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Opinião

Świdnica e Auschwitz – Entre a paz e a guerra

Por Carlos Caldas

Nos últimos dias de maio e nos primeiros de junho de 2022, sob os auspícios da Escola de Teologia Evangélica de Wroclaw, Polônia, pude participar do meu primeiro congresso presencial desde 2020. O tema geral da conferência que tive a honra de participar foi Wrocławskie drogi do wolności – “Os caminhos de Wroclaw para a liberdade”. Antes de prosseguir, breves notas históricas: Wroclaw fica na região conhecida como Baixa Silésia. Por séculos foi uma região da Alemanha. Nos séculos em que foi uma cidade alemã, a cidade tinha o nome de Breslau (no português lusitano, “Breslávia”). Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, a região passou a fazer da parte da Polônia, tendo então seu nome mudado para Wroclaw (pronuncia-se “vrotsuáv”). Personalidades ilustres nasceram lá quando a cidade ainda era Breslau, dentre as quais podem ser citadas o místico cristão Angelus Silesius (1624-1677), o teólogo Friedrich Schleiermacher (1768-1834), o filósofo Ernst Cassirrer (1874-1945), o sociólogo Norbert Elias (1897-1990) e, por último, mas não menos importantes, Edith Stein (1891-1942) intelectual judia convertida ao cristianismo católico, tendo sido canonizada como Santa Teresa Bendita da Cruz, e Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), pastor luterano e teólogo, um dos mais influentes do século passado. A conferência teve como foco o pensamento destas duas últimas figuras. Foi um evento ecumênico, tendo algumas atividades na mencionada Escola de Teologia Evangélica e outras na Pontifícia Faculdade de Teologia da cidade. Além da própria Polônia, participaram pessoas provenientes dos seguintes países: Hungria, Romênia, Escócia, Estados Unidos e Brasil e, via Zoom, Alemanha, Inglaterra e Austrália. 
 
Em minha apresentação abordei os conceitos de liberdade e responsabilidade na ética teológica de Bonhoeffer e sua aplicabilidade para o momento conturbado que estamos a enfrentar, no Brasil e no mundo. Um resumo do resumo da questão pode ser apresentado da seguinte maneira: Bonhoeffer, seguindo Lutero, entende a liberdade do cristão não como liberdade de, mas liberdade para: a pessoa cristã não é livre para viver para si, mas para o outro, o próximo. Logo, a compreensão cristã de liberdade implica automaticamente em responsabilidade, para com o “outro”, isto é, o próximo, para com a sociedade, para com o meio ambiente. A liberdade cristã não é egoísta nem egocêntrica. Antes, é solidária e comprometida com as dores do mundo que Deus amou e ama. E Cristo é o paradigma absoluto de liberdade com responsabilidade.
  
As apresentações foram muito ricas e densas. Algumas das “falas” foram dadas em polonês, mas deverão até o final do ano ser traduzidas para o inglês e publicadas no periódico Theologica Wratislavensia, da mencionada Escola de Teologia Evangélica de Wroclaw. 
 
Na programação do evento constaram dois momentos absolutamente únicos, duas “excursões”, por assim dizer, e a respeito das quais vou comentar a seguir, posto que de maneira reduzida e resumida, considerando que é impossível expressar em palavras toda a intensidade emocional que foi (que é) a visita aos dois lugares e, de igual maneira, o turbilhão de pensamentos que as visitas provocam em qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade humana. 
 
 
Primeiramente, a visita à Igreja da Paz em Świdnica (pronuncia-se “Ishvidnitsa”), uma cidade pequena que fica a mais ou menos 50 quilômetros de distância de Wroclaw. Seu templo, em estética barroca, todo construído em madeira, é o maior da Europa no gênero, e consta da lista do Patrimônio Mundial da UNESCO. A igreja é a Paróquia de Świdnica da Igreja Evangélica (Luterana) da Confissão de Augsburgo na Polônia. 
 
A história da Igreja da Paz (ou melhor, das Igrejas da Paz) é, sem exagero, interessantíssima: três igrejas foram chamadas de Friedenskirche – “Igreja da Paz” na região da Silésia, sendo que a de Świdnica é a única que não foi destruída nas duas guerras mundiais. O nome “da Paz” se deve ao fato que as três igrejas foram construídas após os acordos do Tratado de Westfalia, de 1648, que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos, travada por motivos diversos, mas em considerável medida, religiosos. Os protestantes da Silésia tiveram seus templos tomados pelo Imperador da Áustria. Com apoio do Rei da Suécia, os protestantes tiveram direito de construir três templos, mas as condições que lhes foram impostas eram extremamente severas, praticamente impossíveis de serem atendidas: os templos não poderiam ser construídos com material durável, como pedra ou tijolos, e deveriam estar prontos em um ano. Proibidos de usar material durável, o que lhes restou foi madeira e argila. O início da construção não se deu de imediato, pois o primeiro culto no templo de Świdnica foi realizado em 24 de junho de 1657, mas o templo foi construído em dez meses. Um milagre! A decoração do templo, com capacidade para 5.000 pessoas, foi acrescentada posteriormente. No centro do altar principal há cinco estátuas: o sacerdote Arão, Moisés, Jesus ao centro, e os apóstolos Pedro (segurando uma chave) e Paulo (portando uma espada). Imediatamente acima do altar está a pintura de um triângulo com o tetragrama sagrado, as quatro letras do nome divino em hebraico. Nas laterais há inscrições em alemão com versículos bíblicos. E na outra extremidade, em uma linha reta em direção à estátua de Jesus, está uma pintura de Martinho Lutero. 
 
