadoria pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), referentes ao acréscimo para o tempo de contribuição e tempo de serviço.
 
Diante disso, falar em envelhecimento hoje se tornou uma emergência para todos os setores sociais, pois estamos diante de um grande desafio que está às portas, requerendo ações estratégicas multidisciplinares. A igreja cristã não pode ficar alheia a este cenário, pois se por um lado constitui um desafio, por outro, representa uma oportunidade para viver e pregar o Evangelho nesse novo contexto sociocultural, trazendo esperança para os que não têm nenhuma e frutos para o Reino de Deus.

Saúde mental na terceira idade
A velhice engloba a convergência de múltiplos fatores psicossociais e econômicos que promovem mudanças de grande porte em diversas facetas do funcionamento e desenvolvimento do ser humano nessa fase de vida. Na verdade, a velhice deve ser vista como um continuum de toda uma vida, tendo esta sido vivida de maneira saudável, ativa e plena, ou ao contrário. Neste caso, partimos da premissa de que todos os seres viventes envelhecem e morrem como fruto do pecado que entrou no mundo, mas a maneira como isso ocorre é bem diferente organicamente, fisicamente, emocionalmente e espiritualmente para cada um.
 
Procurando fazer um breve recorte da área de saúde mental da pessoa idosa, podemos considerar que muitos fatores nessa faixa etária podem propiciar o surgimento de transtornos mentais e neurológicos como a depressão, a ansiedade, e os quadros demenciais como o Alzheimer e o Parkinson. Apenas para fornecer uma ideia do cenário, compartilho brevemente os resultados de uma pesquisa realizada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) na cidade de Porto Alegre, em que foram constatados altos índices de depressão (30%), ansiedade (9%), alcoolismo (6,5%) e risco de suicídio (15%), em uma amostra de 578 pessoas a partir dos 60 anos. 4
 
É fato que as doenças emocionais como depressão, ansiedade, pânico e até o burnout, crescem em todo o mundo e têm alcançado todas as faixas etárias (a partir da escolar), especialmente as mais ativas. Por isso, a depressão e o suicídio nos últimos anos têm recebido maior atenção através de campanhas com respeito a população adolescente e jovem, mas segundo pesquisa realizada pelo IBGE, 5, os idosos entre 60 e 64 anos já ocupam o topo do ranking entre os mais afetados pela doença no Brasil. Os fatores que podem servir como gatilho para esse quadro nessa fase da vida podem ser muitos, contudo, em geral, consideramos que os contatos sociais decrescem, há perda de amigos antigos e parentes próximos, a área profissional-laboral é extinta e, sem novos objetivos, a parte física encontra limitações em sua mobilidade e força, a vida cultural e criativa que foi deixada para trás muito cedo para dar lugar ao trabalho para sustento financeiro, e o campo psíquico ou emocional, que necessita de todas essas áreas anteriores para manter-se saudável, acaba sendo inevitavelmente afetado, dando lugar aos transtornos psicológicos e neurológicos.

Prevenção e conscientização
Acreditamos que a qualidade de vida cultivada nos anos anteriores ao envelhecimento fará grande diferença, por isso, o trabalho de orientação preventiva a este grupo é imprescindível. É o que temos tentado colocar sempre em pauta no nosso trabalho entre missionários, junto ao CIM BRASIL/AMTB (Cuidado Integral Missionário), através de palestras e modelos de práticas, procurando promover a cultura do autocuidado enquanto ainda estão ativos e se dedicam a uma vida em missão, a fim de que sejam frutíferos e saudáveis, e mais tarde possam colher uma velhice se sentindo mais plenos. Levanto aqui alguns pontos críticos que vale a pena considerar e discutir em nossos sistemas de preparo, envio e cuidado de missionários e pastores: (1) Há falta ou escasso planejamento de vida e ministério que vislumbre o final de carreira. (2) O processo de transição de final de carreira, que deveria ocorrer pelo menos nos últimos 3-5 anos de serviço, na verdade ocorre repentinamente, sem preparo, sem fechamentos onde possam ser tratados os ressentimentos, as insatisfações e a resistência pessoal para lidar com o fechamento do ciclo. Isso desemboca em depressão, amargura contida e testemunho de desestímulo para as próximas gerações. (3) Os baixos salários para manutenção e/ou a má administração dos recursos enquanto servem em campo/igreja, impedem de contemplar os itens básicos para manutenção da saúde física e mental, como ter um plano de saúde, gozar de férias anuais e fazer contribuição para aposentadoria (plano público ou privado). Isso trará consequências após o envelhecimento, ou até a antecipação do final da carreira.
 
É preciso elaborar planos e expectativas para e na velhice
No livro Aprender a Envelhecer, Paul Tournier faz referência ao professor Adolphe Portmann que diz o seguinte: “Quem não tenha aprendido desde cedo a buscar o sentido de sua vida, não poderá encontrar na velhice o modo efetivo de fazê-lo”.
 
