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Opinião

As pessoas sólidas e o verniz religioso

Por Paulo Ribeiro

Ao longo da minha vida, conheci muitas pessoas notáveis, não porque fossem extraordinariamente perfeitas, mas por causa da profundidade de suas personalidades, da firme firmeza de suas ações e da maneira como habitavam o mundo com integridade. Durante muitos anos procurei um termo que pudesse reuni-las todas numa única categoria. “Perfeitas” nunca serviria, pois todos carregamos falhas. “Exemplares”, “virtuosas”, “íntegras”, “admiráveis” — cada palavra capturava um fragmento, mas nenhuma abrangia o todo do que essas figuras representaram na minha vida. Foi somente quando li The Great Divorce (O Grande Divócio, de CS Lewis) pela primeira vez que encontrei a expressão exata: Pessoas Sólidas.

Os seres que Lewis descreve, tão reais, tão substanciais, tão resistentes até mesmo à própria luz do país que habitam, finalmente deram nome ao que eu vinha percebendo há décadas: a existência de seres humanos cuja substância interior é maior do que as circunstâncias, maior do que o tempo e maior do que as sombras ao redor. Meu exemplo mais claro e mais antigo de tal solidez diante do sofrimento veio dos meus bisavós no Sertão do Vale do Pajeú, no Brasil. Pessoas Sólidas não são perfeitas; são profundas. Não são imunes ao sofrimento; são moldadas por ele.

Além de meus pais, avós e bisavós, posso listar professores que estenderam a mão no momento certo, amigos de infância que me ensinaram lealdade, colegas que encarnaram integridade e até desconhecidos que cruzaram meu caminho e, com um gesto simples, revelaram uma forma mais elevada de viver. Cada um deixou em mim uma marca — às vezes sutil, às vezes decisiva — contribuindo para quem sou e para quem ainda tento me tornar.

Mas nem todas as figuras influentes que encontrei ao longo da minha jornada eram sólidas. Também encontrei aqueles que pareciam sólidos, mas eram apenas especialistas em imitar substância. Alguns usavam a linguagem da moralidade para esconder a própria arrogância; outros recitavam princípios como quem recita slogans; ainda outros envolviam suas fraquezas pessoais numa máscara dourada de religiosidade, como se um verniz espiritual pudesse substituir o caráter.

Essas posturas morais pseudo-sólidas sempre me trouxeram profunda frustração, não porque tenham falhado minhas expectativas, mas porque obscurecem a verdadeira beleza da solidez genuína. Não há nada mais triste do que ver a religião — que deveria revelar a verdade — usada como véu para ocultar falhas que, se admitidas, poderiam ter sido curadas. A falsa solidez é um tipo particularmente perigoso de fantasmagoria: fala como se fosse rocha, mas pensa como uma sombra.

E aqui O Grande Divorcio fala com precisão impressionante: há fantasmas que parecem densos até que a luz verdadeira os alcance. Quando a claridade toca a superfície, o brilho se desfaz, e torna-se evidente que havia mais orgulho do que substância, mais aparência do que transformação.

No entanto, paradoxalmente, essas experiências me ensinaram algo essencial: a verdadeira solidez não teme a luz. Personalidades reais não precisam de disfarces. A honestidade não exige polimento religioso. E a fé, quando autêntica, não é uma máscara, mas uma janela.

O Livro me ajudou a compreender a lição mais profunda por trás de tudo isso: a verdadeira maturidade não é leveza; é densidade. A realidade espiritual, no livro e na vida, exige peso. As sombras cedem lugar à substância. A ilusão se desfaz quando tocada pela verdade. E cada Pessoa Sólida que encontrei parecia, de algum modo misterioso, já viver no limiar daquele “país mais real”, onde a verdade tem consistência, a graça tem forma e a alegria é dura como diamante.

Desde então, compreendi que minha própria jornada é, em parte, uma tentativa de seguir seus passos: tornar-me, pouco a pouco, um pouco mais sólido. Não para ser admirado, mas para ser verdadeiro. Não para habitar um mundo imaginário, mas para estar mais preparado para o Real, aquele Real que Lewis tão magistralmente descreve como mais firme, mais claro e mais eterno do que tudo o que chamamos de realidade aqui.

Sugiro a todos a leitura desse livro extraordinário, no qual Lewis mostra que as escolhas morais e espirituais que fazemos agora moldam quem nos tornamos para sempre. Ele rejeita a ideia de que Céu e Inferno sejam destinos arbitrários: para Lewis, são estados de ser. O “divórcio” do título representa a separação definitiva entre realidade e autoengano. O livro é, acima de tudo, um convite à honestidade interior, à renúncia do orgulho e à busca do que é realmente sólido, eterno e verdadeiro.

Se há em mim algum grau de firmeza moral, intelectual ou espiritual, devo-o em grande parte a essas Pessoas Sólidas que me acompanharam ao longo da vida. E continuo caminhando com a esperança de que, um dia, eu também possa pisar naturalmente naquele terreno luminoso onde tudo o que é falso se dissolve e tudo o que é autêntico permanece.


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» Surpreendido Pela Alegria, C. S. Lewis
» O Cultivo da Vida Cristã - Meditações em 1 João, Robert Koo
Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade de Manchester, na Inglaterra, foi Professor em Universidades nos Estados Unidos, Nova Zelândia e Holanda, e Pesquisador em Centros de Pesquisa (EPRI, NASA). Atualmente é Professor Titular Livre na Universidade Federal de Itajubá, MG. É originário do Vale do Pajeú e torcedor do Santa Cruz.
>> http://lattes.cnpq.br/2049448948386214
>> https://scholar.google.com/citations?user=38c88BoAAAAJ&hl=en&oi=ao

Pesquisa publicada recentemente aponta os cientistas destacados entre o “top” 2% dos pesquisadores de maior influência no mundo, nas diversas áreas do conhecimento. Destes, 600 cientistas são de Instituições Brasileiras. O Professor Paulo F. Ribeiro foi incluído nesta lista relacionado a área de Engenharia Elétrica.
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