E exatamente no centro do templo, no teto, uma pintura representa o mistério da Trindade. A Igreja da Paz é um verdadeiro milagre, não apenas do engenho humano, capaz de fazer o (quase) impossível, mas um milagre da graça de Deus. É, no mínimo, impressionante que, tal como anteriormente mencionado, não tenha sido destruída em nenhuma das duas guerras do século XX. A igreja funciona ininterruptamente desde sua organização em 1657. Atualmente, um culto por semana, nas manhãs de domingo. Estar na Igreja da Paz transmitiu-me sensação de paz e leveza. Foi um momento de quietude, admiração e contemplação do que Deus pode fazer meio de pessoas que se dispõem a servi-lo. 
 
Mas no dia seguinte tivemos uma experiência totalmente diferente, em todos os sentidos: visitamos o complexo do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. Vale registrar que Auschwitz é o nome alemão do lugar. O nome polonês da cidade que abrigou o campo de morte é Oświęcim (pronuncia-se algo mais ou menos como “Oshfientim”). A viagem é um pouco mais longa, cerca de três horas distante de Wroclaw. Visitar a igreja de Świdnica transmitiu paz, mas visitar Auschwitz produziu – produz – inquietude, tristeza, raiva, perplexidade, confusão, dúvida, desespero. 
 
Auschwitz foi também uma obra de engenharia – só, que uma engenharia para a morte. Durante os anos de seu funcionamento, recebendo em sua maioria absoluta judeus (russos, poloneses, ciganos e pessoas de outras etnias também foram levados para lá), o campo foi projetado para matar gente em escala industrial, algo simplesmente inimaginável. Não dá para processar o que foi aquilo. O guia polonês que conduziu nosso grupo nos disse que até 2019, ou seja, antes da explosão da crise mundial da Covid19, o campo recebia uma média de 8.000 visitantes por dia, mas que em seu auge, cerca de 12.000 pessoas eram assassinadas por dia em Auschwitz. Não há como entender ou processar isso. Foi a “banalidade do mal”, no dizer da filósofa Hannah Arendt. Para que uma quantidade tão grande de pessoas fosse morta por dia, f0i necessário um esquema que envolveu muita gente, desde pessoas que faziam serviço pesado até engenheiros qualificados, que gastaram energia para pensar em como matar o máximo de pessoas no menor tempo possível. Os “funcionários” do campo trabalhavam lá durante o dia, e no fim da tarde ou início da noite, voltavam para suas casas para jantar com suas famílias, e no dia seguinte, voltavam e faziam a mesma coisa. Para eles, não havia nada de mal no que fizeram. Algo surreal, que nenhum romancista do mundo foi capaz de pensar. Mas, infelizmente, isso aconteceu. 
 
Świdnica e Auschwitz – duas obras aparentemente impossíveis, mas que foram levadas a cabo. Uma, para celebrar o fim de uma guerra. A outra, para matar inocentes. Uma glorifica a Deus pela dádiva da engenhosidade humana. A outra, revela a maldade abissal, de inspiração demoníaca, que habita o coração humano. A visita aos dois lugares é marcante, como visto, por motivos totalmente diferentes. Mas a visita a Auschwitz é um alerta, para que tal não mais aconteça. Na entrada do museu do campo há uma placa com a frase conhecida do filósofo espanhol George Santayana: “quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo”. Como humanos, criaturas caídas, manchadas e marcadas pelo pecado, somos tentados a querer eliminar o “outro”, que é diferente de nós, aquele que está errado mesmo quando está certo, que não pertence ao nosso grupo. O “outro” é e pode ser literalmente qualquer um: o esquerdista, o fascista, o homossexual, o pentecostal, o católico, o rico, o pobre, o quilombola, o indígena, o gordo, o magro, o feio, o bonito, o sem religião, o muçulmano, o usuário de drogas, o... A lista não tem fim. Auschwitz foi uma tentativa terrível de eliminar o “outro”. Deus nos guarde de tal tentação. Que possamos seguir não o caminho de Auschwitz, mas o de Świdnica.

Saiba mais:
» Bonhoeffer para Todos, de Stephen R. Haynes
» A Arte e a Bíblia, de Francis Schaeffer
É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
  • Textos publicados: 79 [ver]

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