Opinião
07 de julho de 2025- Visualizações: 6567
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Como a fé sobrevive ao consumo – o Labubu e o pão nosso
A escassez fabricada ou mantida empurra para o consumo compulsivo, para a corrida desenfreada, para a lógica de que quem não tem, não é
Por Carlos Henrique
Mal tivemos tempo de comentar a onda dos bebês reborn e ela já ficou para trás, engolida pela fluidez da cultura contemporânea. Agora é vez do monstrinho Labubu que toma conta das redes. Depois de causar filas e tumultos mundo afora como item de luxo vendido pela PopMart, chegou ao Brasil em sua versão “popularizada” na rua 25 de Março com o nome de Lafufu. O original custa até R$ 1600 e aparece nas bolsas de influenciadoras como Virgínia Fonseca e Maya Massafera. Na 25 de março, o primo humilde custa entre R$ 65 e R$ 250. Mas a questão não é só o boneco, é o que ele representa: o ciclo do consumo por pertencimento, que transforma objetos banais em símbolos de status e identidade.
Apesar da nossa tendência de associar o consumo apenas a tudo que gira em torno da compra, da posse, não podemos excluir que ele também abarca a aparência, e o status quo. Dessa forma o que consumimos, e a forma como consumimos, molda não apenas nossa economia, mas também nossa identidade, nossos relacionamentos e por consequência nossa espiritualidade.
Desde as formas comunitárias de organização até as revoluções industriais, passando por sistemas escravistas e modelos como o fordismo e o toyotismo, a fé cristã sempre foi desafiada a discernir como viver o Evangelho diante de cada realidade econômica e social. Hoje, o desafio da fé é refletir sobre como viver o Evangelho em meio a uma realidade consumista.
Para podermos refletir um pouco melhor, me permita fazer algumas inferências sobre o consumo. Primeiramente vamos diferenciar entre consumo por necessidade e consumo por pertencimento, eu sei que é comum classificar consumo em pelo menos quatro tipos, mas creio que esses dois conseguem abarcar todas as classificações para as reflexões aqui estabelecidas.
O consumo por necessidade é simples e objetivo. É quando consumimos para viver: alimento, vestuário, cuidados básicos, moradia. É o consumo que responde às nossas necessidades mais fundamentais. Já o consumo por pertencimento opera em outra lógica, é o que fazemos para ser vistos, incluir-se, sentir-se parte. Compramos não porque precisamos, mas porque queremos nos encaixar, afirmar status, preencher inseguranças, seguir tendências.

Ambos os consumos são ensinados, por exemplo: normalmente você é ensinado a comer alimentos mais saudáveis para ter mais energia e evitar doenças (consumo por necessidade), normalmente você também é ensinado que ter determinadas marcas no seu guarda-roupa, ou vestir determinado estilo, te fará ser uma pessoa com mais amigos (consumo por pertencimento).
No consumo por necessidade vemos um alinhamento mais próximo, com o que o próprio Jesus nos ensina quando ora: “o pão nosso de cada dia nos dá hoje” (Mt 6.11). Trata-se de reconhecer a provisão de Deus e confiar que Ele cuida das nossas necessidades. Vale ressaltar que isso não nega o desejo legítimo de melhorar de vida ou conquistar bens por meio do trabalho honesto, isso é digno e pode refletir até mesmo a criatividade e o zelo que recebemos de Deus. Mas, nesse processo, a alma também percebe sua fragilidade e seu pecado, e por isso se volta a Deus não apenas com gratidão, mas com humildade, pedindo por misericórdia.
Já no consumo por pertencimento, consumir se torna um caminho para parecer alguém, e não para ser alguém. A identidade se esvazia, e a fé corre o risco de ser substituída por etiquetas, marcas e experiências comercializadas, aos poucos, deixamos de ser cristãos por seguirmos a Jesus e nutrirmos um relacionamento profundo com ele, e passamos a construir nossa identidade cristã com base nas roupas sugeridas pela blogueira evangê ou na aquisição da Bíblia mais trend do momento.
Essa lógica de pertencimento se alimenta diretamente de uma das forças motrizes do consumismo: a escassez. Criar a sensação de que “não há para todos”, seja um produto exclusivo, um evento limitado, ou mesmo poder morar numa área da cidade que não alaga, ou ter direito a água potável, viver numa região sem criminalidade é uma estratégia de manutenção de poder. Quando a escassez é fabricada ou mantida, ela empurra as pessoas para o consumo compulsivo, para a corrida desenfreada por “mais”, para a lógica de que quem não tem, não é.
