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Opinião

A Fazenda da Caveira de Barbacena e a colina da Caveira de Jerusalém

A grande vergonha do manicômio de Barbacena durou quase meio século. É uma vergonha recente

Por Elben César


A Inquisição foi uma vergonha, as Cruzadas foram uma vergonha, o colonialismo foi uma vergonha, a escravatura foi uma vergonha, a discriminação racial foi uma vergonha, os campos de concentração foram uma vergonha, a Guerra Fria foi uma vergonha e o manicômio de Barbacena foi uma vergonha.

Se não tivesse desaparecido, a grande vergonha de Barbacena estaria comemorando seu 121º aniversário exatamente agora, em março de 2024. Criado pelo governo de Minas Gerais em 1903, o Hospício de Barbacena, mais tarde Hospital Colônia, começou num ambiente de lugubridade. Embora situado num lugar aprazível (a mil metros de altura) e espaçoso, a propriedade havia pertencido a Joaquim Silvério dos Reis, o coronel português que se filiou à conjuração mineira e depois a denunciou, causando o fracasso do movimento que desejava proclamar a independência do Brasil de Portugal, o degredo de vários inconfidentes e o enforcamento de Tiradentes aos 45 anos, em 21 de abril de 1792. Por ter o sinistro nome de Fazenda da Caveira – palavra que é um dos símbolos largamente associados à morte –, a área obrigatoriamente lembrava a colina da Caveira, o lugar onde Jesus foi crucificado (Lc 23.33). Soma-se a isso o nome dado ao manicômio – Hospício de Barbacena –, que fere o paciente e seus familiares.

Nos primeiros trinta anos, tudo correu muito bem. Tão bem que o Hospital Colônia (nome mais delicado) passou a ser um mega-hospital, atraindo doentes de todo o estado de Minas e de vários outros lugares do país, não só portadores de “transtornos mentais” – expressão desconhecida na época –, mas também sifilíticos, tuberculosos e marginalizados. De somente duzentos passou para quase 5 mil pacientes. Era uma mistura absurda: crianças que nunca mais veriam seus pais, meninos considerados desobedientes pelos pais e professores, presos políticos, toda sorte de pessoas indesejáveis e até moças solteiras que haviam perdido a virgindade ou que estavam grávidas. Os “doentes” eram despejados na estação Barbacena da Estrada de Ferro Central do Brasil, que ficava defronte ao pavilhão principal, pelo chamado “Trem de Doido”. A maioria nunca mais voltava para casa.

Por causa dessa superlotação, a direção da colônia foi obrigada a retirar as três ou quatro camas de cada quarto para alojar, no chão coberto de feno, oito a doze pacientes, que competiam com os ratos que os mordiam durante a noite. Por causa das fezes e da urina o cheiro era insuportável. Abandonados à própria sorte, os internos perambulavam nus e descalços pelos pavilhões e comiam comida servida em cochos, sem colheres. Os pacientes mais rebeldes e os acusados de alguma insubmissão eram mantidos presos em celas gradeadas, algemados pelos pés e mãos.



Por acreditar que a ociosidade era nociva ao louco, uma parte do tratamento era por conta da laborterapia, por meio da qual se retirava do paciente a condição de criatura inútil, possibilitando a canalização de sua agressividade e, consequentemente, a cura, pensava-se. Os pacientes pobres e considerados indigentes eram forçados a trabalhos monótonos e repetitivos, como se fossem escravos, na lavoura, na área do hospital e na confecção de tijolos, como aconteceu com os israelitas no Egito. Praticava-se também a lobotomia, corte das vias nervosas na região frontal do cérebro quando há esquizofrenia grave e em estados compulsivos.

O número de mortos era assustador – sessenta óbitos por semana. Calcula-se que cerca de 60 mil pessoas morreram no Hospital Colônia. As mortes eram causadas por maus-tratos, diarreia, desnutrição, desidratação, doenças oportunistas, falta de higiene e frio intenso. Fala-se de um chá que era frequentemente servido por volta da meia-noite e, “estranhamente”, no dia seguinte muitos amanheciam mortos e eram espalhados nos corredores e pátios do hospital até serem sepultados.

Até serem sepultados é apenas o modo de falar, pois vários deles eram colocados em tonéis com ácido para “desencarnar”, isto é, para tirar-lhes a carne. O que sobrava – o esqueleto – era vendido a faculdades de medicina do país. Além do comércio de esqueletos, havia o de cadáveres inteiros para abastecer os laboratórios de anatomia. Ao todo, 1.853 corpos foram vendidos para dezessete faculdades de medicina.

A grande vergonha do manicômio de Barbacena durou quase meio século – de 1933 a 1979. É uma vergonha recente. Coisas parecidas ou piores aconteceram no Bethlem Royal Hospital of London, o mais antigo hospital psiquiátrico do mundo, do século 13, e em outros. Num deles, no século 17, doentes mentais eram espancados e torturados em público para divertir os visitantes.

Artigo originalmente publicado na edição 341 de Ultimato.
Crédito das imagens: Luiz Alfredo Ferreira/Acervo da Fundação Municipal de Cultura de Barbacena.


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Elben Magalhães Lenz César foi o fundador da Editora Ultimato e redator da revista Ultimato até a sua morte, em outubro de 2016. Fundador do Centro Evangélico de Missões e pastor emérito da Igreja Presbiteriana de Viçosa (IPV), é autor de, entre outros, Por Que (Sempre) Faço o Que Não Quero?, Refeições Diárias com Jesus, Mochila nas Costas e Diário na Mão, Para (Melhor) Enfrentar o Sofrimento, Conversas com Lutero, Refeições Diárias com os Profetas Menores, A Pessoa Mais Importante do Mundo, História da Evangelização do Brasil e Práticas Devocionais. Foi casado por sessenta anos com Djanira Momesso César, com quem teve cinco filhas, dez netos e quatro bisnetos.
  • Textos publicados: 115 [ver]

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