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Opinião

Trabalho Infantil: por que a polêmica?

Por Elsie Cunha Gilbert
 
Há coisas que são tão óbvias que quando contestadas nos causam consternação. Não se pede a um bebê de 6 meses para andar, a uma criança de 2 anos para ler, a um menino de cinco anos para pegar um ônibus para ir à escola. É óbvio. O ser humano nasce dependente, carente de proteção, e percorre um caminho preconizado pela nossa lei como “uma condição especial de desenvolvimento”. O final deste caminho é a autonomia, a interdependência, a capacidade de viver em sociedade de forma produtiva e harmoniosa. 
 
Se falamos de um contínuo da dependência à autonomia, a pergunta é: em que idade as sociedades modernas devem nutrir a expectativa do trabalho como principal atividade para a pessoa humana? Quando é que um cidadão deve se ver sobretudo como um trabalhador, um ser produtivo e capaz de gerar renda para si e para os seus?
 
Quando se deve começar a trabalhar?
 
Esta pergunta já foi intensamente debatida e deliberada pelas nações do mundo a partir das práticas abusivas da exploração da mão-de-obra que a Revolução Industrial acarretou. Não podemos voltar às minas de carvão e aos galpões industriais da Inglaterra do século 19 onde se encontravam crianças e adolescentes trabalhando em condições sub-humanas. Temos leis para que aquela realidade não se repita e grande parte das nações do mundo atual concordam que estas leis são importantes. Admitir o trabalho infantil seria tão cruel quanto voltarmos aos guetos de Hitler. Veja o que a Convenção de Idade Mínima de 1973 diz. Ela foi ratificada pelo Brasil em 2001.
 
Art. 1º — Todo País-Membro, no qual vigore esta Convenção, compromete-se a seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do jovem.

Art. 2º — 1. Todo País-Membro que ratificar esta Convenção especificará, em declaração anexa à ratificação, uma idade mínima para admissão a emprego ou trabalho em seu território e nos meios de transporte registrados em seu território; ressalvado o disposto nos Artigos 4º e 8º desta Convenção, nenhuma pessoa com idade inferior a essa idade será admitida a emprego ou trabalho em qualquer ocupação.

2. Todo País-Membro que ratificar esta Convenção poderá notificar ao Diretor-Geral do Secretariado da Organização Internacional do Trabalho, por declarações subsequentes, que estabelece uma idade mínima superior à anteriormente definida.

3. A idade mínima fixada nos termos do parágrafo 1 deste Artigo não será inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos.
 
Mas o trabalho infantil cruel do século 19 já acabou!
 
Não. Ele diminuiu, mas não acabou. De acordo com a OIT, no mundo hoje são 27 milhões de crianças cuja infância é vivida em condições precárias e aviltantes. Estas crianças são obrigadas a vender a força produtiva (que existe e cresce num contínuo) por um preço ínfimo se comparado ao do adulto. No mercado, vale a capacidade produtiva do trabalhador em uma lógica de competitividade. A força produtiva da criança ainda está em desenvolvimento e, portanto, no mercado ela é subvalorizada. A exploração da mão-de-obra infantil é uma prática predatória e insustentável para qualquer economia moderna. No Brasil são 2,5 milhões de meninas e meninos de 5 a 17 anos. Desses, 400 mil são crianças de 5 a 9 anos de idade. Outros 915 mil estão na faixa de 10 a 13 anos. Os 1,18 milhões entre 14 e 17 trabalham fora das regras permitidas pela lei.
 
Mas, eu trabalhei quando era criança, e isto foi bom!

Quem trabalhou quando era criança e tem boas lembranças também, possivelmente, viveu em casas sem água encanada ou energia elétrica, em ruas esburacadas, sem acesso ao transporte motorizado, etc. Ou seja, viveu num contexto mais rural. Provavelmente trabalhou ao lado dos pais ou parentes. Muitos de nós temos saudades daquele tempo. Mas, coerência é essencial neste diálogo. Não saímos defendendo que o Brasil será um país melhor porque voltamos a viver como nossos pais ou avós, num tempo de cidades pequenas e atividades ligadas ao campo. Não lutamos contra a cobertura universal de energia elétrica!
 
Podemos admirar aquelas pessoas que venceram grandes desafios na vida sem postular para a nova geração uma verdadeira corrida de obstáculos como uma boa prática. Este não é o melhor caminho para se construir uma nação justa, economicamente saudável e pacífica. Os prejuízos para as crianças que trabalham para ajudar a sustentar suas famílias são muitos e incluem:
 
- Evasão escolar ou baixo rendimento num país que precisa desenvolver uma mão-de-obra muito mais qualificada
- Exposição a violências e influências prejudiciais como o envolvimento em atividades ilícitas
- Sequelas físicas pela realização de tarefas para as quais os seus corpos ainda não estão preparados
- Sequelas emocionais por serem forçadas a lidar com dilemas e conflitos do mundo adulto em situação de desigualdade.
 