Mais do que uma falha, isso é um projeto anticristo. A exclusão de pessoas, a manutenção da pobreza, a valorização do luxo como símbolo de sucesso: tudo isso sustenta um estilo de vida fora dos valores de Cristo, pois nessa lógica você é o que você possui, faz ou dizem sobre você, e não o que Cristo diz sobre você. É nesse ponto que entra o chamado radical de Jesus: "Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro" (Mt 6.24). A proposta de Cristo não é de fuga do mundo, mas de sabedoria no mundo. Fica claro que teremos de lidar com o consumo e é aí que Ele nos convida a repensar nossas práticas, nossos desejos, nossas prioridades. Não se trata apenas de consumir menos, mas de consumir com consciência (seja produtos, conteúdos ou vivências), e principalmente, de não permitir que nosso valor ou pertencimento sejam definidos pelo que temos, mas por quem somos em Deus.
Consumir com sabedoria, nesse sentido, é também um ato de fé. É uma declaração silenciosa, porém poderosa, de que meu valor não está no que eu tenho, no que eu faço, ou no que dizem ao meu respeito, mas em quem me chamou pelo nome, que me recebeu em Sua família como filho adotivo (Jo 1.12, Ef 1.5). É afirmar que minha felicidade não depende de possuir mais, mas de confiar mais: mais em Deus, mais em Sua graça, mais em quem Ele diz que eu sou.
É sobre aprender a viver “o pão nosso de cada dia nos dá hoje”. Não é apenas sobre pedir o necessário, mas sobre confiar plenamente na suficiência de Deus, é crer que Ele sabe o que precisamos antes mesmo de pedirmos, entender que nem tudo o que desejamos é essencial e que o contentamento, em um mundo movido pela escassez, pelo excesso e pela comparação, é um ato profundo de resistência. Que o Pai nos ensine a pedir o pão de hoje e não os banquetes do amanhã, a confiar na provisão e não na posse, a descansar na suficiência e não na ansiedade, porque quem tem o pão de cada dia, carrega uma riqueza que o mundo não pode dar... e nem tirar.
REVISTA ULTIMATO – ADOLESCÊNCIA – ONLINE E OFFLINE
Muito já se falou da adolescência como uma fase crítica da vida, em que as dificuldades próprias da idade inspiram cuidados especiais – o que é ainda mais importante hoje.
Os adolescentes desta geração são o grupo mais impactado pelo ritmo acelerado das mudanças. A matéria dessa edição oferece subsídio para melhor conhecer e atuar com esse grupo. Nos depoimentos dos 12 adolescentes que participam eles pedem: “Acreditem em nós!”.
É disso que trata a edição 414 de Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» O Evangelho Numa Sociedade Pluralista, Lesslie Newbigin
» O Mundo - uma missão a cumprir, John Stott e Tim Chester
» Por que conversar sobre meio ambiente e desafios ambientais com os jovens cristãos?, por Carlos Henrique
Por Carlos Henrique
Mal tivemos tempo de comentar a onda dos bebês reborn e ela já ficou para trás, engolida pela fluidez da cultura contemporânea. Agora é vez do monstrinho Labubu que toma conta das redes. Depois de causar filas e tumultos mundo afora como item de luxo vendido pela PopMart, chegou ao Brasil em sua versão “popularizada” na rua 25 de Março com o nome de Lafufu. O original custa até R$ 1600 e aparece nas bolsas de influenciadoras como Virgínia Fonseca e Maya Massafera. Na 25 de março, o primo humilde custa entre R$ 65 e R$ 250. Mas a questão não é só o boneco, é o que ele representa: o ciclo do consumo por pertencimento, que transforma objetos banais em símbolos de status e identidade.Apesar da nossa tendência de associar o consumo apenas a tudo que gira em torno da compra, da posse, não podemos excluir que ele também abarca a aparência, e o status quo. Dessa forma o que consumimos, e a forma como consumimos, molda não apenas nossa economia, mas também nossa identidade, nossos relacionamentos e por consequência nossa espiritualidade.
Desde as formas comunitárias de organização até as revoluções industriais, passando por sistemas escravistas e modelos como o fordismo e o toyotismo, a fé cristã sempre foi desafiada a discernir como viver o Evangelho diante de cada realidade econômica e social. Hoje, o desafio da fé é refletir sobre como viver o Evangelho em meio a uma realidade consumista.
Para podermos refletir um pouco melhor, me permita fazer algumas inferências sobre o consumo. Primeiramente vamos diferenciar entre consumo por necessidade e consumo por pertencimento, eu sei que é comum classificar consumo em pelo menos quatro tipos, mas creio que esses dois conseguem abarcar todas as classificações para as reflexões aqui estabelecidas.
O consumo por necessidade é simples e objetivo. É quando consumimos para viver: alimento, vestuário, cuidados básicos, moradia. É o consumo que responde às nossas necessidades mais fundamentais. Já o consumo por pertencimento opera em outra lógica, é o que fazemos para ser vistos, incluir-se, sentir-se parte. Compramos não porque precisamos, mas porque queremos nos encaixar, afirmar status, preencher inseguranças, seguir tendências.

