Opinião
13 de novembro de 2025- Visualizações: 873
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Aprendendo com as discordâncias religiosas
Revisar e até reforçar crenças iniciais a partir da elaboração de argumentos melhores
Por Arthur Henrique Soares dos Santos
Helen De Cruz foi uma grande filósofa analítica da religião. Em particular, guardo com muito carinho na memória suas palestras sobre evidência e discordância religiosa que assisti em 2023. Com seu falecimento recente, essas memórias ganharam espaço afetivo muito grande em minha mente. Por isso, fiquei muito feliz ao saber que a Editora Ultimato, em parceria com a ABC2, publicaria o livro Discordâncias Religiosas, com o qual tive contato pela primeira vez ao conhecer Helen pessoalmente em um evento de epistemologia da religião.
Na obra – pequena e com escrita bastante acessível –, Helen De Cruz quer saber quais conclusões práticas nós podemos ter a partir da discordância religiosa. E seu percurso para responder a essa questão passa por tópicos muito importantes da epistemologia social: a autora discute a natureza social do conhecimento, o que conta ou não como uma evidência, o que é ser um par epistêmico de outros, qual o significado epistêmico da discordância e da concordância, bem como quais atitudes práticas podemos ter diante da discordância entre especialistas (em particular, especialistas em matéria religiosa, como filósofos da religião e teólogos).
Essa discussão acerca da discordância entre especialistas é uma das mais interessantes da obra. Pense, por exemplo, em dois grandes filósofos da religião, como William Lane Craig (um cristão) e Quentin Smith (um ateu). Os dois, além de seu conhecimento de religião, também são bem versados em temas de cosmologia contemporânea. Contudo, eles têm um desacordo sobre os resultados que a investigação cosmológica gera para a discussão sobre a existência de Deus. Craig conclui que Deus existe, ao passo que Smith conclui que Deus não existe. Diante disso, aquele que não é especialista no debate pode se sentir confuso. E a proposta de Helen De Cruz para lidar com esse tipo de problema é o modelo do especialista como professor. Seu modelo consegue equilibrar bem a ideia de que o especialista é uma autoridade epistêmica em um determinado tópico com a ideia de que quem não é especialista deve também fazer uso das próprias capacidades cognitivas para avaliar o que está sendo debatido. Afinal de contas, um professor é uma autoridade epistêmica para o aluno, mas o aluno ainda deve fazer sua própria avaliação crítica. Nesse sentido, Helen De Cruz equilibra bem o fato de que muitas vezes devemos deferir aos especialistas com o fato de que não precisamos abandonar a autonomia racional.
Outro ponto muito interessante no livro é a avaliação que a autora faz do argumento do consentimento comum. Tradicionalmente, esse argumento defende que o teísmo é uma crença quase universal e que, por isso, deve ser verdadeiro. Tal argumento claramente não é muito impressionante na sua forma clássica. Além disso, estudos estatísticos mostram que, embora seja verdade que a religião seja bastante comum na vida dos vários povos ao longo da história, o teísmo não chega a ser uma crença quase universal. Apesar disso, Helen De Cruz demonstra bem que a crença em agentes naturais tem um valor evidencial por conta da ampla concordância acerca dela. Isso pode ser, no mínimo, uma evidência contra o naturalismo.
Em resumo, o livro de Helen De Cruz oferece uma amostra de como a discordância religiosa pode contribuir para a justificação racional de nossas crenças. Por meio da discordância, podemos aprender uns com os outros, revisar crenças e até reforçar nossas crenças iniciais a partir da elaboração de argumentos melhores. Nesse sentido, a filosofia tem muito a contribuir para as discussões sobre nossas discordâncias religiosas. Sem dúvida alguma, é uma obra importante para aqueles com interesse em filosofia da religião, epistemologia e teologia. Além de suas ótimas discussões epistemológicas, é uma obra que nos ensina a tolerância com a diversidade de opiniões – inclusive em matérias sérias e importantes, como é o caso da religião. Helen De Cruz nos deixou um tesouro em poucas páginas. Espero que ela seja honrada por isso.
REVISTA ULTIMATO - A IGREJA EM MISSÃO
Ultimato celebra a igreja em missão, a missão da igreja e o movimento missionário brasileiro, cuja história é quase tão longeva quanto a do Brasil.
Ao longo de mais de 10 páginas, o leitor vai encontrar parte das palestras do 10ª edição do Congresso Brasileiro de Missões (CBM 2025), que aconteceu em outubro, em Águas de Lindóia, SP, e lerá, no "Especial", um painel com uma avaliação ampla e crítica do movimento missionário brasileiro.