Mas esta história de proibir a criança de trabalhar não fez o Brasil melhorar. Agora temos milhões de adolescentes mal acostumados, preguiçosos e irresponsáveis.

Nenhum dos países assinantes das convenções da OIT proíbe que as crianças cresçam no contínuo que começa com a total dependência e que deve chegar na autonomia adulta. As definições abaixo se encontram num documento informativo do UNICEF sobre trabalho infantil:
  • O trabalho e a criança (Child Work): O UNICEF não se opõe às crianças que trabalham. A participação de crianças ou adolescentes no trabalho - atividade econômica - que não afeta negativamente sua saúde e desenvolvimento ou interfere em sua educação, é muitas vezes positiva. O trabalho leve (que não interfere com a educação) é permitido a partir dos 12 anos de idade, sob a Convenção Nº 138 da OIT. 
  • O trabalho infantil (Child Labour): O trabalho infantil é um conceito muito mais restrito e refere-se a crianças que trabalham em violação das normas da OIT contidas nas Convenções 138 e 182. Isso inclui todas as crianças com menos de 12 anos de idade que trabalham em qualquer atividade econômica; as com idades entre 12 e 14 anos envolvidas em atividades que ultrapassem o trabalho leve, e todas as crianças envolvidas nas piores formas de trabalho infantil.
  • Piores formas de trabalho infantil: são formas nas quais as crianças são escravizadas, recrutadas à força, sexualmente exploradas (prostituídas), traficadas, forçadas a atividades ilegais ou expostas a riscos.1
O foco principal da polêmica envolvendo o trabalho infantil gira em torno do conceito de trabalho. O termo trabalho leve (light work) na citação acima pode ser mal compreendido. Nos Estados Unidos, as crianças são incentivadas a desenvolverem atividades leves e recebem recompensa financeira para isto: trabalhos no ambiente familiar e comunitário como cortar grama, aguar as plantas, lavar o carro, vender limonada na esquina. No Brasil, tendemos aos extremos: alguns entendem que incentivar as crianças neste tipo de empreendimento fere a lei, e outros reagem afirmando então que a lei está errada. 
 
Ambos estão equivocados. As crianças aprendem a trabalhar da mesma forma que aprendemos qualquer outra coisa: num contínuo. O que a lei combate (e precisa combater com energia) é a nossa tradição histórica de explorar a força de trabalho da criança e do adolescente com vistas ao lucro do adulto em detrimento ao bem-estar e à formação da criança e do adolescente.
 
O problema está na falta de caminhos culturais bem pensados que ajudem a criança a sair da total dependência da primeira infância (sem imposição de responsabilidades), passando por suas primeiras experiências de trabalho com recompensa, até chegar às experiências formais de trabalho no início da juventude. Não é ideal para o desenvolvimento humano, chegar aos 18 anos, em qualquer classe social, sem que se tenha experiências e noções básicas do mundo do trabalho. A legislação brasileira permite que adolescentes trabalhem a partir dos 16 anos (sem prejuízo para os estudos, com carga horária de até 20 horas, e com o objetivo da aprendizagem profissional) e a partir dos 14 anos sob critérios de proteção bem mais cuidadosos e previstos na Constituição Federal (Art 7o, inciso XXXIII). 
 
As famílias sabem da importância do treinamento paulatino para o trabalho, e procuram opções para seus filhos. Infelizmente, o Brasil não é um país amistoso para com seus adolescentes. Muitas vezes as opções são tão prejudiciais (para os estudos, para a segurança, para os planos futuros) que os pais preferem desencorajar seus filhos. As nações desenvolvidas fazem esta transição muito melhor, incentivando os adolescentes ao trabalho leve, flexibilizando horários, diversificando as opções para que tenham experiências e descubram caminhos. 
 
Precisamos continuar a:
  • Combater o trabalho infantil;
  • Combater a pobreza, principal fator no trabalho infantil;
  • Investir na educação com qualidade;
  • Investir em oportunidades de trabalho diferenciado para adolescentes como aprendizes.

Nota
1. As Convenções mencionadas são resoluções da Organização Internacional do Trabalho, agência das Nações Unidas na qual o Brasil atua como um dos 193 países membro. Quando um país membro assina acordos internacionais, ele se compromete a transformar aquela resolução em lei, de acordo com o contexto de sua população. No Brasil, as Convenções 138 e 182 estão contempladas na nossa lei, tanto no ECA como na legislação trabalhista. 

Documentos
 
• Elsie Cunha Gilbert é jornalista e editora do blog da Rede Mãos Dadas.

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