Ambos os consumos são ensinados, por exemplo: normalmente você é ensinado a comer alimentos mais saudáveis para ter mais energia e evitar doenças (consumo por necessidade), normalmente você também é ensinado que ter determinadas marcas no seu guarda-roupa, ou vestir determinado estilo, te fará ser uma pessoa com mais amigos (consumo por pertencimento).
No consumo por necessidade vemos um alinhamento mais próximo, com o que o próprio Jesus nos ensina quando ora: “o pão nosso de cada dia nos dá hoje” (Mt 6.11). Trata-se de reconhecer a provisão de Deus e confiar que Ele cuida das nossas necessidades. Vale ressaltar que isso não nega o desejo legítimo de melhorar de vida ou conquistar bens por meio do trabalho honesto, isso é digno e pode refletir até mesmo a criatividade e o zelo que recebemos de Deus. Mas, nesse processo, a alma também percebe sua fragilidade e seu pecado, e por isso se volta a Deus não apenas com gratidão, mas com humildade, pedindo por misericórdia.
Já no consumo por pertencimento, consumir se torna um caminho para parecer alguém, e não para ser alguém. A identidade se esvazia, e a fé corre o risco de ser substituída por etiquetas, marcas e experiências comercializadas, aos poucos, deixamos de ser cristãos por seguirmos a Jesus e nutrirmos um relacionamento profundo com ele, e passamos a construir nossa identidade cristã com base nas roupas sugeridas pela blogueira evangê ou na aquisição da Bíblia mais trend do momento.
Essa lógica de pertencimento se alimenta diretamente de uma das forças motrizes do consumismo: a escassez. Criar a sensação de que “não há para todos”, seja um produto exclusivo, um evento limitado, ou mesmo poder morar numa área da cidade que não alaga, ou ter direito a água potável, viver numa região sem criminalidade é uma estratégia de manutenção de poder. Quando a escassez é fabricada ou mantida, ela empurra as pessoas para o consumo compulsivo, para a corrida desenfreada por “mais”, para a lógica de que quem não tem, não é.
Mais do que uma falha, isso é um projeto anticristo. A exclusão de pessoas, a manutenção da pobreza, a valorização do luxo como símbolo de sucesso: tudo isso sustenta um estilo de vida fora dos valores de Cristo, pois nessa lógica você é o que você possui, faz ou dizem sobre você, e não o que Cristo diz sobre você. É nesse ponto que entra o chamado radical de Jesus: "Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro" (Mt 6.24). A proposta de Cristo não é de fuga do mundo, mas de sabedoria no mundo. Fica claro que teremos de lidar com o consumo e é aí que Ele nos convida a repensar nossas práticas, nossos desejos, nossas prioridades. Não se trata apenas de consumir menos, mas de consumir com consciência (seja produtos, conteúdos ou vivências), e principalmente, de não permitir que nosso valor ou pertencimento sejam definidos pelo que temos, mas por quem somos em Deus.
Consumir com sabedoria, nesse sentido, é também um ato de fé. É uma declaração silenciosa, porém poderosa, de que meu valor não está no que eu tenho, no que eu faço, ou no que dizem ao meu respeito, mas em quem me chamou pelo nome, que me recebeu em Sua família como filho adotivo (Jo 1.12, Ef 1.5). É afirmar que minha felicidade não depende de possuir mais, mas de confiar mais: mais em Deus, mais em Sua graça, mais em quem Ele diz que eu sou.
É sobre aprender a viver “o pão nosso de cada dia nos dá hoje”. Não é apenas sobre pedir o necessário, mas sobre confiar plenamente na suficiência de Deus, é crer que Ele sabe o que precisamos antes mesmo de pedirmos, entender que nem tudo o que desejamos é essencial e que o contentamento, em um mundo movido pela escassez, pelo excesso e pela comparação, é um ato profundo de resistência. Que o Pai nos ensine a pedir o pão de hoje e não os banquetes do amanhã, a confiar na provisão e não na posse, a descansar na suficiência e não na ansiedade, porque quem tem o pão de cada dia, carrega uma riqueza que o mundo não pode dar... e nem tirar.
- Carlos Henrique é engenheiro florestal, especialista em educação e gestão ambiental e mestrando em conservação e desenvolvimento sustentável. Congrega na Igreja Presbiteriana e atua como coordenador de mobilização na Iniciativa Inter-Religiosa pelas Florestas Tropicais no Brasil (IRI Brasil). @carloshenrique.ss.
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Os adolescentes desta geração são o grupo mais impactado pelo ritmo acelerado das mudanças. A matéria dessa edição oferece subsídio para melhor conhecer e atuar com esse grupo. Nos depoimentos dos 12 adolescentes que participam eles pedem: “Acreditem em nós!”.
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