É disso que trata a edição 416 de Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Série “Filosofia e Fé Cristã”
» O Caminho do Coração – Meditações diárias, Ricardo Barbosa
Por Arthur Henrique Soares dos Santos
Helen De Cruz foi uma grande filósofa analítica da religião. Em particular, guardo com muito carinho na memória suas palestras sobre evidência e discordância religiosa que assisti em 2023. Com seu falecimento recente, essas memórias ganharam espaço afetivo muito grande em minha mente. Por isso, fiquei muito feliz ao saber que a Editora Ultimato, em parceria com a ABC2, publicaria o livro Discordâncias Religiosas, com o qual tive contato pela primeira vez ao conhecer Helen pessoalmente em um evento de epistemologia da religião.Na obra – pequena e com escrita bastante acessível –, Helen De Cruz quer saber quais conclusões práticas nós podemos ter a partir da discordância religiosa. E seu percurso para responder a essa questão passa por tópicos muito importantes da epistemologia social: a autora discute a natureza social do conhecimento, o que conta ou não como uma evidência, o que é ser um par epistêmico de outros, qual o significado epistêmico da discordância e da concordância, bem como quais atitudes práticas podemos ter diante da discordância entre especialistas (em particular, especialistas em matéria religiosa, como filósofos da religião e teólogos).
Essa discussão acerca da discordância entre especialistas é uma das mais interessantes da obra. Pense, por exemplo, em dois grandes filósofos da religião, como William Lane Craig (um cristão) e Quentin Smith (um ateu). Os dois, além de seu conhecimento de religião, também são bem versados em temas de cosmologia contemporânea. Contudo, eles têm um desacordo sobre os resultados que a investigação cosmológica gera para a discussão sobre a existência de Deus. Craig conclui que Deus existe, ao passo que Smith conclui que Deus não existe. Diante disso, aquele que não é especialista no debate pode se sentir confuso. E a proposta de Helen De Cruz para lidar com esse tipo de problema é o modelo do especialista como professor. Seu modelo consegue equilibrar bem a ideia de que o especialista é uma autoridade epistêmica em um determinado tópico com a ideia de que quem não é especialista deve também fazer uso das próprias capacidades cognitivas para avaliar o que está sendo debatido. Afinal de contas, um professor é uma autoridade epistêmica para o aluno, mas o aluno ainda deve fazer sua própria avaliação crítica. Nesse sentido, Helen De Cruz equilibra bem o fato de que muitas vezes devemos deferir aos especialistas com o fato de que não precisamos abandonar a autonomia racional.
Outro ponto muito interessante no livro é a avaliação que a autora faz do argumento do consentimento comum. Tradicionalmente, esse argumento defende que o teísmo é uma crença quase universal e que, por isso, deve ser verdadeiro. Tal argumento claramente não é muito impressionante na sua forma clássica. Além disso, estudos estatísticos mostram que, embora seja verdade que a religião seja bastante comum na vida dos vários povos ao longo da história, o teísmo não chega a ser uma crença quase universal. Apesar disso, Helen De Cruz demonstra bem que a crença em agentes naturais tem um valor evidencial por conta da ampla concordância acerca dela. Isso pode ser, no mínimo, uma evidência contra o naturalismo.
Em resumo, o livro de Helen De Cruz oferece uma amostra de como a discordância religiosa pode contribuir para a justificação racional de nossas crenças. Por meio da discordância, podemos aprender uns com os outros, revisar crenças e até reforçar nossas crenças iniciais a partir da elaboração de argumentos melhores. Nesse sentido, a filosofia tem muito a contribuir para as discussões sobre nossas discordâncias religiosas. Sem dúvida alguma, é uma obra importante para aqueles com interesse em filosofia da religião, epistemologia e teologia. Além de suas ótimas discussões epistemológicas, é uma obra que nos ensina a tolerância com a diversidade de opiniões – inclusive em matérias sérias e importantes, como é o caso da religião. Helen De Cruz nos deixou um tesouro em poucas páginas. Espero que ela seja honrada por isso.
- Arthur Henrique Soares dos Santos é graduado e mestre em filosofia pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
REVISTA ULTIMATO - A IGREJA EM MISSÃOUltimato celebra a igreja em missão, a missão da igreja e o movimento missionário brasileiro, cuja história é quase tão longeva quanto a do Brasil.
Ao longo de mais de 10 páginas, o leitor vai encontrar parte das palestras do 10ª edição do Congresso Brasileiro de Missões (CBM 2025), que aconteceu em outubro, em Águas de Lindóia, SP, e lerá, no "Especial", um painel com uma avaliação ampla e crítica do movimento missionário brasileiro.
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