Durante a vida não fomos ensinados e incentivados a refletir e programar os anos mais tardios da vida, pelo contrário, em uma cultura que valoriza a juventude e a produtividade, a mensagem que recebemos desde a infância é: estude bastante para ser um bom profissional; trabalhe muito para ter sucesso, conforto e uma boa vida; não perca tempo, faça tudo o que puder para realizar-se enquanto é jovem e ativo. Pouco se fala, e muito menos se elabora em termos emocionais e práticos a respeito da velhice que virá um dia. Em outras palavras, nos ensinaram a viver bem enquanto jovens e até maduros, que hoje ainda são considerados “jovens”. Mas a velhice de fato é um vácuo e permanece alvo da nossa evitação e até negação mental, pelo tempo que for possível.
 
Na verdade, como bons brasileiros costumamos adiar pensar no assunto da velhice até o último instante. A desculpa é que estamos ocupados demais vivendo a vida, mas esquecemos que a velhice ainda é vida que planejada antecipadamente poderá ser ativa, produtiva e até prazerosa, ainda que de uma maneira diferente das fases anteriores. A Bíblia nos ensina a ver na velhice possibilidade real de serviço a Deus e ao próximo, com a alegria e a propriedade de alguém que já viveu o suficiente para saber de onde procede a verdadeira satisfação e força. Pois, “mesmo na velhice darão fruto, permanecerão viçosos e verdejantes” (Sl 92.14).
 
Durante a juventude o sujeito dedica-se a construir, é uma vida voltada para conquista, produção e realização própria, e isso se concretiza fora de si mesmo, em ambiente de constante troca de experiências e na concretude do seu ofício. E nessa busca corrida para dar sentido à vida através da entrega ao trabalho e a formação de uma família, deixa-se de desejar o lado contemplativo, interior, poético, lúdico, o modo pausado de viver. É nele que vamos nos encontrar na velhice, por isso precisamos despertá-lo cedo, figurativamente, ainda ao meio-dia, porque quando chegar o entardecer da vida, ele terá encontrado o seu lugar e o seu próprio ritmo em nós.
 
Tournier afirma que “não é fácil um cultivo paralelo da vida ativa e da vida contemplativa, da ciência e da poesia”. Mas, o fato é que no momento da aposentadoria e no seguir dos anos de envelhecimento, a vida pausa e os dias são longos e vazios de sentido. O autor defende que para evitar esse efeito desconcertante que dá lugar à depressão, ainda na metade da vida “deve-se começar a refletir e organizar a existência, com vistas a um futuro ainda distante, dando importância gradativa a ocupações cada vez menos exteriores, menos técnicas e mais culturais, que perdurarão após a aposentadoria”. Para o cristão isso se encaixa muito bem, pois o caráter contemplativo, na verdade, jamais deveria deixar de ocupar lugar na sua “agenda” desde a juventude.
 
O desafio proposto é continuar sentindo-se vivo, útil a Deus, conectado consigo mesmo e com o outro em qualquer nível que seja saudável e frutífero, mas isso em um ritmo totalmente diferente das fases anteriores. Porém, não esqueçamos, a busca pelo que realmente importa na fase mais madura da vida do cristão inclui uma transição de mentalidade e funcionamento, do fazer para o ser. Como diz Clinton, a mudança na maturidade “vai da competência do fazer para a eficiência que flui do ser”. E essa transição que opera de dentro para fora, precisa se processar lenta e gradativamente ao longo dos anos até que seja incorporada como um modo natural de viver. Celebrar Deus na vida e a vida em Deus é o resultado de uma nova compreensão da própria existência na velhice, apesar de estar ciente de todas as dificuldades reais e esperadas para essa faixa etária.
 
Notas
2. Envelhecimento reduzirá população da América Latina em 2060 (Cepal). Disponível aqui.
4. Pesquisa sobre saúde mental busca melhorar a qualidade de vida da terceira idade. Disponível aqui.
5. Pesquisa do IBGE aponta que idosos são os mais afetados pela depressão. Disponível aqui.
 
  • Verônica Farias, missionária e psicóloga clínica, serve na área do Cuidado Integral do Missionário (CIM) desde 2006. É membro do conselho deliberativo do CIM BRASIL-AMTB e integrante da Agência PMI. Doutoranda em ministérios, atua como professora convidada em diversos cursos de treinamento missionário.

Saiba mais:
»Aprender a Envelhecer, Paul Tournier
»Fui Moço, Agora Sou Velho... E Daí?, Kléos M. Lenz César
»Uma conversa sobre a morte, edição 391 de Ultimato
»Envelhecimento saudável, por Jorge Cruz
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